INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

domingo, 28 de julho de 2024

ENTRE ASPAS: "Conservatório de Música Calouste Gulbenkian"

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Para relembrar a importância do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian, na formação artística, científica e humanística de várias gerações de estudantes, pedimos a colaboração de duas pessoas com ligação a esta escola: Cristina Fernandes, filha do arquiteto Domingos Fernandes, co-autor do projeto de arquitetura que deu origem ao edifício que hoje conhecemos; e Ana Maria Caldeira, que foi diretora desta Escola durante largos anos e conhece bem as etapas que permitiram a concretização de um sonho, da professora Adelina Caravana, que teve início na Praça Mouzinho de Albuquerque, há quase 65 anos. Um sonho que permitiu a construção de um edifício emblemático que garantiu espaços dedicados às várias áreas disciplinares, proporcionou vivências marcantes e memórias duradoiras. Permitiu que Braga tenha, hoje, músicos com prestígio internacional, em orquestras e espaços de espetáculo de referência a nível mundial.

A memória descritiva deste projeto surpreendeu-nos pela sensibilidade demonstrada, pelos arquitetos Manuel D´Ávila e Domingos Fernandes, relativamente às disciplinas artísticas e suas necessidades em termos de espaços e características sonoras, nomeadamente a criação de biblioteca-discoteca, com sala de leitura e cabine de audição de discos, salas para audição e gravação de discos, sala de ballet, salas para Artes Plásticas e espaços de exposição, diversos espaços destinados a espetáculo, no interior e no exterior, articulados com salas de aula das restantes disciplinas do currículo, sem esquecer área verde para garantir o bem-estar dos utilizadores. Revelam, ainda, um cuidado especial quando referem a importância da orientação solar para o edifício e, ainda, do desnível do terreno como vantagem para que o auditório tivesse as características desejadas em termos sonoros e de espaço.

Este projeto, com três núcleos distintos, demonstra a importância do conhecimento interdisciplinar por parte dos arquitetos, em articulação com a pessoa que sonhou o uso a dar a este equipamento educativo destinado ao ensino artístico: a professora Adelina Caravana.

Espera-se que o espírito que presidiu à criação deste espaço educativo seja respeitado por muito e muitos anos...


O ensino artístico especializado da música em regime integrado em Braga

O Conservatório Regional de Braga nasce a 7 de novembro de 1961 como uma instituição de tipo associativo e de caráter particular, com o empenho e força de vontade da sua fundadora, Prof. Adelina Caravana e o extraordinário apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que forneceu os instrumentos musicais. Com o desenvolvimento que atingiu no campo musical, a fundadora consegue que a Fundação a apoie mais, com um edifício novo capaz de albergar o seu projeto, porque as instalações que possuía eram insuficientes e antigas. A sua persistência e audácia concretizam-se num projeto encomendado aos arquitetos Manuel d’Ávila e Domingos Fernandes. A Fundação Calouste Gulbenkian assume a construção de um edifício de raiz, que foi inaugurado a 31 março de 1971, reconhecendo-lhe o seu importante papel na descentralização da cultura musical.

Com novas instalações e por vontade expressa do presidente da Fundação e da diretora da escola, o Conservatório passa a ter novas perspetivas: acrescenta várias áreas no domínio artístico e preconiza nos seus planos curriculares que os alunos, a par dos seus cursos de arte, poderiam terminar o curso liceal, assim como frequentar de seguida o curso superior de piano. O edifício estava pensado para albergar todas estas vertentes de ensino, com salas para aulas individuais de instrumento, para coros ou orquestras e salas para a formação geral, laboratório para as ciências, biblioteca, sala de dança, um grande auditório com uma capacidade de 300 lugares e um palco com uma acústica excelente, para além de um outro pequeno auditório (90 lugares) com vista para um jardim, através de uma parede em vidro no palco, a partir do qual se observa um pequeno auditório, ao ar livre, em granito. Foi criado um edifício único, uma construção soberba e impactante na cidade de Braga, que sempre albergou um projeto educativo de sucesso: uma escola de ensino artístico especializado da música em regime integrado, em que os alunos passam a ter todas as disciplinas do seu currículo escolar no mesmo edifício.

