INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

ENTRE ASPAS "Lavadouros públicos - Espaços de memória do urbano e do rural"


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Os lavadouros, fontanários e tanques de rega estão intrinsecamente ligados ao uso quotidiano da água e ao encontro de várias gerações, sobretudo antes da sua distribuição ao domicílio. Desde finais do séc. XIX / princípios do séc. XX eram utilizados pela população, substituindo os rios, onde as mulheres iam lavar a roupa. Em Portugal como na generalidade dos países do sul da Europa.

O filme “A Aldeia da Roupa Branca” (1939), com a famosa Beatriz Costa, conta-nos o dia-a-dia e a vida das lavadeiras da periferia de Lisboa, fazendo-nos entrar abertamente no domínio da vida popular, dos seus costumes, saberes e formas de estar…

A água surge-nos como elemento marcadamente feminino: lavar, cozinhar e cuidar. Ir à procura das mulheres é ir à procura dos espaços públicos do seu quotidiano como os lavadouros e fontanários. São lugares de trabalho, mas também locais que as libertam do fechado espaço doméstico e familiar, onde interagem com outras mulheres da vizinhança, permitindo-lhes a sociabilidade que a taberna e, mais tarde, os cafés reservavam aos homens. São os seus locais de permanência no espaço exterior, de socialização, que utilizam para trocar opiniões, discutir, pedir conselhos ou escutar e alimentar os falatórios da sua comunidade. Não sendo bem-vindas nos cafés nem as ruas feitas para a sua permanência, as mulheres das classes populares, tendo de sustentar as necessidades das crianças e da sua família, fazem também funcionar a cidade nos locais que lhes são atribuídos.

Limitadas no exercício dos seus direitos cívicos, era no espaço ambivalente do trabalho doméstico e da sociabilidade feminina que se modelava socialmente a vida das pessoas, com verdades e mentiras, inúmeras vezes como se de tribunais populares se tratasse, apesar da ausência do réu…

Sendo uma representação física da desigualdade entre homens e mulheres no espaço público, os lavadouros eram uma presença marcante da vida da comunidade e uma manifestação do funcionamento das suas dinâmicas sociais. São cenários de esforço físico, mas também de reprodução da maternidade, permitindo a guarda de crianças e a sociabilização.

Se, inicialmente, as lavadeiras iam lavar nos rios ou nas bacias de água alimentadas por fontes, em condições pouco confortáveis e higiénicas, com o passar do tempo foram-se estabelecendo regulamentos e construídos lavadouros públicos com melhores condições, alguns com cobertura, proteções contra o vento ou mesmo recintos individualizados no espaço comum. Trata-se de uma consciência coletiva que se foi afirmando e reivindicando, nomeadamente na imprensa local, e à qual os municípios tiveram de responder.

 

O bacilo da tuberculose tornou-se um motor de preocupações de que nos dá eco a imprensa local a partir dos primórdios do séc. XX. As páginas dos jornais enchem-se de queixas quanto ao abastecimento de água, à falta de esgotos e aos cheiros fétidos que provinham das fossas fixas.

A partir da segunda metade do séc. XX, estes lugares de higiene pública e convivência comunitária começam a diminuir, mas a lavagem da roupa à mão continua a ser uma prática ao longo do século. Os bairros sociais, dos anos 50 e 60, incentivam o papel da mulher tradicional e das suas práticas. Constroem-se lavadouros e secadouros nestes bairros, que continuam a ser os lugares privilegiados de sociabilização das mulheres. Mesmo com a revolução do 25 de abril de 1974, que trouxe uma transformação radical aos direitos das mulheres e da sociedade portuguesa em geral, o abandono dos lavadouros de uso público e dos tanques no espaço doméstico foi lento e progressivo. Situações de crise como a que se viveu em 2008, em que se tornou necessário poupar água e luz, vieram-nos recordar que a todo o momento poderemos voltar a retomar estas práticas e estes equipamentos.

A criação de lavandarias automáticas, sobretudo para estudantes, hotéis, turistas e habitantes, é recente. Os lavadouros públicos e os tanques domésticos foram dando lugar às máquinas de lavar, primeiro unifamiliares, depois coletivas e automáticas. Mas, ainda assim, os novos espaços vão-se tornando igualmente locais de reencontro e, de alguma forma, trazem de novo o trabalho doméstico para o espaço público. Agora como espaços mistos, já sem a divisão do trabalho pelo género, ao contrário dos lavadouros públicos onde a presença masculina podia existir, mas apenas de modo excepcional. Como aquela memória contada num lavadouro do nosso concelho, de um viúvo que ia também lavar a sua roupa, pondo a gravata por cima do ombro para não a molhar…

 

Os lavadouros públicos, hoje maioritariamente abandonados, são locais do nosso património cultural que remetem a vínculos e à memória popular das mulheres e das crianças que as acompanhavam. São espaços de outro tempo económico, testemunhos de vivências que já não existem, mas que estão presentes nas memórias e nos afetos que constituem a verdadeira alma desses lugares. São documentos de uma história maioritariamente oral, que tendem a desaparecer com o crescimento das cidades, o turismo e as pessoas mais idosas. Por isso importa falar com elas e compreender as suas memórias, dar valor a estes espaços comunitários que tendem a ser esquecidos.

