INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2025 comemorou 48 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

domingo, 23 de novembro de 2025

Congresso "CASA NOBRE, UM PATRIMÓNIO PARA O FUTURO"

"As Zonas Especiais de Proteção: uma ferramenta para a salvaguarda da Casa Nobre", foi o tema da comunicação apresentada por Orlando Sousa (Presidente do ICOMOS) e Teresa Barbosa (em representação da ASPA), no 7º Congresso Internacional "A Casa Nobre: um Património para o Futuro", realizado nos Arcos de Valdevez, de 20 a 22 de novembro.

Permitiu alertar os proprietários das Casas Nobres para a importância da classificação destes bens culturais, com a necessária definição de ZEP (Zona Especial de Proteção), de modo a evitar os riscos a que estas casas estão sujeitas, tanto em meio urbano como rural, devido à pressão imobiliária.

Neste contexto, torna-se essencial a definição do conteúdo da ZEP (construções que inclui e caracterização da envolvente), bem como restrições de uso.

A nível rural, a ZEP deve especificar as infraestruturas agrícolas existentes - casa de caseiro, varandão ou espigueiro, eira, engenhos ou moinhos, tanques ou fontanários, muros em granito, socalcos, etc. -, bem como bosques de espécies autóctones, árvores de fruto, etc., uma vez que a paisagem rural articula o património cultural construído com o património natural.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

ENTRE ASPAS: "José Veiga, o desenhador da alma de Braga. Um itinerário pela vida e obra de um artista que deu forma à sensibilidade de uma cidade"

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A cidade de Braga celebra este ano o centenário do nascimento de José Veiga (1925-2002), artista que, ao longo de uma vida inteira, soube captar como poucos a alma da cidade - os seus lugares, as suas festas, as suas gentes e os seus símbolos. A exposição – na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva – “José Veiga, o desenhador da alma de Braga”, integrada no programa Braga – Capital Portuguesa da Cultura 2025, convida-nos a percorrer, passo a passo, a história de um homem que desenhou o rosto e a memória da sua terra.

Organizada pelo Arquivo Municipal de Braga (AMB) / Divisão da Cultura e pela Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva (BLCS), esta mostra é o primeiro grande tributo ao artista que fez da simplicidade uma estética e da sensibilidade uma forma de compromisso. O itinerário expositivo é também uma viagem interior: começa na vida pessoal e familiar de Veiga – nascido na freguesia da Sé, no seio de uma família da pequena burguesia comercial – e estende-se à descoberta de uma Braga que se transformava lentamente, ainda marcada pelos ritmos rurais e pelas convenções do Estado Novo.

O traço e a cidade

O diálogo entre o artista e a cidade é um dos eixos centrais da exposição.

Com um olhar atento às ruas, aos ofícios e às figuras típicas, retratou a cidade com humor, ironia e ternura. Braga foi o seu grande ateliê e o seu tema maior – a cidade que o inspirava e a cidade que ele reinventava – resgatando patrimónios desaparecidos e dando nova vida ao que o tempo parecia ter apagado.

Mas Veiga não se limitou ao desenho em papel. O seu talento expandiu-se para o espaço público e para a celebração coletiva. Nos arcos e iluminações do São João, nas ornamentações da Semana Santa, nas armações minuciosas que davam corpo à alegria popular, a sua imaginação transformava-se em cenografia. Era um desenhador que pensava em grande escala, um verdadeiro arquiteto da festa. Entre o traço delicado e a monumentalidade das estruturas urbanas, José Veiga construiu uma ponte entre o íntimo e o comunitário, entre o detalhe e o esplendor público.

O humor e o olhar cívico

O artista bracarense era também um observador arguto do seu tempo. Através da caricatura e do cartoon, expressava uma consciência crítica que o tornava cúmplice e, por vezes, irreverente. Criou personagens que ficaram na memória - como “O Braguinha”, alter-ego de ironia e ternura, ou o narigudo “Repórter Cê”, que acompanhava com sarcasmo o quotidiano da cidade.

