INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

DR AMADEU CARVALHO


Divulgamos a notícia publicada hoje, 21 de julho, pelo jornal O Público, relativa ao falecimento do Dr Amadeu Carvalho.


Uma homenagem merecida, atendo ao papel que desempenhou numa fase complexa da cidade de Braga, uma vez que integrou um grupo de cidadãos que se uniu em prol da defesa do património arqueológico. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

ENTRE ASPAS "A réplica da Fonte do Ídolo existente no Museu Marins Sarmento"

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Os métodos de estudo e preservação das relíquias do passado foram-se alterando com o evoluir quer das técnicas, quer da perceção científica dos vestígios. Devemos a uma geração pioneira de arqueólogos o estudo inicial de vários monumentos, que nos proporciona hoje registos interessantes do estado em que se encontravam há mais de cem anos atrás. A Fonte do Ídolo é um desses casos. Terá sido um santuário que existiu, em época romana, na periferia da cidade de Bracara Augusta, hoje no centro de Braga, perto da confluência entre a Avenida da Liberdade e a rua do Raio. Foi trazido à luz por uma publicação de Contador de Argote, no século XVIII, que dele publicou uma ilustração. No final do século XIX, foi estudado por vários eruditos, destacando-se Emil Hübner e Leite de Vasconcelos, cujos estudos coincidiram com os de Albano Belino e Francisco Martins Sarmento. Depois da intervenção promovida pela Direção Geral dos Monumentos Nacionais, na década de 1930, o antigo santuário permaneceu fechado durante décadas, até que foi finalmente estudado pela Universidade do Minho, entre 2002 e 2004, no âmbito de um projeto de musealização da autoria de Paula Silva, promovido pela mesma Direção. Os trabalhos de escavação arqueológica e registo foram coordenados por Manuela Martins e Francisco Sande Lemos.

A Fonte do Ídolo é uma antiga nascente natural, cuja água brotava através de uma rocha granítica, o que se pode, desde logo, relacionar com as convicções espirituais, quer do período romano, quer do imediatamente anterior, a Idade do Ferro.  As pesquisas mais recentes, que incluíram a envolvente do monumento, permitiram identificar vestígios da utilização do espaço na Idade do Ferro, que seria ocupado sazonalmente. Não há, contudo, indícios de construção associados ao local da fonte, nesta fase, o que sugere a sua utilização na plenitude das suas características naturais, como seria comum nesta época. É ao período romano, em dois momentos cruciais, que se atribuem os vestígios mais expressivos: os finais do século I a. C., em que um indivíduo chamado Celicus Fronto terá promovido a edificação do santuário; e a segunda metade do século I d. C., quando o neto e bisnetos do mesmo Celicus Fronto empreenderam a reforma do mesmo. O espaço seria dedicado à deusa Nabia, associada às águas, fertilidade e abundância, bem como a outra divindade identificada como Tongus Nabiagus. Além das várias inscrições latinas que identificam as personagens e as divindades associadas ao recinto, conservam-se na fachada esculturada da fonte, uma figura em pé, ao centro, que enverga uma toga, identificada com a deusa Nabia ("ídolo" que atribuiu o nome ao local), bem como uma edícula, do lado direito, com um busto esculpido em relevo, identificado como a possível representação de Tongus Nabiagus.

A Fonte do Ídolo é um local único, sem um paralelo evidente no Norte da Península Ibérica. A localização nas imediações de uma importante cidade romana terá facilitado a continuidade de um culto pré-romano, perfeitamente enquadrado nos cânones religiosos do Império, de que os vestígios da arquitetura são exemplo. A utilização de uma nascente, a invocação de uma divindade associada às águas e a identificação dos deuses tutelares como indígenas, não poderiam passar ao lado do interesse científico de Francisco Martins Sarmento, nem de Albano Belino.

A ideia de fazer uma réplica da fonte alimentou o espírito de Sarmento por duas razões principais. A primeira, assumida, porque pretendia um decalque rigoroso das epígrafes latinas, com o objetivo de as estudar ao pormenor. A segunda, subentendida, porque Sarmento já tinha testemunhado a destruição e desaparecimento de muitos vestígios arqueológicos, temendo idêntico destino para as inscrições e esculturas da Fonte do Ídolo. Assim, a ideia de fazer uma réplica obedece ao princípio de preservação e estudo dos vestígios do passado, que sempre fez parte da missão do Museu Martins Sarmento, na altura, de criação recente.

