INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

ENTRE ASPAS: "Dar espaço às pessoas e terra às cidades. Com visão e debate de ideias"

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Entre 16 e 22 de setembro comemorou-se mais uma Semana Europeia da Mobilidade e a 22 de setembro o Dia Europeu sem Carros. Os dias, semanas e anos temáticos têm um valor simbólico, procurando dar destaque e visibilidade a questões prementes de um determinado tempo. Espera-se, também, que sejam impulsionadores de mudanças sociais. 


A Semana Europeia da Mobilidade é uma iniciativa anual da União Europeia, desde 2002, que continua a ser totalmente justificada.

Há uma clara consciência de que é preciso reduzir o tráfego automóvel mas, apesar de alguns progressos, está-se longe dos objetivos. As estimativas apontam para cerca de 400 000 mortes anuais no continente europeu atribuíveis a poluição atmosférica, na sua grande maioria associadas à mobilidade. Portugal (juntamente com países tão distintos como a Alemanha ou a Grécia) foi condenado em junho deste ano pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por não cumprir as regras europeias sobre qualidade do ar ao longo de dez anos. A par de Lisboa e Porto, Braga está sistematicamente acima dos níveis aceitáveis para vários indicadores da qualidade do ar, como partículas (PM2,5, PM10), dióxido de azoto (NO2), dióxido de enxofre (SO2) e ozono (O3).

Pensar a mobilidade nas cidades é particularmente importante porque é aí que mais impactos ela tem na vida das pessoas: poluição sonora e atmosférica, congestionamento e asfalto moldam a vida quotidiana em muitas partes de Braga, com custos ao nível da saúde física e mental, de tempo e de dinheiro, direta ou indiretamente. Se se calculasse e internalizasse os custos da mobilidade automóvel para o ambiente e para a saúde, cada automobilista teria muito a pagar a cada peão ou ciclista.

É, portanto, preciso tirar carros das cidades e dar espaço às pessoas. Em Braga, como noutras cidades, os automóveis definiram (e definem) o desenho das ruas em vez de se ajustarem a elas e aos múltiplos outros usos – sociais, culturais, ecológicos, etc. - que podem ter. Em Pontevedra, por exemplo, foi possível redesenhar o espaço urbano com foco nas pessoas com ganhos em todas as frentes aqui referidas e ainda ao nível da segurança rodoviária, do comércio local e da qualidade de vida em geral.

Restringir o acesso de alguns veículos às cidades, reduzir significativamente a velocidade máxima autorizada nas ruas das cidades, criar tarifas para acesso em automóvel a determinadas áreas são algumas medidas possíveis. Mas a mudança não se pode fazer só de proibições; tem que se basear em incentivos. A disponibilidade, a qualidade e o preço de transportes públicos é um aspeto essencial. Nesta Semana Europeia da Mobilidade, a Câmara Municipal de Braga anunciou que as deslocações de ida e volta nos TUB custariam 1 euro. Trata-se do tipo de incentivo que deveria ser tornado permanente e há muito mais a fazer ao nível da gestão da oferta de transportes públicos na cidade e arredores. O desenho das vias de circulação e as infra-estruturas são outros aspetos fundamentais e é positivo que se esteja – finalmente - a criar mais espaços dedicados à mobilidade em bicicleta. Essas intervenções têm, porém, sido objeto de várias críticas que poderiam ter sido evitadas com processos de decisão mais abertos, participados e democráticos do que os que têm sido adoptados. Há cada vez mais cidadãos atentos e intervenientes relativamente a estas questões e surgem, crescentemente, interseções de agendas, valores e princípios. Os movimentos que agregam os direitos das crianças à mobilidade e ao desenho das cidades, como, a iniciativa Kidical Mass, organizada pela BragaCiclável a 23 de Setembro, são disso exemplo. Cidades como Copenhaga, Helsínquia, Amesterdão e Viena conseguiram que mais do que 40% das deslocações sejam realizadas a pé ou de bicicleta. Muitas cidades portuguesas podem ter mais desníveis de relevo, mas é totalmente possível melhorar as condições para a prática de mobilidades alternativas.