Essas figuras espelham o lado cívico de um criador atento às transformações sociais e políticas, que via na arte uma forma de diálogo e de liberdade.

Nos seus desenhos e caricaturas, há sempre uma profunda empatia com o humano e uma ironia subtil ou mordaz, sobretudo quando abordava temas como o clero, a política ou o futebol, expondo a fragilidade e a humanidade das figuras do poder.

Entre dois mundos

A obra de Veiga é também o espelho de uma transição. Formado sob o regime estético do Estado Novo, herdeiro do nacionalismo disciplinador de António Ferro, o artista transportou essa linguagem para uma época de mudança. O 25 de Abril trouxe-lhe o impulso da liberdade e novas formas de expressão. Nos anos seguintes, o seu desenho tornou-se mais experimental, por vezes burlesco, quase grotesco – como nas célebres caixas de fósforos – onde o humor popular se encontra com a crítica social. A ruralidade de uma Braga antiga convivia, então, com os ventos modernos de uma cidade em transformação. José Veiga soube, como poucos, captar esse instante de passagem: o momento em que a tradição se abre ao futuro sem perder o enraizamento.

O homem e o cidadão

Mais do que um artista, Veiga foi um homem de convicções. Participou ativamente na vida cívica e cultural da cidade, foi membro da ASPA e envolveu-se nos movimentos políticos do pós-Revolução, nomeadamente no PCTP/MRPP. O seu trabalho nunca se afastou das pessoas. Dava-se com todos. Desenhava para comunicar, para construir memória, para afirmar uma identidade comum.

Memória e legado

A exposição organizada pelo AMB é também um gesto de reconhecimento. O espólio do artista, cuidadosamente preservado e enriquecido com doações da família, particularmente das suas filhas – Maria Helena e Maria da Conceição Veiga, permitiu reconstituir um percurso vasto e surpreendente.

Ao longo da investigação, emergiram histórias, objetos e testemunhos de quem com ele partilhou o ofício e a vida – colegas de ateliê, fotógrafos, tipógrafos, companheiros das festas e do quotidiano. Entre memórias dispersas, este projeto evidenciou também a necessidade premente de reunir um espólio ainda disperso, devolvendo unidade ao legado de José Veiga. Desse mosaico de memórias nasce um retrato plural de José Veiga: o criador, o cidadão, o amigo, o homem que via beleza em cada gesto.

A exposição não se esgota na saudade. É uma herança viva, que inspira as novas gerações. Veja-se o exemplo, integrado na mostra, do programa MEMORAR, onde os estudantes de Design do IPCA e da Escola Francisco Sanches reinterpretaram a sua obra, atribuindo-lhe o frescor e a curiosidade do olhar juvenil.

                                                                        Ana Maria Macedo


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sábado, 15 de novembro de 2025

A propósito do Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas (Monumento de Interesse Público)

O Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas, foi classificado como Monumento de Interesse Público pela Portaria nº 665/2012, de 12  de novembro.  

O monumento está desocupado desde final do séc. XX, sob responsabilidade do Ministério da Administração Interna(MAI). No início de 2025 a chave foi recolhida pelo MAI.

O estado de degradação do monumento é visível do espaço público, pelo que a ASPA tem atuado, junto de entidades responsáveis pelo Património cultural construído, tanto a nível local como junto do Governo e institutos públicos a quem compete proteger os bens culturais. 

Em 2017, a CIM Cávado desencadeou um processo de permuta de bens junto do Governo, que envolvia o Palácio dos Biscainhos (propriedade da CIM Cávado e em uso, como Museu, pelo Ministério da Cultura) e o Recolhimento das Convertidas bem como outros edifícios que são propriedade do Estado Português. Em agosto passado, o processo de permuta foi, finalmente, acordado, entre a ESTAMO (empresa pública que gere o património imobiliário público) e a CIM Cávado, pela Resolução do Conselho de Ministros nº 117/2025, de 11 de agosto.

