INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

ENTRE ASPAS: "A Democracia e o Património Cultural"


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Na semana em que se comemoram os 50 Anos do 25 de Abril, é adequado analisar o contributo da Democracia para a salvaguarda e promoção do Património Cultural e Natural.

Ao contrário de outras dimensões em que a Revolução dos Cravos alterou profundamente a sociedade portuguesa – nomeadamente na instauração da Liberdade e da Democracia, na descolonização e na reentrada de Portugal no concerto das Nações, a começar na Europa, de que estava isolado, e no desenvolvimento da economia, do bem-estar e do Estado Social – não são, porventura, evidentes, os progressos da Democracia no que respeita ao Património Cultural. Mas eles são significativos e de enorme importância, como procuraremos demonstrar. Situam-se especialmente no domínio da democratização da cultura e na atribuição de novos sentidos ao conjunto do património edificado, imaterial e ambiental. 

Podemos começar por registar a entrada de vários monumentos e sítios no âmbito da classificação pela UNESCO de Património Comum da Humanidade – nomeadamente, no que respeita a Braga, do Bom Jesus do Monte – o que ocorreu, na sua totalidade, após o 25 de Abril. Na verdade, a Convenção da UNESCO que criou o Património Comum da Humanidade foi aprovada em 1972 e assinada em Portugal apenas em 1980. Atualmente, Portugal é o 18º país do Mundo com mais património inscrito, com um total de 17 monumentos e sítios.

 Mas, além disso, a salvaguarda do património passou a ser uma missão coletivamente assumida pela sociedade e pelos cidadãos. O significativo movimento associativo que se constituiu em torno da defesa do património nos anos imediatamente a seguir a 1974 – de que, aliás, a ASPA é um exemplo, criada que foi em 1977, na sequência do movimento cidadão de defesa das ruínas romanas da Colina de Maximinos – só foi possível pela liberdade inaugurada naquele dia de Abril que instituiu o Povo como ator da História, permitiu a criação de associações e abriu as portas da participação coletiva na vida da pólis. O património cultural tornou-se uma causa comum, e tal como o poder caiu na rua, também ele desceu do pedestal da sacralização em que estava, para se constituir como um fator de identidade de todos nós.

Não se pode dizer que o regime anterior ao 25 de Abril não tinha uma política sobre o património. Pelo contrário. Muitos monumentos foram recuperados e classificados. Sobretudo castelos, palácios, mosteiros e igrejas. Foram sobretudo aqueles elementos patrimoniais que serviam para evocar a narrativa ideológica que o regime sustentava. Na verdade, a política patrimonial do Estado Novo inseriu-se numa lógica promocional da doutrina de um Estado Autoritário, Colonial e Nacionalista. Foi essa lógica que levou o regime à recuperação de muitos monumentos degradados, mesmo que com pouco critério técnico, recorrendo com muita frequência ao pastiche – isto é, fazendo de novo, a imitar o antigo (um dos exemplos mais conhecidos, entre muitos outros, é o do Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães) – com a intenção clara de evocar “um passado glorioso”. Ao mesmo tempo, o regime impôs um estilo arquitetónico claramente inspirado na arquitetura italiana do tempo de Mussolini e repartiu pelo país uma estatuária evocativa dos próceres do regime, de que é exemplo, entre nós, a estátua de Gomes da Costa. Não interessou ao regime recuperar edifícios e sítios menos inspirados naqueles ideais e muitos ficaram na ruína. Braga, apesar de celebrada como berço do regime, viu menosprezadas, e, aliás, parcialmente destruídas ainda no tempo de Santos da Cunha, as ruínas romanas da Cividade, abandonado o Mosteiro de Tibães e esquecido o Sistema Hidráulico Setecentista das Sete Fontes. Ruínas romanas, Mosteiro de Tibães e Sete Fontes (neste caso ainda, esperançadamente, em curso) precisamente recuperados em Democracia e a partir da ação cidadã, de que se destacou a ASPA.

