As recentes eleições autárquicas resultaram na continuidade da direção política do município.
Mas um resultado sobressai sobre todos os outros: um em cada dois bracarenses adultos não votou nestas eleições. A abstenção constitui uma marca expressiva do afastamento da vida democrática de um conjunto significativo de cidadãos e cidadãs e um sinal do declínio do projeto democrático em que nos irmanamos no 25 de abril de 1974.
Um conjunto muito variado de razões assiste às elevadas taxas de abstenção, desde a chamada “abstenção técnica” por desfasamento entre os cadernos eleitorais e o número real de eleitores, às reduzidas expectativas de cada um dos eleitores de que o seu voto possa verdadeiramente contar, átomo no oceano dos restantes votos, até ao desencanto com os partidos políticos e respetivos programas etc. Mais do que analisar os fatores de abstenção, interessa-nos inverter esta tendência abstencionista e promover, agora que se reinicia um ciclo político na governança municipal, as condições para o desenvolvimento da cidadania e da revitalização da democracia. É esta preocupação com a vitalidade da vida coletiva que levou a ASPA a associar-se à iniciativa do Movimento Cidadania Contra a Indiferença, a subscrever o respetivo manifesto de apelo à participação eleitoral e a promover uma tertúlia, no passado dia 10 de setembro, em torno da participação cidadã pela defesa do património.
Mas que tem, afinal, a defesa do património com a defesa da democracia?
Ao
longo de quatro décadas, a ASPA tem estado sempre presente no estudo daquilo
que é o património material e imaterial da região do Minho, em especial o de
Braga, na classificação de imóveis de interesse público, com distinção de
âmbito municipal ou nacional, na mobilização cidadã contra a destruição de
edifícios e sítios que, vindos do passado, são testemunho de uma identidade
local e possuem valor arquitetónico ou ambiental e na denúncia ativa da
usurpação do espaço público por interesses particulares imobiliários ou
especulativos. Nesta ação, acumulamos vitórias (o campo arqueológico da colina
da Cividade, a recuperação do Mosteiro de Tibães, a criação de uma consciência
coletiva sobre o que é nosso e por isso necessita de ser preservado e
defendido), mas também derrotas. Muitas batalhas, entretanto, continuam em curso
(a efetiva criação do Parque EcoMonumental das Sete Fontes, a preservação do
Recolhimento das Convertidas, a defesa de tantos edifícios e ruas marcados pela
história e ameaçados pelas políticas fachadistas e de especulação imobiliária,
etc.). Tem, por isso a ASPA a idoneidade, que só a experiência consolidada
concede, de, no pós-eleições, reclamar por mais democracia, por mais
participação e por mais cidadania. A defesa e preservação do património é uma
causa comum, cujo desenvolvimento ocorre no espaço público e se exerce pelo
reforço dos laços que a comunidade estabelece entre si. Não é uma causa
conservadora, na medida em que, centrada na defesa do que o passado nos legou,
afirma inevitavelmente os princípios modernos da igualdade e da fraternidade
perante o que nos é comum, contra todas as formas de apropriação privatística,
o descaso e o desleixo dos poderes instituídos ou os atropelos à memória
coletiva. É, uma causa que exige a participação de todos.
A res publica portuguesa, nas suas bases constitucionais, assenta em dois pilares. A democracia representativa, pela eleição direta pelos cidadãos dos órgãos do poder, nos níveis local e nacional (e, ainda que sem concretização atual, também regional) e a democracia participativa, pela contínua auscultação dos cidadãos na tomada da decisão política. Uma democracia em que um dos dois pilares esteja enfraquecido é, inevitavelmente, uma democracia coxa. Ora, podemos constar como a democracia participativa é tão frágil, entre nós. Centrando-nos no plano local: onde estão os dispositivos de participação cívica em Braga? Que papel tem sido atribuído, para além do cumprimento ritualístico de agendas que se dissolvem na sua insignificância, aos conselhos de cidadãos (educacionais, culturais, de regeneração urbana, etc.)? Onde estão os referendos locais? Por que escusos caminhos se dissipa o orçamento participativo? Quais consultas públicas, verdadeiramente abertas, materializam com eficiência o princípio da audição popular? Que é feito dos concursos de ideias e onde se materializam os seus resultados? Que dinâmica de envolvimento pluralista e aberto inspira o clima democrático da cidade?
Todas estas perguntas encontrarão nos cidadãos as respostas decorrentes da sua experiência. Seguramente, outras práticas participativas teriam um outro efeito no alcance dos resultados eleitorais, com a diminuição da abstenção e com o centramento naquilo que é essencial: uma ligação mais próxima entre eleitores e eleitos, uma cidade mais coesa e articulada, um sentido da vida em comum mais enraizado. E com isso, também, uma consciência coletiva mais exigente no que respeita à defesa e preservação do património cultural e ambiental.
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