 

Uma vez que a Resolução de Conselho de Ministros garante a permuta e irá assegurar a transição da propriedade do Estado português para a CIM Cávado, é urgente que se concretize de modo a que a chave do Recolhimento das Convertidas seja, finalmente, entregue à CIM Cávado, e esta comunidade intermunicipal possa garantir o isolamento das janelas que deixaram de cumprir a sua função, por estarem abertas ou sem vidros.

 

Importa lembrar que este “memorial do barroco conventual, único, que manteve a sua autenticidade até ao século XXI”, tem estrutura em madeira, e que a Capela tem teto abobadado de madeira, pintado com motivos decorativos, retábulos de talha dourada, gelosias no coro alto, etc.  Assim, é fácil perceber que a chuva, que entra neste monumento desde fevereiro de 2025, coloca em risco elevado este memorial único, de grande importância na cidade que é considerada como Capital do Barroco.

 

A ASPA tem atuado junto dos organismos responsáveis pelo património local/nacional - Câmara Municipal de Braga e CIM Cávado, Ministério da Cultura, Ministério da Administração Interna, Ministério das Finanças, ESTAMO, Património Cultural I.P. e CCDR N Cultura e Património -, insistindo para que atuem de modo a garantir a proteção do monumento, de acordo com o definido na Lei do Património.

A nível local aguardam, há anos, pela concretização da permuta.

 

Neste caso duas medidas urgentes, apelo que a ASPA faz desde início do ano:

1. fechar janelas e substituir vidros; ou isolar as janelas, caso a estrutura já não permita a colocação de vidros.

2. efetuar uma avaliação técnica, com diagnóstico do estado estrutural do edifício; avaliação do património artístico integrado.  









Informação complementar sobre este monumento

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

ENTRE ASPAS: "HISTÓRIA DA ARTE EM BRAGA"

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 Acaba de ser editada e apresentada a obra História da Arte em Braga”. Esta é, a todos os títulos, uma obra memorável, que estabelece um marco no conhecimento sobre a produção artística em Braga e o património cultural da cidade. Coordenada pelo nosso principal historiador de arte e sócio-fundador da ASPA, Eduardo Pires de Oliveira, organiza-se em cinco volumes, cada um deles dedicado a um período histórico específico. A obra é editada pela Câmara Municipal de Braga tendo, no conjunto dos seus volumes, um total de 903 páginas, sendo profusamente ilustrada, com capa de Helena Martins, fotografia de José Alberto Fernandes e um belo arranjo gráfico de Luís Cristovam e Helena Martins.

O primeiro volume, da autoria do arqueólogo e professor da Universidade do Porto, Rui Morais, com a colaboração do também arqueólogo e professor da Universidade do Minho, Jorge Ribeiro, intitula-se Cidade das Imagens e centra-se no período romano e pré-romano da cidade e região.

O segundo volume é dedicado à Arte na Idade Média, sendo da autoria do arqueólogo Luís Fontes e tem por título História das Artes Medievais no Concelho de Braga”.

O terceiro volume ocupa-se predominantemente do período renascentista, é da autoria da historiadora de arte e professora da Universidade do Minho, Paula Bessa, e tem por título; Arte em Braga C.1486- C. 1640”.

O quarto volume é da autoria do coordenador da obra, Eduardo Pires de Oliveira e ocupa-se do período áureo da arte na cidade, de finais do século XVII aos do século XVIII; intitulando-se Braga: Barroco, Rococó e Tardobarroco. Tendências Classicizantes“.