A realização da réplica foi encomendada por Sarmento a um estucador, que se dirigiu a Braga e efetuou o molde sob supervisão de Albano Belino, em finais de Janeiro de 1895. Não se conhece a identidade do estucador, referido por Sarmento como "o meu Fídeas" ou "o artista". No dia 29 de Janeiro do mesmo ano estava a montar-se a réplica no claustro de São Domingos de Guimarães. Feito o molde em Braga, construiu-se uma estrutura em ferro, preenchendo o interior com argamassa e tijolo e a superfície exterior em gesso modulado. Tanto a figura togada, como a edícula com o busto em baixo relevo, bem como as cinco epígrafes, têm o mesmo tamanho dos elementos originais.

No início de Fevereiro de 1895, escrevia já Sarmento a Belino: "Pelo que vejo do esboço que me manda do Ídolo, e que muito agradeço, o meu rapaz não asnearia muito, mas asneou alguma coisa.".

A réplica mantém-se no local, tendo sido restaurada, entre os finais de 2021 e o início do corrente ano de 2022, por uma equipa coordenada por Susana Laínho, num trabalho moroso e complexo, pela natureza dos materiais utilizados e estado de degradação que rapidamente atingem. Preserva-se, assim, a memória dos primeiros arqueólogos que estudaram a Fonte do Ídolo, promovendo também, em Guimarães, a herança de Bracara Augusta.

                                                            Gonçalo Cruz
                          (Arqueólogo na Sociedade Martins Sarmento)

Mais Informação:

quinta-feira, 7 de julho de 2022

ENTRE ASPAS: "Complexo das Sete Fontes: passado e presente"



Sabemos que o passado ajuda a compreender e melhorar o presente. Assim, nada melhor do que um retorno ao passado recente para facilitar o conhecimento da importância do Complexo das Sete Fontes para Braga, bem como relembrar etapas da luta pela sua salvaguarda, que não pode ser dissociada da defesa do manancial de água que o suporta e da envolvente paisagística que o qualifica.


Qual a origem do Sistema de Abastecimento de Água à Cidade de Braga, no Séc. XVIII?

D. José de Bragança, Arcebispo de Braga, mandou reformar e ampliar este Sistema Hidráulico Setecentista (1744?), de modo a garantir água à população que vivia na cidade. O Sistema, que é constituído por galerias e respiros, mães d`água no interior das “capelas” barrocas e o aqueduto que levava a água à cidade, inicia nas zonas de adução de água, a montante do Sistema, e terminava em fontanários espalhados em praças ou ruas, onde as pessoas se dirigiam com cântaros com os quais levavam água para suas casas. A água também chegava a quintas ou casas e instituições mais importantes.  Braga recebeu água das Sete Fontes até cerca de 1913 e, a partir dessa data, passou a receber do sistema de capação do rio Cávado (Central Elevatória da Ponte do Bico).

Mais tarde (1937), o Município de Braga encomendou um estudo hidrogeológico ao Engº Nascimento da Fonseca, tendo em vista retomar a água das Sete Fontes para reforço de captação, pois a recolha através do rio Cávado era insuficiente. Esse estudo incluiu o levantamento detalhado do Sistema Hidráulico, ficando o município de Braga a conhecer a sua localização e extensão, bem como a sua importância estratégica e a quantidade de água que, diariamente, lá circulava.

 

Por que razão este processo tem sido tão estranho aos interesses de Braga e dos bracarenses, desde 1995?

Em março de 1995, a ASPA apresentou ao IPPAR o pedido de classificação do Complexo das Sete Fontes, fundamentando com o facto de se tratar de um Sistema Hidráulico Barroco, relevante sob o ponto de vista patrimonial, extenso e onde circulava grande manancial de água. À época, a envolvente do monumento era ocupada por quintas onde se cultivavam cereais e fruta, bem como bouças com sobreiros e outras espécies arbóreas e arbustivas autóctones.

Em abril do mesmo ano, foi publicado o despacho de abertura do processo de classificação, pelo presidente do IPPAR. Em 1999, o Instituto Português de Arqueologia alertou a Direção Geral de Ordenamento do Território para a importância histórica e monumental da área abrangida pelo Complexo das Sete Fontes, uma vez que estava em curso a elaboração do primeiro Plano Diretor Municipal de Braga. 