Para além de destronar os carros das ruas das cidades, precisamos de preservar o espaço não betonizado e de reverter espaço alcatroado. Para reduzir os efeitos das ilhas de calor urbanas, para aumentar a permeabilidade dos solos e para potenciar o aumento de vegetação em espaço urbano, precisamos de mais terra nas cidades. O contacto das pessoas com a terra (e com espaços naturais ou naturalizados, em geral) tem inúmeros impactos benéficos amplamente documentados. Paris decidiu levantar 40% do seu asfalto nos próximos anos para alcançar estes objetivos.  Nas obras que estão em curso em Braga para potenciar mudanças na circulação, está-se, em muitos casos, a betonizar e a asfaltar demais (ver imagens). As faixas para bicicletas não têm que implicar muita construção e os passeios podem ser largos sem serem cimentados ou alcatroados, ou sequer pavimentados de outro modo na sua totalidade. Substituir calçada portuguesa por cimento, como se tem feito nalgumas ruas de Braga, não é, seguramente, o caminho certo.

 

É possível imaginar e é perfeitamente possível concretizar cidades mais humanas, mais saudáveis, e mais felizes. Vivemos um tempo de grande mudança, a muitos níveis. Este é o momento para os poderes públicos equacionarem o que querem criar para e com os seus cidadãos e ponderarem cuidadosamente as escolhas que fazem. A transparência e o debate de ideias são sempre preferíveis a outros modos de exercício político.


Anabela Carvalho, Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade do Minho

 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

ENTRE ASPAS: "EDIFÍCIO DOS CONGREGADOS. Reconhecer valor, respeitar e conservar"


Fomos alertados, no início do mês, para o facto de ter sido pendurado um quadro elétrico, e fios, no Janelão Central do Edifício dos Congregados cuja fachada foi construida sob desenho do arquitecto André Soares (1720-1769) e consta no Mapa das  Ruas de Braga de 1750.

Para o arquitecto Domingos Tavares, “a Basílica e Casa dos Congregados” é, em especial, a obra que melhor permite compreender a evolução do pensamento arquitectónico de André Soares (Tavares 2022:4). Eduardo Pires de Oliveira - para quem André Soares foi o maior vulto da arte entre o tardo barroco e o rococó português - afirmou que o edificado da casa e igreja dos Congregados deixou marca diversificada da sua obra (Oliveira, 2019: vol.1, 61,62).

Janelão Central do Edifício dos Congregados, impossível de fotografar sem a “cascata” de fios e caixa, como se observa na imagem, é destacado pela Direção Geral do Património Cultural do seguinte modo: “O próprio remate do edifício denota a mesma tendência ondulada que emana dos restantes vãos e, principalmente, do janelão central, cuja forma se assemelha a uma fechadura (Smith, 1973, p. 31).

Uma visita ao local permite concluir que o referido quadro elétrico está  ligado ao armário de distribuição de rede elétrica, colocado no passeio há mais de 20 anos. Terá sido, pois, a fonte de alimentação para o espetáculo que decorreu na Avenida Central, no âmbito da Noite Branca, no fim de semana. Trata-se, portanto, de um improviso de mau gosto.

Transitório ou não, verifica-se um desrespeito gritante em relação ao Convento, Colégio e Igreja dos Congregados, classificado como Imóvel de Interesse Público, cujo Janelão Central é um dos elementos mais notáveis.



Quem autorizou a instalação da “engenhoca” na fachada de um edifício classificado, com distinção de âmbito nacional, situado em pleno centro da cidade?








Enviámos um “e-mail” ao Senhor Presidente da Câmara, com alertas e sugestões, admitindo que não tenha sido do conhecimento do responsável da CMB o uso de um valioso elemento arquitectónico como suporte de fios eléctricos e que a intervenção não tenha contado com monitorização, por parte de técnicos do município, de modo a garantir o respeito que este monumento exige.

 

Relembrámos que o Edifício dos Congregados, actualmente sob tutela da Universidade do Minho, tem uma história ligada à cultura e ao ensino, desde o tempo dos Oratorianos, notabilizando-se no século XVIII pela cultura filosófica. O Oratório destacou-se como pioneiro dos novos caminhos ascéticos e culturais. Posteriormente albergou a Biblioteca Pública e, mais tarde, a Escola do Magistério Primário.

