INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

ENTRE ASPAS: "Divulgar Bracara Augusta/Braga"

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A Arqueologia é uma disciplina científica que se desdobra em inúmeras especialidades. Neste amplo quadro a Arqueologia Urbana é uma das áreas de investigação mais complexa, designadamente porque se realiza em cidades vivas, com tempos sobrepostos, incluindo o presente, pelo que implica uma íntima relação com a cidade. De outro modo, os resultados das intervenções ficam cingidos ao espaço restrito da divulgação científica, criando-se um fosso indesejável entre o passado e o presente.

As circunstâncias em que nasceu, em Braga, o primeiro salvamento de Arqueologia Urbana, iniciado em Portugal, constituem um marco. Em recente dissertação de doutoramento, aprovada na Faculdade de Letras de Lisboa, lê-se:

“O salvamento de Bracara Augusta foi a primeira grande experiência de salvamento de carácter institucional desenvolvida em Portugal (Silva, 2002a, p. 307). O movimento nasceu em contexto associativo em 1973, mas rapidamente foi integrado numa estrutura da administração central (Alves, 2019, p. 8-9), o Campo Arqueológico de Braga. Esta experiência constituiu um laboratório de experimentação para diversas soluções institucionais para a Arqueologia portuguesa, uma vez que ao Campo Arqueológico de Braga sucederam a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (Martins, 1989, p. 170), o SRAZ Norte (o primeiro a ser criado no IPPC), o Museu de D. Diogo de Sousa (Silva, 2002a, p. 314) e o serviço municipal de Arqueologia de Braga. Assim, em consequência deste projecto de salvamento, a cidade de Braga tornou-se, no final dos anos 70 e início dos 80, um dos mais importantes polos da Arqueologia portuguesa (Alves, 2019, p. 17)” (Jacinta Bugalhão in A Arqueologia em Portugal entre o final do século XX e o início do século XXI (1970 – 2014), Volume 1, p. 537).”

Na dissertação, a autora cita assiduamente o projecto de Bracara Augusta, e numerosa bibliografia, incluindo artigos publicados na revista Fórum, editada pelo Conselho Cultural da Universidade do Minho (UM) ou na Mínia, editada pela ASPA.

O estudo das ruínas da urbe fundada por Paulo Fábio Máximo, em nome do Imperador Augusto, teve continuidade até ao presente. Estendeu-se, também, no tempo, no estudo do modo como da matriz romana se evoluiu para a cidade medieval.

Assim, ao longo de quase 50 anos, publicaram-se inúmeros textos científicos, em congressos, em revistas portuguesas e estrangeiras. Todos acessíveis no RepositoriUM (Universidade do Minho), ou em browsers científicos internacionais.

Porém, a verdade, é que este volume impressionante de informação, formado por centenas de trabalhos, não tem impacto na cidade, não é conhecida pelo público que a habita.

Na fase inicial do Projecto, estabeleceu-se uma relação com a cidade, através da Imprensa, da ASPA e da Biblioteca Pública de Braga. As sucessivas descobertas eram divulgadas em conferências que se realizavam no Museu Nogueira da Silva. O público que assistia a estas sessões era variado. Havia, porém, uma pessoa que raramente faltava: o Professor Lúcio Craveiro da Silva. O registo de todas estas conferências está disponível na revista Fórum, na secção dedicada às actividades promovidas pelo Conselho Cultural (UM), ao cuidado de Henrique Barreto Nunes. O conteúdo das mesmas também era divulgado quase sempre na citada revista, disponível “online”.

Ao tempo ainda não se tinham generalizado as redes sociais.

Porém, no contexto presente, em que os meios de comunicação se diversificaram com a Internet, perdeu-se a salutar práctica de divulgar as novas descobertas. Quebrou-se um elo importante entre a Arqueologia e a Cidade.

Talvez reconhecendo esse problema, a Unidade de Arqueologia da UM (UAUM) ainda chegou a editar boletins semestrais, que se ficaram por escassos três números.

Mas, em bom rigor, não cumpre à Unidade de Arqueologia a difusão extensiva do conhecimento adquirido, mas tão somente o da vertente científica. Assim preconizamos que volte a editar o boletim digital “online”, e abra uma página no Facebook e no Instragam, com o registo, mesmo sintético, dos trabalhos de campo e dos projectos em curso. E, quando ocorrem descobertas de maior relevo, conferências específicas como a que se realizou sobre achados na Rua da Senhora do Leite.