A preservação das memórias dos lavadouros públicos representa um novo modo de qualificar a transformação urbana, apelando à recuperação dos valores que lhes estão ligados. Podem aí realizar-se performances artísticas, pela ligação dos lavadouros às artes e à comunidade, como as fotos o demonstram. A sua recuperação tem de ser bem pensada, e está a sê-lo com acção da empresa de águas AGERE, das juntas de freguesia e de outros organismos públicos. Saliente-se a inventariação e estudo promovido e coordenado pela Fundação Bracara Augusta, em colaboração com a Univ. do Minho. Urge conservar estes espaços que valorizam a presença da água, dando-lhes novos usos, com programas públicos que envolvam jardins-de-infância, escolas ou lares seniores. Há todo um trabalho à volta destes espaços, como modo de registar e arquivar os testemunhos, frágeis, em vias de desaparecimento, mas que são essenciais para compreender a construção e a evolução da cidade, nas suas componentes materiais e imateriais. Mais não bastasse, é uma forma de trazer à luz a presença esquecida das mulheres no espaço público e a sua contribuição na vida urbana.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

ENTRE ASPAS "RECOLHIMENTO DAS CONVERTIDAS. Um imperativo de consciência pela defesa do património cultural"

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Em março de 2019, como elemento do Conselho Estratégico para a Regeneração Urbana de Braga (CERPUB), a ASPA manifestou-se negativamente no que diz respeito à solução arquitetónica e urbanística constante do Pedido de Informação Previa (PIP) do Hotel Plaza Central, designação inicial do hotel. Enviou as razões da decisão ao senhor Presidente da Câmara Municipal de Braga, e partilhou através de um “entre aspas”, publicado a 29 de abril de 2019. Foram várias as tomadas de posição e “entre aspas”, de 2019 a 2024, sob o ponto de vista patrimonial e ambiental.


Era uma vez uma cidade que vai ser capital portuguesa da cultura (2025) e que é candidata a capital verde europeia (2026). Que tem um monumento barroco, da primeira metade do século XVIII - Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas - na sua praça mais central, classificado de interesse público.

Nesta cidade, conhecida por “Capital do Barroco”, assistimos à construção de uma unidade hoteleira de volumetria desproporcionada e pastiche, contigua ao monumento, a poucos metros da sua Cerca e em plena Zona Especial de Proteção. ZEP que, segundo a Portaria nº 665/2012, de 7 de novembro, “tem em consideração a sua implantação numa área da cidade perfeitamente consolidada, onde outros edifícios com interesse arquitetónico contribuem para a valorização do imóvel e a sua fixação visa salvaguardar alguns dos imóveis da frente urbana da Avenida Central, bem como toda a Rua de São Gonçalo que, por ser bastante estreita, estabelece uma relação direta com o imóvel.”.

 

Que exemplaridade pode esta cidade dar aos seus jovens, às entidades avaliadoras europeias do património e ambiente, e à cidadania, com uma obra paredes meias com um monumento protegido e que motivou pedido de embargo da DRCN (junto da CMB)? Obra que impermeabilizou parte deste quarteirão urbano e irá aumentar a concentração de trânsito no centro histórico, apesar de a cidade se ter comprometido a reduzir as emissões de CO2 em 55%, até 2030!

 

Onde está o jardim interior que constitui área de cedência pública ao Município mas, para o qual, não existe acesso desde início? Será que o único objetivo é a intenção de desmembrar a Cerca do Recolhimento para dar servidão à logística do hotel, através da rua de S. Gonçalo, com apropriação de património cultural público?! Essa intenção não nos passou despercebida no projeto inicial, que também anunciava 110 quartos e 35 lugares de garagem, entre outros espaços habituais numa unidade hoteleira desta dimensão.

Depois do erro urbanístico consumado, será que o edificador tem em vista tornar-se num generoso mecenas, prontificando-se a fazer aquilo que as entidades públicas não foram capazes de fazer até agora? Desejará o monumento, ou parte dele, para tornar mais “in” a oferta hoteleira que edificou com entrada junto à Capela do monumento?! Isso seria mais um atentado ao património de todos os bracarenses, uma feia reescrita da história em pretender apagar a memória da condição feminina e a luta dura das mulheres pela sua dignidade e emancipação!

 

O Recolhimento revela deterioração, visível do exterior, o que obrigou à caridade dos hoteleiros meeiros em caiar uma parede para a fotografia da cerimónia da inauguração. Esqueceram a outra parede?!

Perturba, porque recorda a pobreza de que ainda há memória, a miséria feminina desprotegida, mas sobretudo, a exploração da mulher aos níveis mais baixos que a história nos testemunha. As Convertidas são uma memória viva e continuada de um passado que não pode ser mitigado ou esquecido. De facto, a pobreza recorda-nos a população mais desprotegida, nomeadamente doentes, crianças e mulheres carenciadas; não casa bem com a hotelaria, pois sabemos que a magia dos hotéis é fazer-nos sentir ricos e bem tratados.

 

Quem habita esta cidade saberá que o valor do Recolhimento das Convertidas, a Capela de São Gonçalo e a Cerca e os seus altos muros valem por todo o seu conjunto? Uma integralidade à qual deve ser adicionada a intangibilidade da memória constituída pela sua função contínua de cerca de 300 anos! Importa lembrar que este conjunto é uma pérola do barroco conventual, único em Portugal e, por isso mesmo, o Estado Português lhe atribuiu a classificação de Monumento de Interesse Público.

Os corredores estreitos e as celas exíguas, bem como o coro-alto, separado por crivaria, onde as mulheres assistiam à missa que decorria na Capela de São Gonçalo, sem serem vistas, permite-nos construir um imaginário de vivências dessas mulheres, desde o início do séc. XVIII, que estavam afastadas da vida urbana que rolava fora de muros. O seu quotidiano, bem como o isolamento a que estavam sujeitas, e o modo como ocupavam a sequência de dias e noites, têm sido motivo de estudo por académicos e artistas.  Toda uma atmosfera frágil que gera um ambiente único, mesmo a nível europeu, permitindo aos visitantes viajar no tempo, sentirem-se privilegiados por poder desfrutar, também, desse património imaterial, que nenhuma simulação, multimédia, ou artificialidade hoteleira é capaz de substituir.

O termo “Convertidas” está, pois, associado a sofrimento, tristeza e isolamento!