A partir de outubro de 1971, a Fundação transfere para o Ministério da Educação Nacional estas instalações com o nome de Escola Piloto de Educação Artística, por ser considerada uma experiência ímpar de âmbito pedagógico e artístico. Passou a ser uma escola oficial e gratuita, com ensino pré-primário, primário, ciclo preparatório e liceal e várias secções: música, com cursos complementares e curso superior de piano; ballet; artes plásticas e fotografia; arte dramática. Com o desenrolar do tempo e as sistemáticas alterações curriculares, muitas destas valências foram desaparecendo, reafirmando-se cada vez mais o ensino especializado da música.

Atualmente, a Escola Artística do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Braga assume-se como uma escola de elevado nível técnico e artístico fazendo justiça ao seu Projeto Educativo e à sua essência.

                                                           Ana Maria Caldeira

 

Testemunho vivo do investimento no ensino artístico integrado

O Conservatório Regional de Braga congregava em si os valores sublimes que estão na base de uma sociedade: transmissão de conhecimento sistémico, multidisciplinar e inclusivo, integrando a música, as artes plásticas e as artes performativas, a par das demais áreas do conhecimento humanístico e científico de cada plano curricular.

Este desígnio esteve na base da concepção arquitectónica do edifício, a par de outras referências como a envolvente e a orientação solar, expressas através das palavras dos autores do projecto num texto publicado em 1971, ao referirem que "A composição formal do edifício do Conservatório Regional de Braga, foi [...] condicionada pela mancha do terreno proposto, rodeado de arruamentos e pela orientação solar. Dentro de essas premissas houve que articular os vários núcleos de actividades pedagógicas, núcleos [...] com vida independente embora interligados entre si e formando o conjunto do edifício. [...] o corpo do Conservatório compreende as salas de aula com um laboratório de línguas, vários gabinetes de estudo de instrumentos musicais, biblioteca, discoteca, um pequeno auditório para 100 lugares, sala de "ballet" e ginástica rítmica, a entrada principal e um amplo espaço polivalente seguido de 300 lugares sentados em anfiteatro. Este espaço destina-se aos espectáculos de concertos, "ballet" ou até exposições, substituindo assim o tradicional recinto criado especificamente para tais funções, normalmente com esporádica ocupação temporária.

Assim, destina-se-lhe uma vida permanente como sala de convívio e reunião de alunos, [...] apetrechado de modo a permitir a sua transformação, "por montagem", em palco, com as dimensões mais aconselháveis à utilização que se pretenda, desde a simples conferência, ao concerto de câmara, até ao grande concerto, espectáculos de "Ballet", coros, etc., [...] ainda a montagem de exposições.

O núcleo de Artes Plásticas [...], compreendendo salas para pintura e salas para escultura ou cerâmica às quais se anexam várias salas de tecnologia que permitem multiplicar as actividades para outros ramos de preparação plástica. Este grupo de salas [...] em 2 níveis, permitindo a análise em perspectiva do trabalho executado, foi projectado com relativa independência, pois que se destina simultaneamente aos alunos do Conservatório, do Ciclo Preparatório e ainda a alunos externos, em regime extraordinário, que nele queiram desenvolver ou cultivar as suas tendências artísticas.

Sob o ponto de vista estético, o princípio adoptado é o resultante da própria forma da célula base, estritamente funcional, dos volumes dos vários núcleos que constituem o Conservatório e baseia-se na tradução tão franca quanto possível da estrutura, tratamento das superfícies fechadas e abertas, de acordo com a finalidade proposta para cada dependência. [...] procurou-se que a conservação exterior do edifício fosse a menor possível, optando-se pelo betão simplesmente descofrado em toda a estrutura aparente e o tijolo prensado nos panos fechados. Essa célula base com a forma hexagonal que constitui as aulas foi estudada de modo a tirar o máximo rendimento do movimento da luz solar e, a permitir a maior liberdade pedagógica na composição do equipamento escolar, de acordo com as múltiplas idades dos alunos e a finalidade de cada uma dessas aulas. [...]" (1).

Cristina Fernandes

Arquitecta. Filha de Domingos Fernandes

 

(1) in "Binário – Arquitectura. Construção. Equipamento" n.º 150, Março 1971.

sábado, 27 de julho de 2024

QUAL A DIFERENÇA ENTRE ESTAS TRÊS IMAGENS?


O que aconteceu à cruz de Lorena que encimava a Capela de São Gonçalo? 