A divulgação na cidade compete também a duas entidades: o Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Braga e o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa (este no domínio das colecções do seu acervo). O GA da CMB, tendo acesso a toda a informação produzida, deve estar na primeira linha da divulgação. Ora o Gabinete de Arqueologia não está a atuar como primeiro interlocutor com a cidade. Porquê? Quem o tutela, ou seja o Presidente da autarquia, poderá responder. Talvez seja necessário definir uma nova estratégia e reforçar a referida entidade camarária com mais arqueólogas (os).

Lisboa, onde a Arqueologia Urbana se estruturou muito depois, é um exemplo a seguir. De facto, o Centro de Arqueologia da Câmara Municipal de Lisboa (abreviatura CAL) tem linhas de divulgação, a vários níveis. A científica, indispensável, organizando colóquios específicos. Mas também dá a conhecer os resultados em instâncias associativas, como a Associação dos Arqueólogos Portugueses ou a Sociedade de Arqueologia de Lisboa. Mas são as acções de divulgação dos resultados a nível do bairro que mais entrelaçam a sua actividade com a população. Sempre que, numa determinada área da cidade, se efectua uma intervenção, seja de emergência seja no quadro de um projecto de requalificação urbana, o CAL apresenta os resultados no bairro em que se interveio (a actividade do CAL é difundida no Facebook onde tem página própria).

O caminho está, pois, claramente definido. Basta a vontade da Presidência da CMB, e da Unidade de Arqueologia da UM, para o concretizar.

                                                                                   Francisco Sande Lemos

                                                                                   (Arqueólogo)

Imagens: sessão sobre Bracara Augusta, com Francisco Sande Lemos, no Museu Nogueira da Silva. Arquivo HBN.

 

sábado, 18 de maio de 2024

NA SUBLIMAÇÃO DO TEMPO. Uma oportunidade para conhecer os Arquivos Fotográficos "Manoel Carneiro" e Arcelino" (Séc. XIX e XX)

NA SUBLIMAÇÃO NO TEMPO

Esta Exposição, iniciativa do Museu Nogueira da Silva, partilha imagens dos Arquivos Fotográficos "Manoel Carneiro" e "Arcelino", que permitem conhecer a imagem urbana de Braga desde finais do séc. XIX a meados do séc. XX. 
A Exposição é inaugurada a 25 de maio e poderá ser visitada até 31 de agosto. A iniciativa inclui Palestras e Oficinas. Informação sobre os Arquivos "Manoel Carneiro" e "Arcelino"...


segunda-feira, 6 de maio de 2024

TERTÚLIA: "AS INVASORAS NAS SETE FONTES"

A Semana sobre espécies Invasoras está de volta a Portugal&Espanha em 2024 (#SEI2024)!
Junte-se à ASPA, no dia 9 de maio (quinta-feira), para conversar com biólogos sobre as Plantas Invasoras que ocuparam a envolvente do Complexo das Sete Fontes.
16h00 - Complexo das Sete Fontes (junto à Mina do Dr Alvim). Para identificar e fotografar  espécies invasoras.

18h00 - na Biblioteca Lúcio Craveiro (Sala do Arco). Tertúlia com ...

Agradecemos que os/as interessados/as se inscrevam através do formulário https://forms.gle/WiXPSecm1LrkHXSQA 
                                                                                                     
"ENTRE ASPAS" sobre espécies invasoras:
Várias informações sobre o assunto...

ENTRE ASPAS: "HOTEL PLAZA CENTRAL. O impacto na frente de rua já é visível. O Recolhimento das Convertidas terá sido respeitado?"

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As imagens que ilustram este texto comprovam a apreensão da ASPA, desde 2019, no que diz respeito ao impacto visual do Hotel Plaza Central, unidade hoteleira de volumetria excessiva, com cinco pisos acima da cota de soleira, parque de estacionamento subterrâneo e massiva ocupação do interior do quarteirão, contíguo ao Recolhimento das Convertidas - Monumento de Interesse Público – que causou, de facto, a alteração da frente de rua, na Avenida Central.

Relembramos que a Zona de Proteção Especial (ZEP) do Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas, definida pela Portaria nº 665/2012, de 7 de novembro, “tem em consideração a sua implantação numa área da cidade perfeitamente consolidada, onde outros edifícios com interesse arquitetónico contribuem para a valorização do imóvel e a sua fixação visa salvaguardar alguns dos imóveis da frente urbana da Avenida Central, bem como toda a Rua de São Gonçalo que, por ser bastante estreita, estabelece uma relação direta com o imóvel.” 