 

Desafiamos cada bracarense a chegar às suas próprias conclusões.

Neste momento será possível afirmar que a ZEP foi respeitada?

Será possível afirmar que foi respeitada a segurança, integridade e monumentalidade, bem como a cércea do Recolhimento das Convertidas?

A Capela de São Gonçalo encontra-se segura? Então, porque motivo ainda não são permitidas as visitas?

 

Lembramos que compete ao atual Executivo Municipal e ao Património Cultural, I.P., respeitar a classificação desta pérola do barroco conventual.

 

A defesa do Recolhimento das Convertidas, da Capela de São Gonçalo e da Cerca de muros altos que protege este conjunto com distinção de âmbito nacional, é um sonho de muitos bracarenses. O monumento é património dos bracarenses e de Portugal, constituindo um genuíno repositório da história da exploração da mulher, pelo que deve ser preservado pela sua memória material e imaterial para resgate às futuras gerações.

Salvemos o nosso património!



segunda-feira, 17 de junho de 2024

ENTRE ASPAS "PROJETO ESCOLA PATRIMÓNIO: Vivências que proporcionam descobertas, conduzem a aprendizagens e criam memórias agradáveis"

Agradecemos a colaboração das professoras envolvidas nesta fase do projeto, tanto da parte do Colégio D. Pedro V como da parte das escolas públicas. No que diz respeito ao Colégio D. Pedro V, as iniciativas foram realizadas de acordo com a planificação do colégio. No que diz respeito às escolas públicas, implicou auscultação das professoras de cada ano de escolaridade, face às propostas apresentadas, no sentido de adequar as planificações, guiões, fichas e materiais, em função do currículo. 

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A presença de crianças com colete amarelo, no Santuário do Bom Jesus do Monte, é uma evidência do potencial educativo deste espaço classificado pela UNESCO como Património Cultural da Humanidade. 

O projeto ESCOLA PATRIMÓNIO - promovido pela Fundação Bracara Augusta e tendo como parceiros a ASPA, a Confraria do Bom Jesus e o Colégio D. Pedro V, e que conta com o apoio da AOF e da Câmara Municipal de Braga - assume o potencial do território, na vertente cultural e ambiental, que constitui o ponto de partida para a realização de atividades de educação patrimonial e ambiental, com vista à formação cidadã nestas duas áreas e em contexto local.

O projeto iniciou com alunos do Colégio D. Pedro V e, pouco tempo depois, foi ampliado a escolas públicas, de 1º e 2º ciclo, desde que a Câmara Municipal de Braga reconheceu o seu potencial educativo. 

Estas crianças realizaram tarefas variadas, trabalhadas numa perspetiva interdisciplinar, tendo em vista a promoção de aprendizagens (conhecimentos, capacidades e atitudes) previstas no currículo de cada ano de escolaridade, de acordo com a planificação, guiões e fichas produzidos pela ASPA.

 

Os instrumentos de observação entusiasmaram a maior parte das crianças, em especial os binóculos, que permitiram identificar formas de relevo e ameaças à paisagem, bem como a lupa binocular, que permitiu a descoberta de peças florais e de soros no feto, de partes do corpo de insetos, de raízes, folhas e cascas de árvores. Por vezes a surpresa era acompanhada por gritos, e expressões que revelavam espanto (UI!!! AI!!! UAU!!!!), como por exemplo quando a lupa desvendou os olhos, patas e asas de uma aranha, grãos de pólen e soros de um feto. Também observaram areias, comparando com o granito que lhes deu origem e que os pedreiros tão bem souberam transformar no monumento que, aos poucos, estão a descobrir. Estes são materiais que as crianças já não dispensam, pois permite-lhes descobrir pormenores que, de outro modo, não tinham possibilidade de conhecer. Permitem observações científicas que facilitam a curiosidade em relação à natureza e estimulam o pensamento crítico e a criatividade.

A estátua de São Longuinhos motivou a descoberta desta lenda, associada às festas de S. João. O coreto foi espaço de aula de música e de matemática (cálculo de perímetro, polígonos e poliedros); os degraus do Escadório, o suporte para o cálculo de áreas; os lagos, espaço para descoberta do ciclo de vida de patos e rãs; o Escadório dos Cinco Sentidos uma oportunidade para a descoberta da arquitetura barroca mas, também da origem da água que circula no Bom Jesus e da rocha a partir da qual foi construído o Santuário. A presença de tantos turistas proporcionou momentos de entrevistas em inglês, realizadas com muito entusiasmo pelas crianças de 5º ano.

 

Esta etapa, de final da primavera, permitiu constatar diferenças em relação ao inverno, tanto ao nível da fauna como da flora. Diferenças nas árvores, agora todas com folhas de cores, formas e tamanho variado, e também ao nível da morfologia dos animais e respetivos ciclos de vida, o que facilitou a compreensão do conceito de diversidade aplicado à natureza (variedade e quantidade de organismos) e a importância do alimento e abrigo que encontram neste espaço.

O chilrear das aves que se escondem entre as folhas das árvores e arbustos, bem como o coaxar das rãs, ou o movimento dos peixes, dos patos e das tartarugas nos lagos são evidências da diversidade animal que tem habitat no Bom Jesus do Monte e que captaram a atenção destas crianças.

 

A Proteção da Vida Terrestre (fauna, flora nativa e seus habitats) e a Valorização do Território (Património, Ambiente e Paisagem), são vertentes fundamentais deste projeto. As rochas, o ar e o solo, a água, as rochas, a biodiversidade e o risco das espécies invasoras, o ruído, os elementos da paisagem, a música, as lendas e o monumento barroco, são temáticas alvo dos guiões de atividades que constituem o suporte para a educação-ação no Bom Jesus do Monte. Para além de André Soares (séc. XVIII) e Carlos Amarante (séc. XVIII/XIX), bem presentes no Bom Jesus, descobriram ainda dois outros arquitetos que deixaram obra no Santuário: Ernesto Korrodi (séc. XIX e XX) e Raul Lino (séc. XX). Ficou o desafio para a descoberta, na cidade, de edifícios desenhados por estes arquitetos.

 

Observar, medir, comparar, registar, desenhar, colaborar, debater, descrever, escrever, cantar, tocar, entrevistar... são vivências que entusiasmaram a generalidade destas crianças e surpreenderam turistas que se aperceberam que os meninos de coletes amarelos usavam espaços nada convencionais para pousar a lupa binocular e observar peças florais, soros de fetos ou grãos de areia.

 

Este é um projeto iniciado em setembro de 2023, no âmbito das Jornadas Europeias do Património, em que a Fundação Bracara Augusta mobilizou diversas parcerias para a criação de um projeto de educação ambiental e patrimonial que ainda se encontra na fase piloto.

 

A valorização e conservação da natureza e da biodiversidade, bem como a valorização do património construído e da paisagem, são os principais objetivos deste projeto, a que a ASPA se associou, que aposta no desenvolvimento pessoal e social das crianças

Desde longa data que a ASPA intervém no sentido da Valorização do Território, tanto no que diz respeito ao Património Cultural (dando especial atenção ao património construído) como ao Património Ambiental. Hoje, Portugal reconhece, como urgente, a alteração de comportamentos que assegurem progressos em vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e assumiu compromissos nesse sentido.

É pelas práticas que se contribui para a melhoria de comportamentos e opções. Neste caso, preparando crianças para que sejam mais exigentes no Futuro.

segunda-feira, 3 de junho de 2024

ENTRE ASPAS "A Agricultura Biológica e as boas práticas sustentáveis"

Este "Entre aspas" centra-se no modo de produção biológico.

A opção de compra alimentar não é fácil quando o consumidor não tem acesso a informação que lhe permita escolher géneros alimentícios saudáveis e, também, seguros sob o ponto de vista ambiental.

 

Os consumidores portugueses têm conhecimento que existem dois tipos de medidas agroambientais: o modo de produção biológico e o modo de produção integrada?

A partir de 2024 será que os consumidores portugueses vão ser mais exigentes, no momento da compra de géneros alimentícios, se conhecerem os Requisitos Legais de Gestão & Boas Condições Agrícolas e Ambientais? 

Que garantias nos dá um género alimentício produzido na União Europeia, em relação a um idêntico produzido noutra área geográfica? 

 

A Política Agrícola Comum (PAC) estabelece Condicionalidades em quatro áreas, que os agricultores europeus têm de cumprir. Nas seguintes vertentes:

  • CLIMA E AMBIENTE, INCLUINDO A ÁGUA, OS SOLOS E A BIODIVERSIDADE DOS ECOSSISTEMAS
  • SAÚDE PÚBLICA E FITOSSANIDADE
  • BEM ESTAR DOS ANIMAIS
  • CONDICIONALIDADE SOCIAL

Para saber mais: https://www.ifap.pt/portal/condicionalidade-geral

 

segunda-feira, 20 de maio de 2024

ENTRE ASPAS: "Divulgar Bracara Augusta/Braga"

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A Arqueologia é uma disciplina científica que se desdobra em inúmeras especialidades. Neste amplo quadro a Arqueologia Urbana é uma das áreas de investigação mais complexa, designadamente porque se realiza em cidades vivas, com tempos sobrepostos, incluindo o presente, pelo que implica uma íntima relação com a cidade. De outro modo, os resultados das intervenções ficam cingidos ao espaço restrito da divulgação científica, criando-se um fosso indesejável entre o passado e o presente.

As circunstâncias em que nasceu, em Braga, o primeiro salvamento de Arqueologia Urbana, iniciado em Portugal, constituem um marco. Em recente dissertação de doutoramento, aprovada na Faculdade de Letras de Lisboa, lê-se:

“O salvamento de Bracara Augusta foi a primeira grande experiência de salvamento de carácter institucional desenvolvida em Portugal (Silva, 2002a, p. 307). O movimento nasceu em contexto associativo em 1973, mas rapidamente foi integrado numa estrutura da administração central (Alves, 2019, p. 8-9), o Campo Arqueológico de Braga. Esta experiência constituiu um laboratório de experimentação para diversas soluções institucionais para a Arqueologia portuguesa, uma vez que ao Campo Arqueológico de Braga sucederam a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (Martins, 1989, p. 170), o SRAZ Norte (o primeiro a ser criado no IPPC), o Museu de D. Diogo de Sousa (Silva, 2002a, p. 314) e o serviço municipal de Arqueologia de Braga. Assim, em consequência deste projecto de salvamento, a cidade de Braga tornou-se, no final dos anos 70 e início dos 80, um dos mais importantes polos da Arqueologia portuguesa (Alves, 2019, p. 17)” (Jacinta Bugalhão in A Arqueologia em Portugal entre o final do século XX e o início do século XXI (1970 – 2014), Volume 1, p. 537).”

Na dissertação, a autora cita assiduamente o projecto de Bracara Augusta, e numerosa bibliografia, incluindo artigos publicados na revista Fórum, editada pelo Conselho Cultural da Universidade do Minho (UM) ou na Mínia, editada pela ASPA.

O estudo das ruínas da urbe fundada por Paulo Fábio Máximo, em nome do Imperador Augusto, teve continuidade até ao presente. Estendeu-se, também, no tempo, no estudo do modo como da matriz romana se evoluiu para a cidade medieval.

Assim, ao longo de quase 50 anos, publicaram-se inúmeros textos científicos, em congressos, em revistas portuguesas e estrangeiras. Todos acessíveis no RepositoriUM (Universidade do Minho), ou em browsers científicos internacionais.

Porém, a verdade, é que este volume impressionante de informação, formado por centenas de trabalhos, não tem impacto na cidade, não é conhecida pelo público que a habita.

Na fase inicial do Projecto, estabeleceu-se uma relação com a cidade, através da Imprensa, da ASPA e da Biblioteca Pública de Braga. As sucessivas descobertas eram divulgadas em conferências que se realizavam no Museu Nogueira da Silva. O público que assistia a estas sessões era variado. Havia, porém, uma pessoa que raramente faltava: o Professor Lúcio Craveiro da Silva. O registo de todas estas conferências está disponível na revista Fórum, na secção dedicada às actividades promovidas pelo Conselho Cultural (UM), ao cuidado de Henrique Barreto Nunes. O conteúdo das mesmas também era divulgado quase sempre na citada revista, disponível “online”.

Ao tempo ainda não se tinham generalizado as redes sociais.

Porém, no contexto presente, em que os meios de comunicação se diversificaram com a Internet, perdeu-se a salutar práctica de divulgar as novas descobertas. Quebrou-se um elo importante entre a Arqueologia e a Cidade.

Talvez reconhecendo esse problema, a Unidade de Arqueologia da UM (UAUM) ainda chegou a editar boletins semestrais, que se ficaram por escassos três números.

Mas, em bom rigor, não cumpre à Unidade de Arqueologia a difusão extensiva do conhecimento adquirido, mas tão somente o da vertente científica. Assim preconizamos que volte a editar o boletim digital “online”, e abra uma página no Facebook e no Instragam, com o registo, mesmo sintético, dos trabalhos de campo e dos projectos em curso. E, quando ocorrem descobertas de maior relevo, conferências específicas como a que se realizou sobre achados na Rua da Senhora do Leite.

A divulgação na cidade compete também a duas entidades: o Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Braga e o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa (este no domínio das colecções do seu acervo). O GA da CMB, tendo acesso a toda a informação produzida, deve estar na primeira linha da divulgação. Ora o Gabinete de Arqueologia não está a atuar como primeiro interlocutor com a cidade. Porquê? Quem o tutela, ou seja o Presidente da autarquia, poderá responder. Talvez seja necessário definir uma nova estratégia e reforçar a referida entidade camarária com mais arqueólogas (os).

Lisboa, onde a Arqueologia Urbana se estruturou muito depois, é um exemplo a seguir. De facto, o Centro de Arqueologia da Câmara Municipal de Lisboa (abreviatura CAL) tem linhas de divulgação, a vários níveis. A científica, indispensável, organizando colóquios específicos. Mas também dá a conhecer os resultados em instâncias associativas, como a Associação dos Arqueólogos Portugueses ou a Sociedade de Arqueologia de Lisboa. Mas são as acções de divulgação dos resultados a nível do bairro que mais entrelaçam a sua actividade com a população. Sempre que, numa determinada área da cidade, se efectua uma intervenção, seja de emergência seja no quadro de um projecto de requalificação urbana, o CAL apresenta os resultados no bairro em que se interveio (a actividade do CAL é difundida no Facebook onde tem página própria).

O caminho está, pois, claramente definido. Basta a vontade da Presidência da CMB, e da Unidade de Arqueologia da UM, para o concretizar.

                                                                                   Francisco Sande Lemos

                                                                                   (Arqueólogo)

Imagens: sessão sobre Bracara Augusta, com Francisco Sande Lemos, no Museu Nogueira da Silva. Arquivo HBN.

 

sábado, 18 de maio de 2024

NA SUBLIMAÇÃO DO TEMPO. Uma oportunidade para conhecer os Arquivos Fotográficos "Manoel Carneiro" e Arcelino" (Séc. XIX e XX)

NA SUBLIMAÇÃO NO TEMPO

Esta Exposição, iniciativa do Museu Nogueira da Silva, partilha imagens dos Arquivos Fotográficos "Manoel Carneiro" e "Arcelino", que permitem conhecer a imagem urbana de Braga desde finais do séc. XIX a meados do séc. XX. 
A Exposição é inaugurada a 25 de maio e poderá ser visitada até 31 de agosto. A iniciativa inclui Palestras e Oficinas. Informação sobre os Arquivos "Manoel Carneiro" e "Arcelino"...


segunda-feira, 6 de maio de 2024

TERTÚLIA: "AS INVASORAS NAS SETE FONTES"

A Semana sobre espécies Invasoras está de volta a Portugal&Espanha em 2024 (#SEI2024)!
Junte-se à ASPA, no dia 9 de maio (quinta-feira), para conversar com biólogos sobre as Plantas Invasoras que ocuparam a envolvente do Complexo das Sete Fontes.
16h00 - Complexo das Sete Fontes (junto à Mina do Dr Alvim). Para identificar e fotografar  espécies invasoras.

18h00 - na Biblioteca Lúcio Craveiro (Sala do Arco). Tertúlia com ...

Agradecemos que os/as interessados/as se inscrevam através do formulário https://forms.gle/WiXPSecm1LrkHXSQA 
                                                                                                     
"ENTRE ASPAS" sobre espécies invasoras:
Várias informações sobre o assunto...

ENTRE ASPAS: "HOTEL PLAZA CENTRAL. O impacto na frente de rua já é visível. O Recolhimento das Convertidas terá sido respeitado?"

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As imagens que ilustram este texto comprovam a apreensão da ASPA, desde 2019, no que diz respeito ao impacto visual do Hotel Plaza Central, unidade hoteleira de volumetria excessiva, com cinco pisos acima da cota de soleira, parque de estacionamento subterrâneo e massiva ocupação do interior do quarteirão, contíguo ao Recolhimento das Convertidas - Monumento de Interesse Público – que causou, de facto, a alteração da frente de rua, na Avenida Central.

