Em Portugal, o bacalhau é, desde há várias décadas, um dos grandes protagonistas do Natal. Mas não é só na época natalícia que os portugueses consomem bacalhau...
Em Portugal, o bacalhau é, desde há várias
décadas, um dos grandes protagonistas do Natal. Mas não é só na época natalícia
que os portugueses consomem bacalhau; este peixe faz parte da nossa dieta e
cultura gastronómica desde há vários séculos. E apesar de outros países, como a
Noruega, terem também uma grande tradição de consumo do bacalhau, Portugal é o
país que mais consome bacalhau per capita. De acordo com a Kantar1, cada
consumidor português comeu, em média, 7,7kgs de bacalhau em 2020, mais 1kg do
que no ano anterior.
O bacalhau
pescado e consumido pelos Portugueses é o bacalhau-do-Atlântico, de nome
científico Gadus morhua, um peixe que vive em cardumes que circulam nas
águas frias dos mares do Hemisfério Norte, entre a região da Terra Nova
(Canadá) e a Islândia e Noruega. Um bacalhau pode viver mais de quinze anos,
podendo chegar a medir 1,5 m e
pesar 90 kgs. Quando atingem a maturidade reprodutiva, aos 7 anos, estes
peixes migram, entre o Inverno e a Primavera, para zonas do oceano mais quentes
e com fundos relativamente baixos. Nestes leitos de desova, cada fêmea chega a
produzir até 9 milhões de ovos por cada época de reprodução. No entanto, para além da muito alta
taxa de mortalidade desta espécie, que contrabalança a espectacularidade da sua
fertilidade, a pesca do bacalhau é tão intensa que poucos indivíduos atingem o seu desenvolvimento máximo.
Foi
durante as décadas de 1950 e 1960 que a captura da frota bacalhoeira portuguesa
teve o seu pico no período em que
Portugal era o maior produtor de bacalhau-do-Atlântico salgado seco. Não havia
ainda condicionantes ao acesso dos bacalhoeiros nacionais aos bancos de pesca
das águas frias do Atlântico Norte (Canadá, Noruega, Gronelândia, Ilhas Faroé, Islândia, etc.). Portugal
pescava o bacalhau-do-Atlântico maioritariamente ao largo do Canadá, mas as
mudanças do direito do mar, que ocorreram a partir dos anos 60, e a criação das
zonas económicas exclusivas marítimas fizeram com que as empresas portuguesas
começassem a pescar no mar da Noruega, que é hoje uma das zonas de pesca do
bacalhau mais importantes do mundo.
Durante
a segunda metade do século XX, a pesca do bacalhau-do-Atlântico tornou-se tão
intensa (sobrepesca) que poucos indivíduos atingiam a idade adulta para se
reproduzirem e sustentar populações saudáveis. A sobrepesca desta
espécie, levada a cabo durante tantos anos, fez-se sentir parcialmente durante
a década de 70 e com um impacto ainda maior nos anos 90, com o colapso total da
pesca do bacalhau nos Grandes Bancos (Canadá). As populações de
bacalhau-do-Atlântico desta zona do oceano não recuperaram até hoje. Existem
ainda outras zonas do Atlântico onde os stocks de bacalhau estão atualmente
esgotados (sofreram uma redução de mais de 95% da sua população). Não é o caso
do bacalhau proveniente da costa da Noruega e do Ártico norueguês, por exemplo.
Mas, apesar dos stocks de bacalhau desta zona serem geridos de forma a permitir
manter níveis de captura elevados, a pesca é hoje feita cada vez a latitudes
mais a norte devido ao degelo e
alterações climáticas.
Tendo em conta as preocupações crescentes
para com os riscos da sobrepesca, da poluição e das alterações climáticas, será
que podemos vir a ter um Natal sem o tão apreciado bacalhau, num futuro
próximo? A resposta a esta questão não é linear. É provável que o
bacalhau-do-Atlântico não vá faltar à mesa dos Portugueses. Contudo, e tal como
se tem percebido nos últimos anos, o seu preço será ajustado
consoante as quotas anuais de pesca definidas para a espécie. Estas quotas são definidas
pelos estados aos quais as zonas económicas exclusivas marítimas pertencem, e
devem ter em conta diversos pareceres, incluindo os da comunidade científica
que estuda e monitoriza a viabilidade das populações de bacalhau no oceano. A
pesca é, assim, regulamentada por normas apropriadas de modo a garantir o princípio
da sustentabilidade dos stocks de peixe. No entanto, a pesca ilegal (não
regulamentada e não declarada) é ainda uma realidade que contribui grandemente
para o problema da sobrepesca do bacalhau bem
como para a destruição dos ecossistemas marinhos, repercutindo o seu impacto
negativo no sustento das comunidades que dependem da atividade piscatória como
principal fonte de rendimento.
O consumidor tem um papel fundamental no auxílio à sustentabilidade do bacalhau-do-Atlântico, não sendo necessário, para já, evitar o seu consumo. Tal como deve acontecer em relação a qualquer outra compra, deve estar atento à rotulagem e consumir bacalhau proveniente de pesca sustentável. A pesca sustentável, gerida dentro dos quadros legais e normativos, de modo a evitar a sobrepesca, respeita os habitats e ecossistemas marinhos, e promove a integridade social das comunidades piscatórias. Actualmente, um dos padrões mais reconhecidos mundialmente para a pesca sustentável é o da Marine Stewardship Council (MSC), uma organização sem fins lucrativos. Existe já, à disposição do consumidor, bacalhau com o "selo azul" de certificação MSC.
Para melhor conhecer a história da pesca do bacalhau em Portugal, sugerimos a visita ao Museu Marítimo de Ílhavo2, que conta, para além de uma vasta coleção museológica, com um Aquário de Bacalhaus e o Navio-Museu Santo André, um antigo arrastão que fez parte da frota portuguesa de pesca do bacalhau. Também no recém-inaugurado Centro Interpretativo da História do Bacalhau3, em Lisboa, o visitante fica a conhecer a herança cultural do bacalhau ao longo de vários núcleos expositivos e experiências interativas.
https://museumaritimo.cm-ilhavo.pt/
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