Finalmente, o quinto volume é também da autoria de Eduardo Pires de Oliveira, tendo ainda um apêndice sobre a arquitetura em Braga nos últimos 70 anos, da autoria do arquiteto e professor da Universidade do Minho, Eduardo Fernandes. Este volume debruça-se sobre os dois últimos séculos e intitula-se Séculos XIX/XX. Braga em Tempos de Procura e de Mudança.

 

Como o sócio fundador da ASPA, Henrique Barreto Nunes referiu no momento da apresentação que nenhuma cidade no país terá, como Braga, uma obra desta natureza, pela sua abrangência, completude, qualidade científica e interesse histórico e documental.

 Há, porventura, algumas razões específicas para que isso assim aconteça na nossa cidade.

Em primeiro lugar, a aliança entre o interesse científico dos autores e a disponibilidade e interesse da Câmara Municipal de Braga e do seu Presidente cessante, que se honram com esta publicação.

Mas, de uma forma mais profunda, esta obra só foi possível numa cidade que tem, pode dizer-se, uma cultura consolidada de estudo e defesa do património:  ao longo de várias gerações, um conjunto muito vasto de investigadores bracarenses – alguns com conhecimentos historiográficos e com formação académica, outros autodidatas comprometidos num estudo focado (lembramos, entre outros, Albano Belino, Sérgio Silva Pinto, Luís Costa) – que aliaram  um profundo amor à cidade e ao seu património, um desejo profundo de investigação sobre o legado do passado e um sentido crítico apurado sobre a sua preservação.  São centenas as obras publicadas neste domínio, a par de publicações periódicas que ainda hoje se mantêm, como as revistas Bracara Augusta e a Mínia. Contemporaneamente, este interesse pela história da cidade e o seu património não esmoreceu, como a obra que recenseamos ilustra superiormente.

 

Importa, entretanto, referir que esta cultura de defesa e estudo do património não significa que sempre tenha havido uma sintonia entre os interesses da preservação do património edificado e a orientação de quem detinha o poder na cidade. Pelo contrário, a destruição do património, a partir dos poderes instalados (político, económico e social) sempre aconteceu e as suas ameaças acentuaram na consciência cívica de alguns a necessidade urgente do estudo do que estava em risco de desaparecer ou desaparecera mesmo. Por exemplo, no volume que se ocupa de um dos períodos de maiores mudanças na fisionomia e na edificação da cidade, a historiadora Paula Bessa afirma a propósito do legado do tempo de D. Diogo de Sousa: “Em Braga, constantemente me surpreendo a pensar: ‘este chão que piso deve-se a D. Diogo de Sousa’. O mesmo me acontece com edifícios:’ isto deve-se a D. Diogo de Sousa’. Em Braga, é absolutamente impressionante a marca que este homem deixou e que faz parte da nossa vivência quotidiana de hoje, volvidos quinhentos anos e isto apesar das muitas destruições, transformações e reconstruções.” (op. cit., vol 3, pág. 26, sublinhado nosso). No passado, a ausência de uma ideia de defesa patrimonial levou à reconstrução de palácios e igrejas, no interior e no exterior, sempre com acomodação à moda do momento. Em tempos mais próximos, essa destruição deve-se mais ao descaso e à ignorância, aliadas aos interesses, sobretudo imobiliários, com forte impacto predatório.

 

Felizmente, pudemos também contar com algumas vitórias neste combate constante entre o conhecimento e a defesa do património, e as ameaças destruidoras: o campo arqueológico romano e o Mosteiro de Tibães, estão aí, entre outros testemunhos, para o comprovar.  Este combate vai manter-se.

Mas, todos nós, que defendemos a preservação do património e o seu usufruto público, ficamos mais fortes com esta obra e o conhecimento sobre o que é de todos que ela nos comunica.

 

Aguardamos o acesso público, em formato digital, a esta obra de grande importância para investigadores, professores e cidadãos que se interessam pelo património bracarense conforme prometido, na apresentação pública da obra, pelo Presidente da Câmara cessante.

                                                                                        ASPA