Em janeiro de 2001, foi publicada, em Diário da República, a Resolução de Conselho de Ministros nº9/2001, que aprovou o PDM de Braga, sancionado em Assembleia Municipal a 21 de julho de 2000, considerando a envolvente do Sistema Hidráulico Setecentista como área urbanizável, com índice elevado de construção. Em março de 2001, a DRCN apresentou a proposta de definição da área a classificar, tardiamente uma vez que o futuro do monumento já estava hipotecado aos interesses privados especulativos previstos pelo PDM!

Entretanto, para agravar a ameaça ao monumento nacional, o executivo municipal, à época, decidiu a construção de uma variante à EN 103, por Gualtar, que iria atravessar o monumento nacional e teria implicações na adução e reserva de água; também decidiu, erradamente, a construção do novo Hospital de Braga nas Sete Fontes, afetando área protegida pela Zona Especial de Proteção do Monumento. 

Em 2009, passados 14 anos do pedido apresentado pela ASPA, e perante tantos atropelos ao Património em vias de classificação e com o estatuto de âmbito nacional, surge um movimento de cidadãos – Peticionários pela Salvaguarda das Sete Fontes - que organizou uma petição pela salvaguarda e classificação das Sete Fontes. Em maio de 2010, a petição cidadã foi apresentada na Assembleia da República, resultando em duas Recomendações ao Governo no sentido da classificação do Complexo Monumental das Sete Fontes e no estabelecimento de medidas de proteção.

A construção do novo hospital iniciou em 2009 e foi concluída em junho de 2011.

O Decreto nº16/2011, que classifica o Sistema Hidráulico de Abastecimento de água à Cidade de Braga no séc. XVIII como monumento nacional, e a Portaria nº 576, que define a respetiva Zona Especial de Proteção (ZEP), só foram publicados em maio e junho de 2011, respetivamente.

 

Ações no sentido da defesa do monumento nacional...

Em 2013, o novo executivo municipal optou pela suspensão parcial do PDM de Braga, na área da ZEP, e consequentes medidas preventivas para proteção e salvaguarda do Sistema de Abastecimento de Águas das Sete Fontes à Cidade de Braga, do séc. XVIII; e, em 2016, conseguiu evitar a variante à EN 103, por Gualtar. Em 2018, a Câmara Municipal de Braga (CMB) apresenta às associações e proprietários dos terrenos o Ponto da Situação e a Estratégia Executória para o Complexo Ecomonumental das Sete Fontes, legitimada, sem votos contra, pelos órgãos municipais.  Em 2019 foi realizada a sessão pública “Salvaguarda e Execução do Parque Ecomonumental das Sete Fontes. Apresentação dos estudos: hidrogeológicos, arqueológicos, urbanísticos e paisagísticos”.  No início de 2020, foi efetuada a apresentação e discussão pública do Plano de Urbanização e do Projeto do Parque das Sete Fontes. Em agosto de 2020, a CMB adquiriu os primeiros terrenos para a construção do Parque das Sete Fontes. No início de 2021, adquiriu mais terrenos, desta vez ao proprietário com mais m2 na zona verde do futuro Parque das Sete Fontes (no âmbito da Estratégia antes aprovada). Outros se seguiram. Em setembro de 2021, foi publicado, em Diário da República, o Plano de Urbanização das Sete Fontes, cuja implementação se organiza em unidades de execução; garante um Parque Urbano com 30 hectares de área verde para usufruto público, de acordo com o estudo prévio do Projeto de Arquitetura Paisagista que esteve em discussão pública no âmbito da aprovação deste Plano.

Em junho de 2022, o executivo municipal aprovou a 1ª Unidade de Execução do Plano de Urbanização, que inclui área do Parque Verde Urbano de usufruto público.  

 

O movimento de peticionários pela salvaguarda das Sete Fontes foi um exemplo nacional de cidadania em defesa do Património. Nesta fase espera-se a concretização do Parque Verde o mais rápido possível, mesmo que seja por etapas, pois é ambicionado há muitos anos.

Assim, também se espera que o Presidente Ricardo Rio e os vereadores eleitos se assumam como defensores intransigentes deste monumento nacional, unidos no projeto que é consensual para todos os bracarenses, e que não haja mais intervenções avulsas, como aconteceu recentemente. Importa respeitar o desígnio de um Parque Ecomonumental, livre protagonismos.

 

Convém não esquecer que a salvaguarda do Complexo das Sete Fontes é, principalmente, uma VITÓRIA DA CIDADANIA!

Informação da CMB: 
Entre aspas anteriores sobre as Sete Fontes:

Outra informação disponibilizada pela ASPA: