No passado dia 21 de outubro tivemos a oportunidade de tomar parte da sessão inaugural da Coleção Bühler-Brockhaus, “Antiguidade Clássica no Mediterrâneo”, a qual teve lugar no Museu de Arqueologia de D. Diogo de Sousa, em Braga. Tal como foi amplamente difundido na comunicação social, trata-se de uma doação que veio alargar o âmbito da exposição permanente daquele Museu, gerando um diálogo e uma complementaridade, entre a que poderemos considerar como zona que serviu de berço à civilização grega e romana e a ocupação humana, nesse mesmo período cronológico, na fachada atlântica em cuja região nos integramos.
Esta
feliz circunstância levou-nos a formular algumas reflexões, que aqui
partilhamos, que decorrem da conjugação de vários fatores, nomeadamente: a
relevância deste conjunto de obras de arte e o simbolismo que as mesmas
encerram para a valorização do património regional e nacional; o altruísmo deste casal de nacionalidade alemã;
a importância do desenvolvimento de estratégias continuadas para a
requalificação do património nacional; a urgência em reforçar a capacidade
técnica de intervenção ao nível da conservação e restauro; o compromisso da
cidade, e dos cidadãos a nível individual, na promoção e defesa do património
local.
As nossas primeiras palavras vão para o casal
alemão, Marion e Hans-Peter Bühler-Brockhaus, em jeito de uma singela
homenagem, pela sua atitude de generosidade e sentido do interesse coletivo,
sobretudo numa época em que temos sido confrontados com o desvio e a apropriação
indevida de obras de arte, (que empobrece o acervo nacional) quando, na
verdade, deviam ser de usufruto público. Não menos relevante é o facto destes mecenas
terem escolhido o Museu D. Diogo de Sousa para entregarem a sua Coleção, fruto
da dedicação e do gosto de toda uma vida. Esta escolha decorreu do
estabelecimento de laços de conhecimento e confiança na capacidade técnica
desta instituição museológica, mas também na integridade e dedicação
profissional das pessoas que a integram, fator que nos apraz realçar, e que distingue
a forma como as instituições públicas servem o bem comum.
O
segundo aspeto tem a ver com a qualidade da Coleção que passou a integrar a
exposição permanente do Museu, cuja informação sobre cada uma das obras de arte
foi publicada num Catálogo, também ele oferecido pelos Doadores, ´disponível na
loja do Museu. De acordo com os investigadores, estamos perante um conjunto de
bens patrimoniais de grande relevância, no contexto das coleções europeias
datadas do período clássico, havendo peças que, pela sua raridade, assumem um
caráter único, representando uma mais valia para o legado europeu, e colocando
esta Coleção no roteiro da antiguidade Clássica. Para o grande público, o facto
de estar perante um conjunto de obras com um cariz mais humanizado e com uma
dimensão estética mais acessível como, por exemplo, as esculturas ou os
mosaicos, torna este acervo mais tangível e capaz de suscitar facilmente emoção
e afeto.
Nas
intervenções proferidas durante a cerimónia pública de inauguração foi por diversas
vezes sublinhada a importância da estratégia de valorização continuada da
cidade, em torno de “Bracara Augusta”, o que “nos” permite hoje oferecer um
circuito de sítios arqueológicos preservados, e passíveis de fruição pública,
no centro histórico e em torno do Museu, que se constitui naturalmente como um
grande polo de mediação, ou um ponto de interpretação e mediação das ruínas
romanas em seu redor. A ASPA, que sempre defendeu a valorização deste rico
património em Braga, congratula-se pela prossecução do projeto das Carvalheiras
e do Núcleo de ruínas de Stº António das Travessas, nos próximos anos, dando
expressão a uma nova centralidade à zona do Alto da Cividade.
A
questão do reforço da componente técnica do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa
foi, mais uma fez, abordada pela ASPA, junto da Diretora Regional de Cultura do
Norte, na sequência de uma recente audiência, por nós solicitada, relativamente
a património em risco, na qual tinha sido já referida a falta de renovação dos
quadros de pessoal deste Museu. Temos consciência de que este problema é
transversal à generalidade da administração pública mas, enquanto entidade
promotora da preservação e valorização do património, entendemos dever
continuar a insistir na definição de uma estratégia para os museus nacionais,
muito particularmente no que respeita às competências específicas, nomeadamente
da conservação e restauro das coleções à guarda do Estado. O conhecimento
técnico nestes domínios específicos do património constrói-se ao longo de anos
de prática e na observação constante dos artefactos, muito para além do que se
aprende nas universidades. Acontece que a passagem dessa informação/desse
testemunho não se faz, mercê do envelhecimento dos poucos técnicos em exercício
e da falta de renovação geracional. Mantém-se a pergunta que endereçamos ao
Ministério da Cultura: para quando uma estratégia nacional para os museus, que
lhes garanta o cumprimento cabal da respetiva Missão?
Uma
última reflexão, na qual nos incluímos, que deixamos à consideração da cidade,
e que se prende com o compromisso coletivo, mas também empresarial e
individual, perante a salvaguarda e promoção do nosso património local. Registámos,
com regozijo, que na sequência do mecenato, iniciativa do mesmo casal de
doadores, que também custeou obras de requalificação do imóvel do Museu orçadas
em 410 mil euros, foi realizado um Protocolo entre a Direção Regional de
Cultura do Norte, o Museu, e a Fundação Bracara Augusta, com o intuito da
gestão desta intervenção. Esta colaboração permitiu otimizar o tempo de execução
dos trabalhos de valorização do imóvel e conferiu, à Fundação Bracara Augusta,
um papel primordial enquanto entidade promotora da angariação de mecenato
destinado à recuperação de património local.
Todos
temos consciência que a dimensão da tarefa de preservação e conservação do
património da cidade, e do território envolvente, ultrapassa a capacidade de
resposta das entidades públicas vocacionadas para o efeito. Dispondo a cidade
da Fundação Bracara Augusta, cujo desígnio foi recentemente reformulado no
sentido de apoiar e incentivar a valorização do nosso património, torna-se
premente avançar com projetos de captação de mecenato empresarial e individual
que nos permitam, coletivamente, ser agentes ativos e intervenientes na
valorização do que é nosso.
Ao
Museu e à cidade coube, com esta doação, a oferta de um busto do Imperador
Augusto. Aos bracarenses, cabe honrar o compromisso de valorizar o seu
património que, a todos e cada um de nós, de forma particular e afetuosa,
pertence.