O património cultural em Democracia não serve para evocar “gestas do passado”, mas para que todos nos relacionemos com a nossa identidade coletiva. É por isso que o património, numa visão moderna e democrática, não se resume aos grandes monumentos, mas contempla todos os elementos materiais e imateriais que testemunham a vida e a cultura que herdamos, desde as casas de brasileiros aos lenços de namorados, dos azulejos e pinturas murais que decoravam as habitações urbanas ao espólio musical das abadias e dos cantos populares, das fábricas históricas, como a Confiança, aos bairros operários, de que restam tão poucos (como os Galos). Mais, o património são também as árvores e os rios, as florestas e as espécies animais e vegetais autóctones, tantas vezes ameaçadas. Por ser tudo isto, o património em Democracia não contempla uma atitude reverencial e sacralizadora face ao passado e aos seus vestígios. Exige rigor técnico na sua preservação, sentido crítico capaz de analisar o passado e o desconstruir analiticamente nos aspetos que nele exprimem dominação e opróbrio.  É por isso que a salvaguarda, estudo e promoção do património edificado e natural, material e imaterial, é uma tarefa sempre inacabada, com ações permanentes de mobilização coletiva, de resposta à ameaça dos interesses predadores e dos poderes políticos e económicos instalados, de divulgação e criação de uma consciência crítica, de educação patrimonial junto das novas gerações, de reivindicação do que é nosso e, por isso, merece o melhor do nosso esforço comum. 

terça-feira, 9 de abril de 2024

ENTRE ASPAS: "COMPLEXO DAS SETE FONTES. Quando teremos o Parque Verde Eco Monumental?"

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No dia 23 de março, seguinte ao Dia Mundial da Água, o Complexo das Sete Fontes foi palco de um conjunto de atividades e juntou um número significativo de pessoas. A iniciativa da Associação Juvenil de Gualtar e da Associação JovemCoop, com o apoio da AGERE, da Câmara Municipal de Braga e da Junta de Freguesia de S. Victor, contou com a colaboração do Centro de Ciência Viva de Braga e da ASPA. Não faltaram sessões de Yoga, de Pilates e de pintura, atuação das Tunas e teatro.  

Esta iniciativa conjunta demonstrou, mais uma vez, as potencialidades da área onde teremos o futuro Parque Verde, tal como aconteceu em 2011 quando o movimento “Peticionários pela Salvaguarda das Sete Fontes” promoveu o ABRAÇO pelas Sete Fontes, no âmbito da Ação Cidadã em Defesa do monumento e envolvente. Essa foi uma das muitas iniciativas dos Peticionários, unindo várias organizações em defesa do Sistema Hidráulico Setecentista e do manancial de água que o suporta; permitiu alertar a opinião pública para o risco a que estava sujeito, devido ao facto de o Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor ter classificado esta área como urbanizável e com índice de construção máximo. Os Peticionários conseguiram reunir mais de 5000 assinaturas e levar o assunto à Assembleia da República, de que resultou a classificação como Monumento Nacional.

Relembramos que:

  •  esta luta teve início a 27 de março de 1995, quando a ASPA apresentou ao IPPAR um requerimento tendo em vista a classificação do “Sistema de Abastecimento de Água Setecentista, denominado sete-fontes”, na freguesia de S. Victor da cidade de Braga, com vista à sua salvaguarda e preservação futura”; 
  • o Despacho de abertura do processo, pelo presidente do IPPAR, é de 19 de abril de 1995.
  • a ASPA atuou junto de diversas entidades no sentido de acelerar a classificação em Diário da República e impedir um PDM lesivo ao monumento e à água. Divulgou a preocupação junto da opinião pública, através de "Entre Aspas";
  • em 2001, foi publicado em Diário da República (D.R.) o PDM de Braga, que atribui índice máximo de construção à envolvente do monumento;
  • o Despacho de homologação, como Monumento Nacional, é de maio de 2003;
  • depois do anúncip da construção do hospital, foi criado o movimento "Peticionários pela Salvaguarda das Sete Fontes", que incluiu a ASPA, os Verdes, a JovemCoop e contou, desde início, com o apoio do então presidente da Junta de Freguesia de S. Victor, o Dr. Firmino Marques.

