INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

FÓRUM DO PATRIMÓNIO 2024


F
oi hoje a conferência de imprensa para divulgação do Fórum do Património que vai realizar-se no dia 26 de outubro, em Braga. Decorreu no Salão Nobre da Câmara Municipal de Braga, entidade que apoia o referido Fórum.

Esta é uma iniciativa de um conjunto de ONG que intervêm, nas respetivas localidades, de norte a sul do país, em defesa do Património Cultural Construído. É este objetivo maior, comum às diferentes Associações e ONG portuguesas do Património, o grande motor do Fórum: promover a união de esforços em torno da salvaguarda do Património, uma atividade permanente que envolve a participação de todos.
Contou com a intervenção de representantes da comissão organizadora: Alice Tavares (APRUPP), Teresa Barbosa (ASPA), Filipe Ferreira (GECoRPA) e Migeul Bandeira 
(Fundação Bracara Augusta). Terminou com uma intervenção do Presidente da Câmara Municipal de Braga.  

Esperamos que os órgãos de comunicação presentes façam a devida divulgação a este Fórum, uma vez que as temáticas a tratar são relevantes a nível local e nacional.
Partilhamos o comunicado à imprensa, com o Programa do FP24 em anexo.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

ENTRE ASPAS "O VALOR DO PATRIMÓNIO IMATERIAL"


O modelo económico que se consolidou na Europa a partir do séc. XVIII, estendendo-se depois a todo o planeta, assenta em vários pilares. Um dos mais relevantes é o da atribuição de um valor de mercado a todos os bens materiais suscetíveis de ser transacionados, incluindo a terra, ficando apenas salvaguardados aqueles que pelo seu valor simbólico contribuem para afirmar identidades coletivas – certos castelos, palácios, catedrais. Os bens intangíveis, muitas vezes associados a sentimentos e afetos, como os que se expressam em festas e celebrações, laicas e profanas, acabaram igualmente, por adquirir valor de mercado, neste caso mediado pela matriz do património cultural. Temos, assim, uma ideia nova, indissociável da afirmação da burguesia, primeiro comercial, logo industrial: certos bens têm valor patrimonial pelo que representam, de tal forma que toda a comunidade nacional se deve implicar na sua preservação.

É partindo deste quadro que devemos entender uma boa parte dos debates contemporâneos acerca do património. Quando está em causa a preservação de um bem patrimonial material (palácio, palacete, casebre ou paisagem), é frequente o confronto entre os interesses adquiridos por privados e um certo entendimento daquilo que é o interesse comum. Na legitimação do interesse privado pesa não apenas a sacralidade da propriedade mas também uma invenção da modernidade: a transformação dos bens fundiários em mercadorias transacionáveis e geradoras de mais-valias. A ideia de interesse comum sustenta-se, por seu lado, numa outra ideia moderna: a de que a preservação do património cultural é indispensável aos processos de reprodução social das comunidades de que é parte. Ilustrações vivas desta tensão não faltam, também na cidade de Braga – desde a valorização hoteleira do edifício contíguo ao Recolhimento das Convertidas, com construção de novos edifícios em Zona Especial de Proteção do Monumento, ao utilitarismo imobiliário da Fábrica Confiança – mas consideremos, desta vez, de que forma a referida tensão se observa quando falamos de património imaterial.

Pensemos em festas que são hoje parte importante da vida da cidade, seja o S. João, a Braga Romana ou a Semana Santa. Ainda que ninguém seja proprietário das festas, ao contrário do que sucede com algum do património construído, nem por isso a tensão entre interesse privado e público deixa de se manifestar, pois nem mesmo o património intangível escapa ao mercado e à inscrição numa folha de cálculo do interesse financeiro. Queremos com isto dizer que o valor da Semana Santa ou do S. João é indissociável da sua configuração enquanto produto que tem valor de mercado. Quantas pessoas traz à cidade? Quanto dinheiro despendem em alojamento, comida e frivolidades? Quem beneficia com esta crescente e esmagadora turistificação do património que a todos pertence?