Relembramos que este Monumento de Interesse Público, constituído pelo Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas, a Capela de São Gonçalo e a Cerca conventual,  é considerado um memorial do barroco conventual português. 

segunda-feira, 15 de julho de 2024

ENTRE ASPAS "Lavadouros públicos - Espaços de memória do urbano e do rural"


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Os lavadouros, fontanários e tanques de rega estão intrinsecamente ligados ao uso quotidiano da água e ao encontro de várias gerações, sobretudo antes da sua distribuição ao domicílio. Desde finais do séc. XIX / princípios do séc. XX eram utilizados pela população, substituindo os rios, onde as mulheres iam lavar a roupa. Em Portugal como na generalidade dos países do sul da Europa.

O filme “A Aldeia da Roupa Branca” (1939), com a famosa Beatriz Costa, conta-nos o dia-a-dia e a vida das lavadeiras da periferia de Lisboa, fazendo-nos entrar abertamente no domínio da vida popular, dos seus costumes, saberes e formas de estar…

A água surge-nos como elemento marcadamente feminino: lavar, cozinhar e cuidar. Ir à procura das mulheres é ir à procura dos espaços públicos do seu quotidiano como os lavadouros e fontanários. São lugares de trabalho, mas também locais que as libertam do fechado espaço doméstico e familiar, onde interagem com outras mulheres da vizinhança, permitindo-lhes a sociabilidade que a taberna e, mais tarde, os cafés reservavam aos homens. São os seus locais de permanência no espaço exterior, de socialização, que utilizam para trocar opiniões, discutir, pedir conselhos ou escutar e alimentar os falatórios da sua comunidade. Não sendo bem-vindas nos cafés nem as ruas feitas para a sua permanência, as mulheres das classes populares, tendo de sustentar as necessidades das crianças e da sua família, fazem também funcionar a cidade nos locais que lhes são atribuídos.

Limitadas no exercício dos seus direitos cívicos, era no espaço ambivalente do trabalho doméstico e da sociabilidade feminina que se modelava socialmente a vida das pessoas, com verdades e mentiras, inúmeras vezes como se de tribunais populares se tratasse, apesar da ausência do réu…

Sendo uma representação física da desigualdade entre homens e mulheres no espaço público, os lavadouros eram uma presença marcante da vida da comunidade e uma manifestação do funcionamento das suas dinâmicas sociais. São cenários de esforço físico, mas também de reprodução da maternidade, permitindo a guarda de crianças e a sociabilização.

Se, inicialmente, as lavadeiras iam lavar nos rios ou nas bacias de água alimentadas por fontes, em condições pouco confortáveis e higiénicas, com o passar do tempo foram-se estabelecendo regulamentos e construídos lavadouros públicos com melhores condições, alguns com cobertura, proteções contra o vento ou mesmo recintos individualizados no espaço comum. Trata-se de uma consciência coletiva que se foi afirmando e reivindicando, nomeadamente na imprensa local, e à qual os municípios tiveram de responder.

 

O bacilo da tuberculose tornou-se um motor de preocupações de que nos dá eco a imprensa local a partir dos primórdios do séc. XX. As páginas dos jornais enchem-se de queixas quanto ao abastecimento de água, à falta de esgotos e aos cheiros fétidos que provinham das fossas fixas.

A partir da segunda metade do séc. XX, estes lugares de higiene pública e convivência comunitária começam a diminuir, mas a lavagem da roupa à mão continua a ser uma prática ao longo do século. Os bairros sociais, dos anos 50 e 60, incentivam o papel da mulher tradicional e das suas práticas. Constroem-se lavadouros e secadouros nestes bairros, que continuam a ser os lugares privilegiados de sociabilização das mulheres. Mesmo com a revolução do 25 de abril de 1974, que trouxe uma transformação radical aos direitos das mulheres e da sociedade portuguesa em geral, o abandono dos lavadouros de uso público e dos tanques no espaço doméstico foi lento e progressivo. Situações de crise como a que se viveu em 2008, em que se tornou necessário poupar água e luz, vieram-nos recordar que a todo o momento poderemos voltar a retomar estas práticas e estes equipamentos.

