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Entre 16 e 22 de setembro comemorou-se mais uma Semana Europeia da Mobilidade e a 22 de setembro o Dia Europeu sem Carros. Os dias, semanas e anos temáticos têm um valor simbólico, procurando dar destaque e visibilidade a questões prementes de um determinado tempo. Espera-se, também, que sejam impulsionadores de mudanças sociais.
A Semana Europeia da Mobilidade é uma iniciativa anual da União Europeia, desde 2002, que continua a ser totalmente justificada.
Há uma clara consciência de que é preciso reduzir o tráfego automóvel mas, apesar de alguns progressos, está-se longe dos objetivos. As estimativas apontam para cerca de 400 000 mortes anuais no continente europeu atribuíveis a poluição atmosférica, na sua grande maioria associadas à mobilidade. Portugal (juntamente com países tão distintos como a Alemanha ou a Grécia) foi condenado em junho deste ano pelo Tribunal de Justiça da União Europeia por não cumprir as regras europeias sobre qualidade do ar ao longo de dez anos. A par de Lisboa e Porto, Braga está sistematicamente acima dos níveis aceitáveis para vários indicadores da qualidade do ar, como partículas (PM2,5, PM10), dióxido de azoto (NO2), dióxido de enxofre (SO2) e ozono (O3).
Pensar a mobilidade nas cidades é particularmente importante porque é aí que mais impactos ela tem na vida das pessoas: poluição sonora e atmosférica, congestionamento e asfalto moldam a vida quotidiana em muitas partes de Braga, com custos ao nível da saúde física e mental, de tempo e de dinheiro, direta ou indiretamente. Se se calculasse e internalizasse os custos da mobilidade automóvel para o ambiente e para a saúde, cada automobilista teria muito a pagar a cada peão ou ciclista.
É, portanto, preciso tirar carros das cidades e dar espaço às pessoas. Em Braga, como noutras cidades, os automóveis definiram (e definem) o desenho das ruas em vez de se ajustarem a elas e aos múltiplos outros usos – sociais, culturais, ecológicos, etc. - que podem ter. Em Pontevedra, por exemplo, foi possível redesenhar o espaço urbano com foco nas pessoas com ganhos em todas as frentes aqui referidas e ainda ao nível da segurança rodoviária, do comércio local e da qualidade de vida em geral.
Restringir o acesso de alguns veículos às cidades, reduzir significativamente a velocidade máxima autorizada nas ruas das cidades, criar tarifas para acesso em automóvel a determinadas áreas são algumas medidas possíveis. Mas a mudança não se pode fazer só de proibições; tem que se basear em incentivos. A disponibilidade, a qualidade e o preço de transportes públicos é um aspeto essencial. Nesta Semana Europeia da Mobilidade, a Câmara Municipal de Braga anunciou que as deslocações de ida e volta nos TUB custariam 1 euro. Trata-se do tipo de incentivo que deveria ser tornado permanente e há muito mais a fazer ao nível da gestão da oferta de transportes públicos na cidade e arredores. O desenho das vias de circulação e as infra-estruturas são outros aspetos fundamentais e é positivo que se esteja – finalmente - a criar mais espaços dedicados à mobilidade em bicicleta. Essas intervenções têm, porém, sido objeto de várias críticas que poderiam ter sido evitadas com processos de decisão mais abertos, participados e democráticos do que os que têm sido adoptados. Há cada vez mais cidadãos atentos e intervenientes relativamente a estas questões e surgem, crescentemente, interseções de agendas, valores e princípios. Os movimentos que agregam os direitos das crianças à mobilidade e ao desenho das cidades, como, a iniciativa Kidical Mass, organizada pela BragaCiclável a 23 de Setembro, são disso exemplo. Cidades como Copenhaga, Helsínquia, Amesterdão e Viena conseguiram que mais do que 40% das deslocações sejam realizadas a pé ou de bicicleta. Muitas cidades portuguesas podem ter mais desníveis de relevo, mas é totalmente possível melhorar as condições para a prática de mobilidades alternativas.
Para além de destronar os carros das ruas das cidades, precisamos de preservar o espaço não betonizado e de reverter espaço alcatroado. Para reduzir os efeitos das ilhas de calor urbanas, para aumentar a permeabilidade dos solos e para potenciar o aumento de vegetação em espaço urbano, precisamos de mais terra nas cidades. O contacto das pessoas com a terra (e com espaços naturais ou naturalizados, em geral) tem inúmeros impactos benéficos amplamente documentados. Paris decidiu levantar 40% do seu asfalto nos próximos anos para alcançar estes objetivos. Nas obras que estão em curso em Braga para potenciar mudanças na circulação, está-se, em muitos casos, a betonizar e a asfaltar demais (ver imagens). As faixas para bicicletas não têm que implicar muita construção e os passeios podem ser largos sem serem cimentados ou alcatroados, ou sequer pavimentados de outro modo na sua totalidade. Substituir calçada portuguesa por cimento, como se tem feito nalgumas ruas de Braga, não é, seguramente, o caminho certo.
É possível imaginar e é perfeitamente possível concretizar cidades mais humanas, mais saudáveis, e mais felizes. Vivemos um tempo de grande mudança, a muitos níveis. Este é o momento para os poderes públicos equacionarem o que querem criar para e com os seus cidadãos e ponderarem cuidadosamente as escolhas que fazem. A transparência e o debate de ideias são sempre preferíveis a outros modos de exercício político.
Anabela Carvalho, Departamento de Ciências da Comunicação, Universidade do Minho