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A cidade de Braga celebra este ano o centenário do nascimento de José Veiga (1925-2002), artista que, ao longo de uma vida inteira, soube captar como poucos a alma da cidade - os seus lugares, as suas festas, as suas gentes e os seus símbolos. A exposição – na Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva – “José Veiga, o desenhador da alma de Braga”, integrada no programa Braga – Capital Portuguesa da Cultura 2025, convida-nos a percorrer, passo a passo, a história de um homem que desenhou o rosto e a memória da sua terra.
Organizada pelo Arquivo Municipal de Braga (AMB) / Divisão da Cultura e pela Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva (BLCS), esta mostra é o primeiro grande tributo ao artista que fez da simplicidade uma estética e da sensibilidade uma forma de compromisso. O itinerário expositivo é também uma viagem interior: começa na vida pessoal e familiar de Veiga – nascido na freguesia da Sé, no seio de uma família da pequena burguesia comercial – e estende-se à descoberta de uma Braga que se transformava lentamente, ainda marcada pelos ritmos rurais e pelas convenções do Estado Novo.
O traço e a cidade
O diálogo entre o artista e a cidade é um dos eixos centrais da exposição.
Com um olhar atento às ruas, aos ofícios e às figuras típicas, retratou a cidade com humor, ironia e ternura. Braga foi o seu grande ateliê e o seu tema maior – a cidade que o inspirava e a cidade que ele reinventava – resgatando patrimónios desaparecidos e dando nova vida ao que o tempo parecia ter apagado.
Mas Veiga não se limitou ao desenho em papel. O seu talento expandiu-se para o espaço público e para a celebração coletiva. Nos arcos e iluminações do São João, nas ornamentações da Semana Santa, nas armações minuciosas que davam corpo à alegria popular, a sua imaginação transformava-se em cenografia. Era um desenhador que pensava em grande escala, um verdadeiro arquiteto da festa. Entre o traço delicado e a monumentalidade das estruturas urbanas, José Veiga construiu uma ponte entre o íntimo e o comunitário, entre o detalhe e o esplendor público.
O humor e o olhar cívico
O artista bracarense era também um observador arguto do seu tempo. Através da caricatura e do cartoon, expressava uma consciência crítica que o tornava cúmplice e, por vezes, irreverente. Criou personagens que ficaram na memória - como “O Braguinha”, alter-ego de ironia e ternura, ou o narigudo “Repórter Cê”, que acompanhava com sarcasmo o quotidiano da cidade.
Essas figuras espelham o lado cívico de um criador atento às transformações sociais e políticas, que via na arte uma forma de diálogo e de liberdade.
Nos seus desenhos e caricaturas, há sempre uma profunda empatia com o humano e uma ironia subtil ou mordaz, sobretudo quando abordava temas como o clero, a política ou o futebol, expondo a fragilidade e a humanidade das figuras do poder.
Entre dois mundos
A obra de Veiga é também o espelho de uma transição. Formado sob o regime estético do Estado Novo, herdeiro do nacionalismo disciplinador de António Ferro, o artista transportou essa linguagem para uma época de mudança. O 25 de Abril trouxe-lhe o impulso da liberdade e novas formas de expressão. Nos anos seguintes, o seu desenho tornou-se mais experimental, por vezes burlesco, quase grotesco – como nas célebres caixas de fósforos – onde o humor popular se encontra com a crítica social. A ruralidade de uma Braga antiga convivia, então, com os ventos modernos de uma cidade em transformação. José Veiga soube, como poucos, captar esse instante de passagem: o momento em que a tradição se abre ao futuro sem perder o enraizamento.
O homem e o cidadão
Mais do que um artista, Veiga foi um homem de convicções. Participou ativamente na vida cívica e cultural da cidade, foi membro da ASPA e envolveu-se nos movimentos políticos do pós-Revolução, nomeadamente no PCTP/MRPP. O seu trabalho nunca se afastou das pessoas. Dava-se com todos. Desenhava para comunicar, para construir memória, para afirmar uma identidade comum.
Memória e legado
Ao longo da investigação, emergiram histórias, objetos e testemunhos de quem com ele partilhou o ofício e a vida – colegas de ateliê, fotógrafos, tipógrafos, companheiros das festas e do quotidiano. Entre memórias dispersas, este projeto evidenciou também a necessidade premente de reunir um espólio ainda disperso, devolvendo unidade ao legado de José Veiga. Desse mosaico de memórias nasce um retrato plural de José Veiga: o criador, o cidadão, o amigo, o homem que via beleza em cada gesto.
A exposição não se esgota na saudade. É uma herança viva, que inspira as novas gerações. Veja-se o exemplo, integrado na mostra, do programa MEMORAR, onde os estudantes de Design do IPCA e da Escola Francisco Sanches reinterpretaram a sua obra, atribuindo-lhe o frescor e a curiosidade do olhar juvenil.
Ana Maria Macedo
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