A criação de lavandarias automáticas, sobretudo para estudantes, hotéis, turistas e habitantes, é recente. Os lavadouros públicos e os tanques domésticos foram dando lugar às máquinas de lavar, primeiro unifamiliares, depois coletivas e automáticas. Mas, ainda assim, os novos espaços vão-se tornando igualmente locais de reencontro e, de alguma forma, trazem de novo o trabalho doméstico para o espaço público. Agora como espaços mistos, já sem a divisão do trabalho pelo género, ao contrário dos lavadouros públicos onde a presença masculina podia existir, mas apenas de modo excepcional. Como aquela memória contada num lavadouro do nosso concelho, de um viúvo que ia também lavar a sua roupa, pondo a gravata por cima do ombro para não a molhar…

 

Os lavadouros públicos, hoje maioritariamente abandonados, são locais do nosso património cultural que remetem a vínculos e à memória popular das mulheres e das crianças que as acompanhavam. São espaços de outro tempo económico, testemunhos de vivências que já não existem, mas que estão presentes nas memórias e nos afetos que constituem a verdadeira alma desses lugares. São documentos de uma história maioritariamente oral, que tendem a desaparecer com o crescimento das cidades, o turismo e as pessoas mais idosas. Por isso importa falar com elas e compreender as suas memórias, dar valor a estes espaços comunitários que tendem a ser esquecidos.

A preservação das memórias dos lavadouros públicos representa um novo modo de qualificar a transformação urbana, apelando à recuperação dos valores que lhes estão ligados. Podem aí realizar-se performances artísticas, pela ligação dos lavadouros às artes e à comunidade, como as fotos o demonstram. A sua recuperação tem de ser bem pensada, e está a sê-lo com acção da empresa de águas AGERE, das juntas de freguesia e de outros organismos públicos. Saliente-se a inventariação e estudo promovido e coordenado pela Fundação Bracara Augusta, em colaboração com a Univ. do Minho. Urge conservar estes espaços que valorizam a presença da água, dando-lhes novos usos, com programas públicos que envolvam jardins-de-infância, escolas ou lares seniores. Há todo um trabalho à volta destes espaços, como modo de registar e arquivar os testemunhos, frágeis, em vias de desaparecimento, mas que são essenciais para compreender a construção e a evolução da cidade, nas suas componentes materiais e imateriais. Mais não bastasse, é uma forma de trazer à luz a presença esquecida das mulheres no espaço público e a sua contribuição na vida urbana.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

ENTRE ASPAS "RECOLHIMENTO DAS CONVERTIDAS. Um imperativo de consciência pela defesa do património cultural"

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Em março de 2019, como elemento do Conselho Estratégico para a Regeneração Urbana de Braga (CERPUB), a ASPA manifestou-se negativamente no que diz respeito à solução arquitetónica e urbanística constante do Pedido de Informação Previa (PIP) do Hotel Plaza Central, designação inicial do hotel. Enviou as razões da decisão ao senhor Presidente da Câmara Municipal de Braga, e partilhou através de um “entre aspas”, publicado a 29 de abril de 2019. Foram várias as tomadas de posição e “entre aspas”, de 2019 a 2024, sob o ponto de vista patrimonial e ambiental.


Era uma vez uma cidade que vai ser capital portuguesa da cultura (2025) e que é candidata a capital verde europeia (2026). Que tem um monumento barroco, da primeira metade do século XVIII - Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas - na sua praça mais central, classificado de interesse público.

Nesta cidade, conhecida por “Capital do Barroco”, assistimos à construção de uma unidade hoteleira de volumetria desproporcionada e pastiche, contigua ao monumento, a poucos metros da sua Cerca e em plena Zona Especial de Proteção. ZEP que, segundo a Portaria nº 665/2012, de 7 de novembro, “tem em consideração a sua implantação numa área da cidade perfeitamente consolidada, onde outros edifícios com interesse arquitetónico contribuem para a valorização do imóvel e a sua fixação visa salvaguardar alguns dos imóveis da frente urbana da Avenida Central, bem como toda a Rua de São Gonçalo que, por ser bastante estreita, estabelece uma relação direta com o imóvel.”.

 

Que exemplaridade pode esta cidade dar aos seus jovens, às entidades avaliadoras europeias do património e ambiente, e à cidadania, com uma obra paredes meias com um monumento protegido e que motivou pedido de embargo da DRCN (junto da CMB)? Obra que impermeabilizou parte deste quarteirão urbano e irá aumentar a concentração de trânsito no centro histórico, apesar de a cidade se ter comprometido a reduzir as emissões de CO2 em 55%, até 2030!

