A história do Salão Recreativo Bracarense/S. Geraldo
merece um estudo aprofundado. Só assim conheceremos o pulsar desta casa de
espetáculos que, como refere Miguel Bandeira, citando Luís Soares Carneiro, seguiu
a evolução funcional deste tipo de edifícios: “transformação dos
Teatros-Circos, em Teatros-Teatros, em Teatros-Cinemas, em Cine-Teatros e,
depois, finalmente, apenas em Cinemas.”
Foi já apenas com função de cinema que conheci a enorme
sala do S. Geraldo em final dos anos 80. Habituado às salas pequenas do centro
Avenida (BragaShopping), era um fascínio e um enorme privilégio frequentar uma
sala do tempo dos meus avós!
A história deste edifício tinha-se iniciado 80 anos
antes. Com a entrega à Câmara Municipal, em 1907, do extinto Convento dos Remédios,
procedeu-se à reconfiguração urbana do quarteirão. Uma parte do Convento deu
origem a novos espaços públicos - topo da Av. Liberdade, rua Gonçalo Sampaio,
alargamento do Largo Carlos Amarante -, ao mesmo tempo que o miolo do Convento
foi dividido em sete lotes. Porém, ainda hoje o limite norte do Convento é
percetível nas fotos aéreas e, no subsolo, conservam-se alicerces do edifício
religioso.
Dois anos depois, o padre Manuel Ribeiro Braga adquire em
hasta pública um dos lotes. Desconhece-se se a intenção era já a de construir
um teatro. O que é certo é que, em Agosto de 1916, a Câmara aprova o projeto de
Bernardo José de Lima. Em Setembro do ano seguinte, Ribeiro Braga vende o lote
à sociedade «Salão Recreativo Bracarense» representada por ele (tesoureiro),
António Junqueira (presidente) e Manuel Pereira Vasconcelos (secretário). A
sociedade manter-se-á proprietária do edifício até 2007.
Em 1924 a nova casa de espetáculos estava em
funcionamento. A sala principal dispunha de plateia, frisas, galerias e, no 1º
piso, camarotes e balcão. O palco possuía fosso de orquestra e a sua altura
permitia que os cenários e pano subissem a direito. Realizam-se conferências,
recitais, exposições, sessões cinematográficas, banquetes, bailes,
festas, etc. Nesta altura as fitas eram mudas e por isso acompanhadas
musicalmente por quartetos residentes. Foi palco também de operetas, revistas e
variedades levadas à cena por amadores, designadamente a Sociedade Dramática Bracarense
(direção de José Mesquita de Araújo) e, após 1937, os Amadores Bracarenses
Reunidos (direção de José Salreta).
Foi sofrendo obras de adaptação e em 1949 foi apresentado
um grande projeto de modernização de Raul Subtil. Apesar de manter a referência
Salão Recreativo, é com a designação comercial de S. Geraldo que reabre em
Junho de 1950, já com o icónico anúncio em neón no topo da fachada. O nome terá
sido escolhido por referência ao demolido Teatro S. Geraldo (1861-1920,
existente em frente à Arcada, e com o qual é frequentemente confundido).
A sala renovada manteve o palco antigo, alargando a boca
de cena de 8 para 12 metros (igual à do Theatro Circo) e passou a dispor de um
único balcão. No resto do edifício, as divisões interiores foram alteradas e a
decoração e equipamentos modernizados. A lotação da sala aumenta e a exploração
passa a ser feita pela Victoria Cine, Lda. O acentuar da vocação
cinematográfica não impediu a utilização para outro tipo de atividades,
incluindo teatro, revistas, sessões infantis, concertos, récitas, encontros,
festivais e, já depois do 25 de Abril, comícios políticos.
Nos anos 70 a entrada e as bilheteiras são alteradas e em
1983-85 o edifício perde o lado sul, com a construção do Pé Alado. Em Dezembro
de 1990 é exibido o último filme pela Victoria Cine. Em 1994-95 a sala volta a
funcionar, substituindo durante alguns meses os cinemas Avenida destruídos num
incêndio.
O edifício do S. Geraldo constitui um interessante legado
do séc. XX bracarense que devemos conseguir preservar para as gerações futuras.
O caráter único do teatro, a sua antiguidade, o bom estado estrutural e as
memórias de tantos bracarenses impõem a todos a obrigação de lhe encontrar,
quanto antes, uma terceira vida cultural!
Luís Tarroso Gomes