Relembramos que a Zona de Proteção Especial (ZEP) do Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas, definida pela Portaria nº 665/2012, de 7 de novembro, “tem em consideração a sua implantação numa área da cidade perfeitamente consolidada, onde outros edifícios com interesse arquitetónico contribuem para a valorização do imóvel e a sua fixação visa salvaguardar alguns dos imóveis da frente urbana da Avenida Central, bem como toda a Rua de São Gonçalo que, por ser bastante estreita, estabelece uma relação direta com o imóvel.” 

Aliás, no parecer da tutela do património, datado de 2011, já é referido “O edifício em causa encontra-se inserido numa área da cidade de Braga perfeitamente consolidada, que faz parte integrante de uma frente contínua que limita a Avenida Central de Braga, onde existem outros edifícios com interesse arquitectónico, com importância e dimensão variável, mas que constituem um enquadramento que contribui para a valorização do imóvel. Nomeadamente, a grandiosa casa contígua ao Recolhimento que embora se encontre em mau estado de conservação não deixa de ser um edifício notável que carece de intervenção cuidada”.

 

Esperava-se, portanto, que, desde 2019, a DRCN e a Câmara Municipal de Braga respeitassem o monumento e a respetiva Zona Especial de Proteção (ZEP). Esperava-se, também, que o parecer negativo do vereador do Património (em 2019/2021) motivasse, pelo menos, a reflexão do Executivo Municipal, centrada no valor patrimonial da área do projeto, nomeadamente o impacto da construção deste hotel no monumento, o impacto no interior do quarteirão e, ainda, na frente urbana da Avenida Central.

Em 2022, a DRCN verificou que foram demolidas estruturas para além das que tinham sido previstas no projeto submetido a parecer da tutela do património, nomeadamente:

  •  partes da préexistência que deviam ter sido preservadas: a fachada lateral e posterior, paredes interiores, escadaria principal e corpo de ligação entre o edifício e a Igreja das Convertidas.”
  •  estrutura em madeira nas coberturas da casa preexistente” (casa do séc. XVIII).

Em julho desse ano a DRCN solicitou à CMB a suspensão das obras e, em setembro, solicitou o embargo da obra “considerando a gravidade do exposto e tendo presente, inclusive, a escala e visibilidade da obra”.

 

Ao que parece, a obra avançou apesar da demolição das pré-existências atrás indicadas, que era suposto manter (só restando a fachada do edifício do séc. XVIII). Os blocos de granito que existiam nessa parte do interior do quarteirão foram rebentados e retirados. Os edifícios novos foram construídos a poucos metros do monumento (na ZEP do Recolhimento das Convertidas). Aliás, a atual frente urbana (protegida pela ZEP) mostra os novos edifícios construídos por trás da fachada do edifício do séc. XVIII.

   

Todo este processo é de tal modo intrincado, desde o início, que suscita dúvidas.

Preocupa-nos muito que, nas peças desenhadas do projeto aprovado pelo executivo municipal, fosse indicada uma “possível ligação”, lateral, pela Rua de S. Gonçalo, para o interior do quarteirão, em zona abrangida pelo monumento. Será que a tutela do património analisou com o devido cuidado este pormenor?

 

Será normal a DRCN aprovar um projeto que contraria o definido na Portaria que estabelece a ZEP do monumento?

Será normal um executivo municipal autorizar um PIP, apesar do parecer negativo do vereador do Património?

É importante não esquecer que é a tutela do património que procede à instrução do processo de classificação que fundamenta a classificação e define a respetiva ZEP, ambos publicados em Diário da República.

 

Estas são algumas das muitas interrogações em suspenso e que persistem, mesmo depois de inúmeros pedidos de esclarecimento junto da DGPC, da DRCN e da Câmara Municipal de Braga. Aliás, parte dos e-mails enviados pela ASPA não tiveram resposta.

 

Se dúvidas houvesse, quanto ao impacto da construção desta unidade hoteleira de grande envergadura, contígua a um monumento e na sua ZEP, basta um olhar atento à frente de rua, na Avenida Central, para perceber que o primeiro novo corpo do Hotel Plaza Central se ergue para além da cércea do Monumento classificado e contrasta - tamanho, volumetria e modernidade - com o monumento, respetiva Capela e frente de rua.

 

Ou seja, as preocupações transmitidas pela ASPA tinham fundamento. Estava em causa a integridade do monumento e a respetiva proteção, quer na imagem urbana, quer a nível urbanístico.

 

Com o tempo se irá verificar o impacto deste hotel a outros níveis, designadamente a amplitude da ocupação da zona verde e a impermeabilização do quarteirão.  Aparentemente, em contraciclo com os esforços que é suposto desenvolver para adaptação às alterações climáticas, apesar de Braga ter assumido compromissos exigentes no que diz respeito a neutralidade carbónica.


Até que ponto o município de Braga considera, na prática, os apelos do Secretário Geral das Nações Unidas, o Engº António Guteres, em relação à crise climática que o Planeta Terra enfrenta?

                                                                                                                                                           

"Entre Aspas" sobre este assunto (desde 2019):

segunda-feira, 22 de abril de 2024

ENTRE ASPAS: "A Democracia e o Património Cultural"


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Na semana em que se comemoram os 50 Anos do 25 de Abril, é adequado analisar o contributo da Democracia para a salvaguarda e promoção do Património Cultural e Natural.

Ao contrário de outras dimensões em que a Revolução dos Cravos alterou profundamente a sociedade portuguesa – nomeadamente na instauração da Liberdade e da Democracia, na descolonização e na reentrada de Portugal no concerto das Nações, a começar na Europa, de que estava isolado, e no desenvolvimento da economia, do bem-estar e do Estado Social – não são, porventura, evidentes, os progressos da Democracia no que respeita ao Património Cultural. Mas eles são significativos e de enorme importância, como procuraremos demonstrar. Situam-se especialmente no domínio da democratização da cultura e na atribuição de novos sentidos ao conjunto do património edificado, imaterial e ambiental. 

