INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 17 de novembro de 2025

ENTRE ASPAS: "José Veiga, o desenhador da alma de Braga. Um itinerário pela vida e obra de um artista que deu forma à sensibilidade de uma cidade"

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A cidade de Braga celebra este ano o centenário do nascimento de José Veiga (1925-2002), artista que, ao longo de uma vida inteira, soube captar como poucos a alma da cidade - os seus lugares, as suas festas, as suas gentes e os seus símbolos. A exposição – na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva – “José Veiga, o desenhador da alma de Braga”, integrada no programa Braga – Capital Portuguesa da Cultura 2025, convida-nos a percorrer, passo a passo, a história de um homem que desenhou o rosto e a memória da sua terra.

Organizada pelo Arquivo Municipal de Braga (AMB) / Divisão da Cultura e pela Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva (BLCS), esta mostra é o primeiro grande tributo ao artista que fez da simplicidade uma estética e da sensibilidade uma forma de compromisso. O itinerário expositivo é também uma viagem interior: começa na vida pessoal e familiar de Veiga – nascido na freguesia da Sé, no seio de uma família da pequena burguesia comercial – e estende-se à descoberta de uma Braga que se transformava lentamente, ainda marcada pelos ritmos rurais e pelas convenções do Estado Novo.

O traço e a cidade

O diálogo entre o artista e a cidade é um dos eixos centrais da exposição.

Com um olhar atento às ruas, aos ofícios e às figuras típicas, retratou a cidade com humor, ironia e ternura. Braga foi o seu grande ateliê e o seu tema maior – a cidade que o inspirava e a cidade que ele reinventava – resgatando patrimónios desaparecidos e dando nova vida ao que o tempo parecia ter apagado.

Mas Veiga não se limitou ao desenho em papel. O seu talento expandiu-se para o espaço público e para a celebração coletiva. Nos arcos e iluminações do São João, nas ornamentações da Semana Santa, nas armações minuciosas que davam corpo à alegria popular, a sua imaginação transformava-se em cenografia. Era um desenhador que pensava em grande escala, um verdadeiro arquiteto da festa. Entre o traço delicado e a monumentalidade das estruturas urbanas, José Veiga construiu uma ponte entre o íntimo e o comunitário, entre o detalhe e o esplendor público.

O humor e o olhar cívico

O artista bracarense era também um observador arguto do seu tempo. Através da caricatura e do cartoon, expressava uma consciência crítica que o tornava cúmplice e, por vezes, irreverente. Criou personagens que ficaram na memória - como “O Braguinha”, alter-ego de ironia e ternura, ou o narigudo “Repórter Cê”, que acompanhava com sarcasmo o quotidiano da cidade.

Essas figuras espelham o lado cívico de um criador atento às transformações sociais e políticas, que via na arte uma forma de diálogo e de liberdade.

Nos seus desenhos e caricaturas, há sempre uma profunda empatia com o humano e uma ironia subtil ou mordaz, sobretudo quando abordava temas como o clero, a política ou o futebol, expondo a fragilidade e a humanidade das figuras do poder.

Entre dois mundos

A obra de Veiga é também o espelho de uma transição. Formado sob o regime estético do Estado Novo, herdeiro do nacionalismo disciplinador de António Ferro, o artista transportou essa linguagem para uma época de mudança. O 25 de Abril trouxe-lhe o impulso da liberdade e novas formas de expressão. Nos anos seguintes, o seu desenho tornou-se mais experimental, por vezes burlesco, quase grotesco – como nas célebres caixas de fósforos – onde o humor popular se encontra com a crítica social. A ruralidade de uma Braga antiga convivia, então, com os ventos modernos de uma cidade em transformação. José Veiga soube, como poucos, captar esse instante de passagem: o momento em que a tradição se abre ao futuro sem perder o enraizamento.

O homem e o cidadão

Mais do que um artista, Veiga foi um homem de convicções. Participou ativamente na vida cívica e cultural da cidade, foi membro da ASPA e envolveu-se nos movimentos políticos do pós-Revolução, nomeadamente no PCTP/MRPP. O seu trabalho nunca se afastou das pessoas. Dava-se com todos. Desenhava para comunicar, para construir memória, para afirmar uma identidade comum.

Memória e legado

A exposição organizada pelo AMB é também um gesto de reconhecimento. O espólio do artista, cuidadosamente preservado e enriquecido com doações da família, particularmente das suas filhas – Maria Helena e Maria da Conceição Veiga, permitiu reconstituir um percurso vasto e surpreendente.

Ao longo da investigação, emergiram histórias, objetos e testemunhos de quem com ele partilhou o ofício e a vida – colegas de ateliê, fotógrafos, tipógrafos, companheiros das festas e do quotidiano. Entre memórias dispersas, este projeto evidenciou também a necessidade premente de reunir um espólio ainda disperso, devolvendo unidade ao legado de José Veiga. Desse mosaico de memórias nasce um retrato plural de José Veiga: o criador, o cidadão, o amigo, o homem que via beleza em cada gesto.

A exposição não se esgota na saudade. É uma herança viva, que inspira as novas gerações. Veja-se o exemplo, integrado na mostra, do programa MEMORAR, onde os estudantes de Design do IPCA e da Escola Francisco Sanches reinterpretaram a sua obra, atribuindo-lhe o frescor e a curiosidade do olhar juvenil.

                                                                        Ana Maria Macedo


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