O Edifício dos Congregados, para além desta situação, não tem usufruído da necessária conservação e, hoje, tanto o exterior como o interior, revelam sinais preocupantes que não se coadunam, de modo algum, com o seu valor patrimonial. 

A fachada e o edifício dos Congregados merecem o máximo respeito e, como tal, sugerimos que o Município de Braga estabeleça: 

1- Um contacto urgente com a EDP (E-Redes), no sentido de ser retirado o armário de distribuição da rede elétrica colocado por baixo de uma das janelas emblemáticas de André Soares do Edifício dos Congregados, que a DGPC destaca (ver fotografia em anexo).

2- A averiguação, no sentido de identificar a responsabilidade da colocação de caixa e fios, mesmo que provisórios.

3- Um diálogo entre a Câmara Municipal de Braga, Universidade do Minho e Basílica dos Congregados, no sentido de se encontrarem meios de financiamento, em conjunto, para o restauro do edifício (interior), claustros e fachada, bem como conservação dos telhados

4- Que os serviços da câmara possam zelar pelo jardim dos claustros e a fonte com chafariz, espaço que é visitado por turistas e, no estado em que se encontra, transmite uma imagem pouco abonatória do modo como as entidades públicas, em Braga, lidam com edifícios emblemáticos do Barroco Bracarense.

Sugerimos, ainda, ao Sr. Presidente da Câmara de Braga, que seja celebrado um protocolo com a Universidade do Minho, no sentido de as salas de concertos e conferências do Edifício (Salão Nobre, sala Santa Cecília e auditório, por exemplo) serem usadas nos eventos promovidos pela Câmara, no âmbito da cultura musical, de modo a criar condições para que estas salas tenham uso e dignifiquem a Universidade do Minho e Braga, a "Capital do Barroco" em Portugal. A existência de piano de cauda facilitaria, com certeza, a qualidade dos eventos.

Vai realizar-se em Braga no final do corrente mês, o evento designado "Braga Barroca". O “website” do município de Braga refere que a "primordial" razão para a organização deste evento é " reforçar a sensibilização da população para a salvaguarda do nosso património". Braga Barroca é, sem dúvida, uma iniciativa a louvar. Mas importa que o Barroco seja valorizado e respeitado todos os dias do ano, o que não está a acontecer, infelizmente. Por outro lado, sugerimos ao município que acrescente, ao conjunto de iniciativas anunciadas no âmbito de Braga Barroca, uma sessão multidisciplinar que faça o balanço do estado dos monumentos da Idade Moderna (sécs. XVII e XVIII) situados na cidade de Braga, elaborando um conjunto de recomendações para a CMB e para a tutela do Património Histórico.

Basta um único exemplo para justificar esta proposta da ASPA: do outro lado da Avenida Central, quase em frente aos Congregados, fica o edifício das Convertidas, que tem sido maltratado e que merece um projecto de valorização urgente.

Obviamente, o poder local deve procurar o apoio financeiro de fundos europeus, para projectos elaborados em consonância com o Governo e em diálogo com a sociedade civil.

Não há muito tempo reuniu-se em Braga, no Mosteiro de Tibães, na esplêndida Sala do Capítulo, o Conselho de Ministros do Governo de Portugal. Com muito aparato mediático. Com modéstia, lembramos ter sido a ASPA a entidade que mais lutou pela salvaguarda do Mosteiro, conseguindo que fosse adquirido pelo Estado (como é do conhecimento público e da tutela do património). Teria sido uma atitude louvável, o sr. Ministro da Cultura, no âmbito da deslocação a Braga, agendar uma reunião com a ASPA, para debater as questões do Património Histórico bracarense, tanto mais que a associação pediu a intervenção do Ministério da Cultura com vista à defesa do património bracarense.

A ASPA, mesmo que não agrade aos poderes, continuará a lutar pela defesa dos numerosos testemunhos da História de uma cidade milenar.