 

Onde está o jardim interior que constitui área de cedência pública ao Município mas, para o qual, não existe acesso desde início? Será que o único objetivo é a intenção de desmembrar a Cerca do Recolhimento para dar servidão à logística do hotel, através da rua de S. Gonçalo, com apropriação de património cultural público?! Essa intenção não nos passou despercebida no projeto inicial, que também anunciava 110 quartos e 35 lugares de garagem, entre outros espaços habituais numa unidade hoteleira desta dimensão.

Depois do erro urbanístico consumado, será que o edificador tem em vista tornar-se num generoso mecenas, prontificando-se a fazer aquilo que as entidades públicas não foram capazes de fazer até agora? Desejará o monumento, ou parte dele, para tornar mais “in” a oferta hoteleira que edificou com entrada junto à Capela do monumento?! Isso seria mais um atentado ao património de todos os bracarenses, uma feia reescrita da história em pretender apagar a memória da condição feminina e a luta dura das mulheres pela sua dignidade e emancipação!

 

O Recolhimento revela deterioração, visível do exterior, o que obrigou à caridade dos hoteleiros meeiros em caiar uma parede para a fotografia da cerimónia da inauguração. Esqueceram a outra parede?!

Perturba, porque recorda a pobreza de que ainda há memória, a miséria feminina desprotegida, mas sobretudo, a exploração da mulher aos níveis mais baixos que a história nos testemunha. As Convertidas são uma memória viva e continuada de um passado que não pode ser mitigado ou esquecido. De facto, a pobreza recorda-nos a população mais desprotegida, nomeadamente doentes, crianças e mulheres carenciadas; não casa bem com a hotelaria, pois sabemos que a magia dos hotéis é fazer-nos sentir ricos e bem tratados.

 

Quem habita esta cidade saberá que o valor do Recolhimento das Convertidas, a Capela de São Gonçalo e a Cerca e os seus altos muros valem por todo o seu conjunto? Uma integralidade à qual deve ser adicionada a intangibilidade da memória constituída pela sua função contínua de cerca de 300 anos! Importa lembrar que este conjunto é uma pérola do barroco conventual, único em Portugal e, por isso mesmo, o Estado Português lhe atribuiu a classificação de Monumento de Interesse Público.

Os corredores estreitos e as celas exíguas, bem como o coro-alto, separado por crivaria, onde as mulheres assistiam à missa que decorria na Capela de São Gonçalo, sem serem vistas, permite-nos construir um imaginário de vivências dessas mulheres, desde o início do séc. XVIII, que estavam afastadas da vida urbana que rolava fora de muros. O seu quotidiano, bem como o isolamento a que estavam sujeitas, e o modo como ocupavam a sequência de dias e noites, têm sido motivo de estudo por académicos e artistas.  Toda uma atmosfera frágil que gera um ambiente único, mesmo a nível europeu, permitindo aos visitantes viajar no tempo, sentirem-se privilegiados por poder desfrutar, também, desse património imaterial, que nenhuma simulação, multimédia, ou artificialidade hoteleira é capaz de substituir.

O termo “Convertidas” está, pois, associado a sofrimento, tristeza e isolamento!

 

Desafiamos cada bracarense a chegar às suas próprias conclusões.

Neste momento será possível afirmar que a ZEP foi respeitada?

Será possível afirmar que foi respeitada a segurança, integridade e monumentalidade, bem como a cércea do Recolhimento das Convertidas?

A Capela de São Gonçalo encontra-se segura? Então, porque motivo ainda não são permitidas as visitas?

 

Lembramos que compete ao atual Executivo Municipal e ao Património Cultural, I.P., respeitar a classificação desta pérola do barroco conventual.

 

A defesa do Recolhimento das Convertidas, da Capela de São Gonçalo e da Cerca de muros altos que protege este conjunto com distinção de âmbito nacional, é um sonho de muitos bracarenses. O monumento é património dos bracarenses e de Portugal, constituindo um genuíno repositório da história da exploração da mulher, pelo que deve ser preservado pela sua memória material e imaterial para resgate às futuras gerações.

Salvemos o nosso património!