Importa, então, destacar dois aspetos. O primeiro chama-nos a atenção para o facto de que a valorização do património cultural, feita quase sempre através de dinheiros públicos, tende a favorecer determinados segmentos da comunidade, sejam eles agentes individuais ou coletivos. O segundo aspeto é ainda mais importante. Alerta-nos para o risco de o discurso patrimonialístico poder conduzir a uma desvalorização real do património enquanto recurso de que as comunidades necessitam para o funcionamento dos processos indispensáveis à sua existência e reprodução. Nos processos de patrimonialização já em curso ou ainda em desejo, como Semana Santa ou no S. João de Braga, é fundamental ponderar a relação entre a sua valorização no mercado turístico e o risco de romper a sua relação com o tecido social que faz a cidade. Risco gerado pelos interesses do mercado, que gere mais facilmente um património cristalizado, semantizado de acordo com quadros de reconhecimento globais (onde se inclui a UNESCO), do que um património vivo e dinâmico, capaz de ligar passado, presente e futuro. Esta tessitura de um tempo contínuo que o património cultural nos oferece é indispensável à vida de qualquer comunidade, sendo fundamental resistir à sua erosão, mesmo quando esta é determinada por processos históricos que parecem tão imparáveis como o da mercadorização dos valores a que vimos assistimos.

Classificação e reconhecimento

Sendo antiga e tendo conhecido várias vidas, o reconhecimento de bens patrimoniais relevantes para as comunidades é indissociável da emergência dos nacionalismos oitocentistas, que tanto deram destaque à memória plasmada em monumentos, quanto ao que o povo expressava nas artes populares ou no folclore. Mais tarde, no final da II Guerra Mundial, a UNESCO assumiu um papel de relevo na preservação do património cultural, começando por dar atenção ao património construindo, para depois atender à paisagem (1972) e mais tarde ao património imaterial (2003). Na Convenção que o consagra, entende-se por património imaterial: “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objetos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural”, ao mesmo tempo que se tipificam cinco áreas de intervenção: Tradições e expressões orais, incluindo a língua como vetor do património cultural imaterial; Artes do espetáculo; Práticas sociais, rituais e eventos festivos; Conhecimentos e práticas relacionados com a natureza e o universo; Aptidões ligadas ao artesanato tradicional.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

ENTRE ASPAS " OS ANJINHOS ESTÃO À CHUVA. Casa nº 161 da Rua de S. Vicente"

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A observação atenta do Mappa das Ruas de Braga (1750) permite-nos identificar esta casa na Rua dos Chãos de Sîma (atual Rua de S. Vicente), alçado norte, com o número de referência 49 de casa foreira ao Cabido da Sé de Braga. Também está assinalada na Planta de Goullard, datada de 1883-84.  
Estes documentos são essenciais à sinalização do edificado que resistiu até ao séc. XXI, relativamente ao qual se espera uma atenção especial por parte do Município de Braga.

A casa manteve elementos que permitem afirmar que se trata de um exemplar quase único da arquitetura do séc. XVIII, nomeadamente o recorte das janelas e as "namoradeiras" de granito; a pintura de teto com moldura oval, assente em tábuas de madeira e um teto em masseira, ambos no 1º piso; a entrada com escadas e lajes em granito. Também apresenta painel interior de azulejos e um vão de escada em madeira até ao 2º piso e, no logradouro, um fontanário em granito ladeado de bancos e, ainda, painéis de azulejo.

Rua dos Chãos de Sîma (hoje Rua de S. Vicente)

Mappa das  Ruas de Braga (1750). 



Em defesa do património...

Em agosto de 2024, fomos alertados para a obra iniciada no nº 161, o que motivou a atuação da ASPA junto do Presidente da CMB e do Vereador do Urbanismo, com envio de documentos que atestam a importância patrimonial desta casa, construída no séc. XVIII e que manteve, até 2024, os testemunhos da arquitetura original. O telhado e beiral foram retirados em agosto e na semana passada foram retiradas as traves de teto, em madeira, de 2º piso, ficando a casa sem proteção contra a chuva, apesar do valor patrimonial da pintura e do teto em masseira, ambos em madeira.

 

A ASPA solicitou informação sobre o modo como está previsto integrar os testemunhos da arquitetura original, bem como as medidas preventivas adotadas no sentido da proteção desta pintura do sec. XVIII e teto de madeira em que está assente e, ainda, o tipo de obra autorizada e condicionantes impostas para garantir a salvaguarda de cada um dos testemunhos da arquitetura original referidos, de acordo com o definido no Artigo B-3/10º do Título III - SALVAGUARDA E REVITALIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO - do Código Regulamentar de Braga.

Também referimos a ausência do Aviso de obra que, entretanto, foi colocado.

