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A memória descritiva deste projeto surpreendeu-nos pela sensibilidade demonstrada, pelos arquitetos Manuel D´Ávila e Domingos Fernandes, relativamente às disciplinas artísticas e suas necessidades em termos de espaços e características sonoras, nomeadamente a criação de biblioteca-discoteca, com sala de leitura e cabine de audição de discos, salas para audição e gravação de discos, sala de ballet, salas para Artes Plásticas e espaços de exposição, diversos espaços destinados a espetáculo, no interior e no exterior, articulados com salas de aula das restantes disciplinas do currículo, sem esquecer área verde para garantir o bem-estar dos utilizadores. Revelam, ainda, um cuidado especial quando referem a importância da orientação solar para o edifício e, ainda, do desnível do terreno como vantagem para que o auditório tivesse as características desejadas em termos sonoros e de espaço.
Este projeto, com três núcleos distintos, demonstra a importância do conhecimento interdisciplinar por parte dos arquitetos, em articulação com a pessoa que sonhou o uso a dar a este equipamento educativo destinado ao ensino artístico: a professora Adelina Caravana.
Espera-se que o espírito que presidiu à criação deste espaço educativo seja respeitado por muito e muitos anos...
O ensino artístico especializado da música em regime integrado em Braga
O Conservatório Regional de Braga nasce a 7 de novembro de 1961 como uma instituição de tipo associativo e de caráter particular, com o empenho e força de vontade da sua fundadora, Prof. Adelina Caravana e o extraordinário apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que forneceu os instrumentos musicais. Com o desenvolvimento que atingiu no campo musical, a fundadora consegue que a Fundação a apoie mais, com um edifício novo capaz de albergar o seu projeto, porque as instalações que possuía eram insuficientes e antigas. A sua persistência e audácia concretizam-se num projeto encomendado aos arquitetos Manuel d’Ávila e Domingos Fernandes. A Fundação Calouste Gulbenkian assume a construção de um edifício de raiz, que foi inaugurado a 31 março de 1971, reconhecendo-lhe o seu importante papel na descentralização da cultura musical.
Com novas instalações e por vontade expressa do presidente da Fundação e da diretora da escola, o Conservatório passa a ter novas perspetivas: acrescenta várias áreas no domínio artístico e preconiza nos seus planos curriculares que os alunos, a par dos seus cursos de arte, poderiam terminar o curso liceal, assim como frequentar de seguida o curso superior de piano. O edifício estava pensado para albergar todas estas vertentes de ensino, com salas para aulas individuais de instrumento, para coros ou orquestras e salas para a formação geral, laboratório para as ciências, biblioteca, sala de dança, um grande auditório com uma capacidade de 300 lugares e um palco com uma acústica excelente, para além de um outro pequeno auditório (90 lugares) com vista para um jardim, através de uma parede em vidro no palco, a partir do qual se observa um pequeno auditório, ao ar livre, em granito. Foi criado um edifício único, uma construção soberba e impactante na cidade de Braga, que sempre albergou um projeto educativo de sucesso: uma escola de ensino artístico especializado da música em regime integrado, em que os alunos passam a ter todas as disciplinas do seu currículo escolar no mesmo edifício.
A partir de outubro de 1971, a Fundação transfere para o Ministério da Educação Nacional estas instalações com o nome de Escola Piloto de Educação Artística, por ser considerada uma experiência ímpar de âmbito pedagógico e artístico. Passou a ser uma escola oficial e gratuita, com ensino pré-primário, primário, ciclo preparatório e liceal e várias secções: música, com cursos complementares e curso superior de piano; ballet; artes plásticas e fotografia; arte dramática. Com o desenrolar do tempo e as sistemáticas alterações curriculares, muitas destas valências foram desaparecendo, reafirmando-se cada vez mais o ensino especializado da música.
Atualmente, a Escola Artística do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga assume-se como uma escola de elevado nível técnico e artístico fazendo justiça ao seu Projeto Educativo e à sua essência.
Ana Maria Caldeira
Testemunho vivo do investimento no ensino artístico integrado
O Conservatório Regional de Braga congregava em si os valores sublimes que estão na base de uma sociedade: transmissão de conhecimento sistémico, multidisciplinar e inclusivo, integrando a música, as artes plásticas e as artes performativas, a par das demais áreas do conhecimento humanístico e científico de cada plano curricular.
Este desígnio esteve na base da concepção arquitectónica do edifício, a par de outras referências como a envolvente e a orientação solar, expressas através das palavras dos autores do projecto num texto publicado em 1971, ao referirem que "A composição formal do edifício do Conservatório Regional de Braga, foi [...] condicionada pela mancha do terreno proposto, rodeado de arruamentos e pela orientação solar. Dentro de essas premissas houve que articular os vários núcleos de actividades pedagógicas, núcleos [...] com vida independente embora interligados entre si e formando o conjunto do edifício. [...] o corpo do Conservatório compreende as salas de aula com um laboratório de línguas, vários gabinetes de estudo de instrumentos musicais, biblioteca, discoteca, um pequeno auditório para 100 lugares, sala de "ballet" e ginástica rítmica, a entrada principal e um amplo espaço polivalente seguido de 300 lugares sentados em anfiteatro. Este espaço destina-se aos espectáculos de concertos, "ballet" ou até exposições, substituindo assim o tradicional recinto criado especificamente para tais funções, normalmente com esporádica ocupação temporária.
Assim, destina-se-lhe uma vida permanente como sala de convívio e reunião de alunos, [...] apetrechado de modo a permitir a sua transformação, "por montagem", em palco, com as dimensões mais aconselháveis à utilização que se pretenda, desde a simples conferência, ao concerto de câmara, até ao grande concerto, espectáculos de "Ballet", coros, etc., [...] ainda a montagem de exposições.
O núcleo de Artes Plásticas [...], compreendendo salas para pintura e salas para escultura ou cerâmica às quais se anexam várias salas de tecnologia que permitem multiplicar as actividades para outros ramos de preparação plástica. Este grupo de salas [...] em 2 níveis, permitindo a análise em perspectiva do trabalho executado, foi projectado com relativa independência, pois que se destina simultaneamente aos alunos do Conservatório, do Ciclo Preparatório e ainda a alunos externos, em regime extraordinário, que nele queiram desenvolver ou cultivar as suas tendências artísticas.
Sob o ponto de vista estético, o princípio adoptado é o resultante da própria forma da célula base, estritamente funcional, dos volumes dos vários núcleos que constituem o Conservatório e baseia-se na tradução tão franca quanto possível da estrutura, tratamento das superfícies fechadas e abertas, de acordo com a finalidade proposta para cada dependência. [...] procurou-se que a conservação exterior do edifício fosse a menor possível, optando-se pelo betão simplesmente descofrado em toda a estrutura aparente e o tijolo prensado nos panos fechados. Essa célula base com a forma hexagonal que constitui as aulas foi estudada de modo a tirar o máximo rendimento do movimento da luz solar e, a permitir a maior liberdade pedagógica na composição do equipamento escolar, de acordo com as múltiplas idades dos alunos e a finalidade de cada uma dessas aulas. [...]" (1).
Cristina Fernandes
Arquitecta. Filha de Domingos Fernandes
(1) in "Binário – Arquitectura. Construção. Equipamento" n.º 150, Março 1971.