Em 2011, a classificação do Sistema de Abastecimento de Águas à cidade de Braga, no séc. XVIII foi, finalmente, publicada pelo Decreto nº 16, de 25 de maio, que lhe atribuiu distinção como Monumento Nacional e, em junho, foi publicada a Portaria nº 576, que define a respetiva ZEP (parte dessa área foi usada na construção do hospital, inaugurado nesse mesmo mês). 


Entre 2014 e 2021, a CMB suspendeu o PDM na área da ZEP e estabeleceu medidas cautelares preventivas; anulou o espaço canal previsto para o lanço da EN103 – Variante de Gualtar, entre o Nó do Hospital e o Nó do Fojo, que colocava em risco a integridade do monumento; fez intervenção de restauro das mães d`água; obteve os Estudos - Arqueológico e Hidrogeológico - para a área das Sete Fontes; concluiu o arranjo e musealização da Mina do Dr. Amorim, com colaboração do Hospital de Braga; no âmbito do Plano Diretor Municipal a área foi classificada como espaço verde, delimitada por UOPG, com capacidade edificatória de enquadramento urbanístico ao monumento.

A alteração do PDM nesta área, o Plano de Urbanização publicado no Diário da República de 24 de setembro de 2021, e o estudo prévio do Parque das Sete Fontes (Anexo VII do Plano), foram o garante da construção de um Parque Verde com 30 ha de área verde pública e 30 ha de área florestal privada. Em outubro desse ano, o município já tinha adquirido terrenos para o Parque e tinha estabelecido um acordo de gestão com o proprietário com maior área verde. Foi notório o esforço, por parte desse executivo municipal, no sentido de cumprir o objetivo de criar um Parque Verde Eco Monumental nas Sete Fontes.

Assim, esperava-se que as áreas de cedência de cada unidade de execução, para o Parque Verde, fossem libertadas gradualmente, permitindo a construção faseada do parque, o que pressupõe a existência do Projeto Paisagístico de acordo com o estudo prévio aprovado. 

Porém, o executivo municipal que tomou posse em 2021 não manteve dinâmica idêntica:

  • em junho de 2022 foi aberto um caminho de acesso ao Monumento, o que não era suposto acontecer; caminho esse que, entretanto, não foi fechado de modo a impedir a entrada de veículos na área da ZEP;
  • só recentemente avançou com o processo relativo ao Projeto Paisagístico, apesar de se saber que é urgente;
  • o Sistema Hidráulico revela abandono, por falta de manutenção;
  • apesar de o Município ser proprietário da área que adquiriu e, além disso, ter acordado com o maior proprietário de área verde a gestão dessa área (limpeza, retirar diversidade de plantas invasoras, etc.), tudo indica que nada fez. As invasoras avançaram e ocupam parte significativa do futuro Parque Verde. 

No âmbito da Tertúlia entre o Vereador do Urbanismo (responsável pelo dossiê das Sete Fontes desde outubro de 2021) e representante da ASPA, salientou-se o atraso na concretização de medidas já em curso em 2021.

Estranhámos a notícia, facultada pelo vereador, de que o controlo de plantas invasoras vai, em breve, ser entregue a uma empresa e que não prevê o contributo de voluntários. Esperamos que o contrato especifique medidas concretas, baseadas em práticas cientificamente comprovadas, para cada espécie a controlar, pois não é fácil controlar invasoras em expansão.


Será que o Município se esqueceu que era suposto gerir cerca de 6,5 ha, desde 2021, com vista à criação do Parque Verde?

Falta saber qual o ponto da situação das negociações iniciadas em 2020, entre o Município e a ARS Norte, relativamente à “cedência temporária de uma parcela de terreno adjacente ao Hospital de Braga, para efeitos de concretização do projeto  "Ecoparque das Sete Fontes" e ... se foram terminados ou negociados outros acordos, tendo em vista a gestão, pelo Município, de mais área a integrar no Parque Verde.

Perante o atraso na tomada de decisões resta-nos questionar:

Quando teremos o Parque Verde Eco Monumental nas Sete Fontes?

Antes ou depois das próximas eleições autárquicas, em outubro 2025?