Aliás, no parecer da tutela do património, datado de 2011, já é referido “O edifício em causa encontra-se inserido numa área da cidade de Braga perfeitamente consolidada, que faz parte integrante de uma frente contínua que limita a Avenida Central de Braga, onde existem outros edifícios com interesse arquitectónico, com importância e dimensão variável, mas que constituem um enquadramento que contribui para a valorização do imóvel. Nomeadamente, a grandiosa casa contígua ao Recolhimento que embora se encontre em mau estado de conservação não deixa de ser um edifício notável que carece de intervenção cuidada”.

 

Esperava-se, portanto, que, desde 2019, a DRCN e a Câmara Municipal de Braga respeitassem o monumento e a respetiva Zona Especial de Proteção (ZEP). Esperava-se, também, que o parecer negativo do vereador do Património (em 2019/2021) motivasse, pelo menos, a reflexão do Executivo Municipal, centrada no valor patrimonial da área do projeto, nomeadamente o impacto da construção deste hotel no monumento, o impacto no interior do quarteirão e, ainda, na frente urbana da Avenida Central.

Em 2022, a DRCN verificou que foram demolidas estruturas para além das que tinham sido previstas no projeto submetido a parecer da tutela do património, nomeadamente:

  •  partes da préexistência que deviam ter sido preservadas: a fachada lateral e posterior, paredes interiores, escadaria principal e corpo de ligação entre o edifício e a Igreja das Convertidas.”
  •  estrutura em madeira nas coberturas da casa preexistente” (casa do séc. XVIII).

Em julho desse ano a DRCN solicitou à CMB a suspensão das obras e, em setembro, solicitou o embargo da obra “considerando a gravidade do exposto e tendo presente, inclusive, a escala e visibilidade da obra”.

 

Ao que parece, a obra avançou apesar da demolição das pré-existências atrás indicadas, que era suposto manter (só restando a fachada do edifício do séc. XVIII). Os blocos de granito que existiam nessa parte do interior do quarteirão foram rebentados e retirados. Os edifícios novos foram construídos a poucos metros do monumento (na ZEP do Recolhimento das Convertidas). Aliás, a atual frente urbana (protegida pela ZEP) mostra os novos edifícios construídos por trás da fachada do edifício do séc. XVIII.

   

Todo este processo é de tal modo intrincado, desde o início, que suscita dúvidas.

Preocupa-nos muito que, nas peças desenhadas do projeto aprovado pelo executivo municipal, fosse indicada uma “possível ligação”, lateral, pela Rua de S. Gonçalo, para o interior do quarteirão, em zona abrangida pelo monumento. Será que a tutela do património analisou com o devido cuidado este pormenor?

 

Será normal a DRCN aprovar um projeto que contraria o definido na Portaria que estabelece a ZEP do monumento?

Será normal um executivo municipal autorizar um PIP, apesar do parecer negativo do vereador do Património?

É importante não esquecer que é a tutela do património que procede à instrução do processo de classificação que fundamenta a classificação e define a respetiva ZEP, ambos publicados em Diário da República.

 

Estas são algumas das muitas interrogações em suspenso e que persistem, mesmo depois de inúmeros pedidos de esclarecimento junto da DGPC, da DRCN e da Câmara Municipal de Braga. Aliás, parte dos e-mails enviados pela ASPA não tiveram resposta.

 

Se dúvidas houvesse, quanto ao impacto da construção desta unidade hoteleira de grande envergadura, contígua a um monumento e na sua ZEP, basta um olhar atento à frente de rua, na Avenida Central, para perceber que o primeiro novo corpo do Hotel Plaza Central se ergue para além da cércea do Monumento classificado e contrasta - tamanho, volumetria e modernidade - com o monumento, respetiva Capela e frente de rua.

 

Ou seja, as preocupações transmitidas pela ASPA tinham fundamento. Estava em causa a integridade do monumento e a respetiva proteção, quer na imagem urbana, quer a nível urbanístico.

 

Com o tempo se irá verificar o impacto deste hotel a outros níveis, designadamente a amplitude da ocupação da zona verde e a impermeabilização do quarteirão.  Aparentemente, em contraciclo com os esforços que é suposto desenvolver para adaptação às alterações climáticas, apesar de Braga ter assumido compromissos exigentes no que diz respeito a neutralidade carbónica.


Até que ponto o município de Braga considera, na prática, os apelos do Secretário Geral das Nações Unidas, o Engº António Guteres, em relação à crise climática que o Planeta Terra enfrenta?

                                                                                                                                                           

"Entre Aspas" sobre este assunto (desde 2019):