Podemos começar por registar a entrada de vários monumentos e sítios no âmbito da classificação pela UNESCO de Património Comum da Humanidade – nomeadamente, no que respeita a Braga, do Bom Jesus do Monte – o que ocorreu, na sua totalidade, após o 25 de Abril. Na verdade, a Convenção da UNESCO que criou o Património Comum da Humanidade foi aprovada em 1972 e assinada em Portugal apenas em 1980. Atualmente, Portugal é o 18º país do Mundo com mais património inscrito, com um total de 17 monumentos e sítios.

 Mas, além disso, a salvaguarda do património passou a ser uma missão coletivamente assumida pela sociedade e pelos cidadãos. O significativo movimento associativo que se constituiu em torno da defesa do património nos anos imediatamente a seguir a 1974 – de que, aliás, a ASPA é um exemplo, criada que foi em 1977, na sequência do movimento cidadão de defesa das ruínas romanas da Colina de Maximinos – só foi possível pela liberdade inaugurada naquele dia de Abril que instituiu o Povo como ator da História, permitiu a criação de associações e abriu as portas da participação coletiva na vida da pólis. O património cultural tornou-se uma causa comum, e tal como o poder caiu na rua, também ele desceu do pedestal da sacralização em que estava, para se constituir como um fator de identidade de todos nós.

Não se pode dizer que o regime anterior ao 25 de Abril não tinha uma política sobre o património. Pelo contrário. Muitos monumentos foram recuperados e classificados. Sobretudo castelos, palácios, mosteiros e igrejas. Foram sobretudo aqueles elementos patrimoniais que serviam para evocar a narrativa ideológica que o regime sustentava. Na verdade, a política patrimonial do Estado Novo inseriu-se numa lógica promocional da doutrina de um Estado Autoritário, Colonial e Nacionalista. Foi essa lógica que levou o regime à recuperação de muitos monumentos degradados, mesmo que com pouco critério técnico, recorrendo com muita frequência ao pastiche – isto é, fazendo de novo, a imitar o antigo (um dos exemplos mais conhecidos, entre muitos outros, é o do Paço dos Duques de Bragança, em Guimarães) – com a intenção clara de evocar “um passado glorioso”. Ao mesmo tempo, o regime impôs um estilo arquitetónico claramente inspirado na arquitetura italiana do tempo de Mussolini e repartiu pelo país uma estatuária evocativa dos próceres do regime, de que é exemplo, entre nós, a estátua de Gomes da Costa. Não interessou ao regime recuperar edifícios e sítios menos inspirados naqueles ideais e muitos ficaram na ruína. Braga, apesar de celebrada como berço do regime, viu menosprezadas, e, aliás, parcialmente destruídas ainda no tempo de Santos da Cunha, as ruínas romanas da Cividade, abandonado o Mosteiro de Tibães e esquecido o Sistema Hidráulico Setecentista das Sete Fontes. Ruínas romanas, Mosteiro de Tibães e Sete Fontes (neste caso ainda, esperançadamente, em curso) precisamente recuperados em Democracia e a partir da ação cidadã, de que se destacou a ASPA.

O património cultural em Democracia não serve para evocar “gestas do passado”, mas para que todos nos relacionemos com a nossa identidade coletiva. É por isso que o património, numa visão moderna e democrática, não se resume aos grandes monumentos, mas contempla todos os elementos materiais e imateriais que testemunham a vida e a cultura que herdamos, desde as casas de brasileiros aos lenços de namorados, dos azulejos e pinturas murais que decoravam as habitações urbanas ao espólio musical das abadias e dos cantos populares, das fábricas históricas, como a Confiança, aos bairros operários, de que restam tão poucos (como os Galos). Mais, o património são também as árvores e os rios, as florestas e as espécies animais e vegetais autóctones, tantas vezes ameaçadas. Por ser tudo isto, o património em Democracia não contempla uma atitude reverencial e sacralizadora face ao passado e aos seus vestígios. Exige rigor técnico na sua preservação, sentido crítico capaz de analisar o passado e o desconstruir analiticamente nos aspetos que nele exprimem dominação e opróbrio.  É por isso que a salvaguarda, estudo e promoção do património edificado e natural, material e imaterial, é uma tarefa sempre inacabada, com ações permanentes de mobilização coletiva, de resposta à ameaça dos interesses predadores e dos poderes políticos e económicos instalados, de divulgação e criação de uma consciência crítica, de educação patrimonial junto das novas gerações, de reivindicação do que é nosso e, por isso, merece o melhor do nosso esforço comum. 

terça-feira, 9 de abril de 2024

ENTRE ASPAS: "COMPLEXO DAS SETE FONTES. Quando teremos o Parque Verde Eco Monumental?"

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No dia 23 de março, seguinte ao Dia Mundial da Água, o Complexo das Sete Fontes foi palco de um conjunto de atividades e juntou um número significativo de pessoas. A iniciativa da Associação Juvenil de Gualtar e da Associação JovemCoop, com o apoio da AGERE, da Câmara Municipal de Braga e da Junta de Freguesia de S. Victor, contou com a colaboração do Centro de Ciência Viva de Braga e da ASPA. Não faltaram sessões de Yoga, de Pilates e de pintura, atuação das Tunas e teatro.  