 

Sabendo que a chuva é um dos piores inimigos das pinturas e das madeiras, contactámos a Divisão de Gestão Urbanística da CMB, sendo-nos garantido que o arquiteto responsável faz visitas regulares à obra e já alertou para que protegessem a pintura de teto e os outros tetos em madeira, bem com os restantes elementos patrimoniais a salvaguardar. Também deu garantias da integração dos elementos em granito e painel interior de azulejos da entrada, bem como do fontanário, pequenos painéis de azulejos do logradouro e parte da escadaria em madeira. Ficámos a saber que o atual projeto, para esta casa do séc. XVIII, prevê a construção de sete T1 e quatro pisos, sendo o último em forma de mansarda virada à rua de S. Vicente.

Antes, em 2016, foi colocada publicidade na fachada desta casa, que anunciava a “Venda de edifício com projeto aprovado para T1, T2 e T3”. O então vereador do Urbanismo despachou no sentido de os valores patrimoniais atrás enunciados serem integrados no projeto criando condicionantes que, felizmente, impediram a demolição integral do interior, conforme previsto.

 

Pintura oval do teto 

Esta pintura, na sala principal, é assente em tábuas de madeira e tem uma moldura oval com um friso composto por um feixe de folhas douradas e, no centro, um grupo de anjinhos (putti). Pelos motivos naturais, o estilo e o facto de ser pintada em madeira, trata-se, seguramente, de uma pintura do século XVIII, exemplo raro, hoje em dia, da decoração de uma casa de habitação da época.

A importância patrimonial desta pintura foi confirmada no dia 25 de agosto, pela Doutora Giuseppina Raggi, reputada especialista em História de Arte (Universidade de Coimbra), no contexto da celebração dos 300 anos da Pintura do Salão Nobre do Palácio dos Biscainhos. Saliente-se que, nessa mesma celebração, foi destacada a importância histórico patrimonial da pintura de tetos em Braga, da mesma época, nomeadamente o da Igreja do Salvador e o da Capela de S. Gonçalo, no Recolhimento das Convertidas. 

 

Importa ter presente que a salvaguarda e valorização de elementos da arquitetura original de edifícios – interior e frente de rua – é sinal do valor atribuído ao Património e à Cultura e é essencial à preservação da identidade de cada cidade. Por isso mesmo a ASPA pediu a classificação da rua de S. Vicente, em 2017, o que, infelizmente, não se concretizou.

Relembramos que o regulamento de SALVAGUARDA E REVITALIZAÇÃO DO CENTRO HISTÓRICO foi sujeito a discussão pública, em 2020, na qual a ASPA participou mas, desde então, não foi divulgada nem publicada a versão final.

 

Assim, a ASPA espera uma atenção redobrada, por parte da Divisão de Urbanismo da Câmara de Braga, em relação à obra em curso, conforme nos foi garantido na reunião realizada na quinta-feira passada. Pelo que é indispensável, efetivamente, o acompanhamento e fiscalização da obra, na fase crítica em que se encontra, uma vez que a casa está sem telhado e sem cobertura do 2º piso, correndo-se o risco de expor à chuva a pintura do séc. XVIII, o teto em masseira e outros, também de madeira, resultando em danos irreversíveis. Também esperamos o acompanhamento, no âmbito de demolição autorizada e da posterior integração dos elementos decorativos, de modo a garantir que se mantenham como testemunho da arquitetura do séc. XVIII.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Fórum do Património 2024 (FP24): PATRIMÓNIO DEMOCRACIA E CIDADANIA

O Fórum do Património é uma iniciativa que tem em vista a mobilização de ONG portuguesas do Património Cultural Construído em volta de objetivos comuns. Vai realizar-se em Braga, no dia 26 de outubro.

Este encontro nacional de ONG é organizado pela ASPA, em colaboração com a Fundação Bracara Augusta, o GECoRPA e associações que lançaram o Fórum do Património, em 2017.  Tem o apoio da Câmara Municipal de Braga, do ICOMOS e da Museus e Monumentos, E.P.E.

Acontece 43 anos depois do II Encontro Nacional de Associações de Defesa do Património Cultural e Natural, organizado pela ASPA, em 1981, também em Braga.
O Programa será divulgado em breve.  

Está interessado/a? Anote a data. 

Quer saber mais sobre o Fórum do Património? 

Quer conhecer as conclusões e recomendações dos anteriores FP?