Esta iniciativa conjunta demonstrou, mais uma vez, as potencialidades da área onde teremos o futuro Parque Verde, tal como aconteceu em 2011 quando o movimento “Peticionários pela Salvaguarda das Sete Fontes” promoveu o ABRAÇO pelas Sete Fontes, no âmbito da Ação Cidadã em Defesa do monumento e envolvente. Essa foi uma das muitas iniciativas dos Peticionários, unindo várias organizações em defesa do Sistema Hidráulico Setecentista e do manancial de água que o suporta; permitiu alertar a opinião pública para o risco a que estava sujeito, devido ao facto de o Plano Diretor Municipal (PDM) em vigor ter classificado esta área como urbanizável e com índice de construção máximo. Os Peticionários conseguiram reunir mais de 5000 assinaturas e levar o assunto à Assembleia da República, de que resultou a classificação como Monumento Nacional.

Relembramos que:

  •  esta luta teve início a 27 de março de 1995, quando a ASPA apresentou ao IPPAR um requerimento tendo em vista a classificação do “Sistema de Abastecimento de Água Setecentista, denominado sete-fontes”, na freguesia de S. Victor da cidade de Braga, com vista à sua salvaguarda e preservação futura”; 
  • o Despacho de abertura do processo, pelo presidente do IPPAR, é de 19 de abril de 1995.
  • a ASPA atuou junto de diversas entidades no sentido de acelerar a classificação em Diário da República e impedir um PDM lesivo ao monumento e à água. Divulgou a preocupação junto da opinião pública, através de "Entre Aspas";
  • em 2001, foi publicado em Diário da República (D.R.) o PDM de Braga, que atribui índice máximo de construção à envolvente do monumento;
  • o Despacho de homologação, como Monumento Nacional, é de maio de 2003;
  • depois do anúncip da construção do hospital, foi criado o movimento "Peticionários pela Salvaguarda das Sete Fontes", que incluiu a ASPA, os Verdes, a JovemCoop e contou, desde início, com o apoio do então presidente da Junta de Freguesia de S. Victor, o Dr. Firmino Marques.

Em 2011, a classificação do Sistema de Abastecimento de Águas à cidade de Braga, no séc. XVIII foi, finalmente, publicada pelo Decreto nº 16, de 25 de maio, que lhe atribuiu distinção como Monumento Nacional e, em junho, foi publicada a Portaria nº 576, que define a respetiva ZEP (parte dessa área foi usada na construção do hospital, inaugurado nesse mesmo mês). 


Entre 2014 e 2021, a CMB suspendeu o PDM na área da ZEP e estabeleceu medidas cautelares preventivas; anulou o espaço canal previsto para o lanço da EN103 – Variante de Gualtar, entre o Nó do Hospital e o Nó do Fojo, que colocava em risco a integridade do monumento; fez intervenção de restauro das mães d`água; obteve os Estudos - Arqueológico e Hidrogeológico - para a área das Sete Fontes; concluiu o arranjo e musealização da Mina do Dr. Amorim, com colaboração do Hospital de Braga; no âmbito do Plano Diretor Municipal a área foi classificada como espaço verde, delimitada por UOPG, com capacidade edificatória de enquadramento urbanístico ao monumento.

A alteração do PDM nesta área, o Plano de Urbanização publicado no Diário da República de 24 de setembro de 2021, e o estudo prévio do Parque das Sete Fontes (Anexo VII do Plano), foram o garante da construção de um Parque Verde com 30 ha de área verde pública e 30 ha de área florestal privada. Em outubro desse ano, o município já tinha adquirido terrenos para o Parque e tinha estabelecido um acordo de gestão com o proprietário com maior área verde. Foi notório o esforço, por parte desse executivo municipal, no sentido de cumprir o objetivo de criar um Parque Verde Eco Monumental nas Sete Fontes.

Assim, esperava-se que as áreas de cedência de cada unidade de execução, para o Parque Verde, fossem libertadas gradualmente, permitindo a construção faseada do parque, o que pressupõe a existência do Projeto Paisagístico de acordo com o estudo prévio aprovado. 

Porém, o executivo municipal que tomou posse em 2021 não manteve dinâmica idêntica:

  • em junho de 2022 foi aberto um caminho de acesso ao Monumento, o que não era suposto acontecer; caminho esse que, entretanto, não foi fechado de modo a impedir a entrada de veículos na área da ZEP;
  • só recentemente avançou com o processo relativo ao Projeto Paisagístico, apesar de se saber que é urgente;
  • o Sistema Hidráulico revela abandono, por falta de manutenção;
  • apesar de o Município ser proprietário da área que adquiriu e, além disso, ter acordado com o maior proprietário de área verde a gestão dessa área (limpeza, retirar diversidade de plantas invasoras, etc.), tudo indica que nada fez. As invasoras avançaram e ocupam parte significativa do futuro Parque Verde. 

No âmbito da Tertúlia entre o Vereador do Urbanismo (responsável pelo dossiê das Sete Fontes desde outubro de 2021) e representante da ASPA, salientou-se o atraso na concretização de medidas já em curso em 2021.

Estranhámos a notícia, facultada pelo vereador, de que o controlo de plantas invasoras vai, em breve, ser entregue a uma empresa e que não prevê o contributo de voluntários. Esperamos que o contrato especifique medidas concretas, baseadas em práticas cientificamente comprovadas, para cada espécie a controlar, pois não é fácil controlar invasoras em expansão.


Será que o Município se esqueceu que era suposto gerir cerca de 6,5 ha, desde 2021, com vista à criação do Parque Verde?

Falta saber qual o ponto da situação das negociações iniciadas em 2020, entre o Município e a ARS Norte, relativamente à “cedência temporária de uma parcela de terreno adjacente ao Hospital de Braga, para efeitos de concretização do projeto  "Ecoparque das Sete Fontes" e ... se foram terminados ou negociados outros acordos, tendo em vista a gestão, pelo Município, de mais área a integrar no Parque Verde.

Perante o atraso na tomada de decisões resta-nos questionar:

Quando teremos o Parque Verde Eco Monumental nas Sete Fontes?

Antes ou depois das próximas eleições autárquicas, em outubro 2025?