INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

ENTRE ASPAS: "Cidade ambientalmente sustentável. Uma prioridade política"


As agendas políticas têm de deixar de ter as temáticas associadas ao Território e ao Ambiente apenas como retórica e flor de lapela dos seus agentes. 

O planeamento urbano, a nível municipal e intermunicipal, pressupõe decisões integradas no que diz respeito ao uso do solo, aos rios, às áreas inundáveis, à vegetação ripícola (ribeirinha) que envolve as linhas de água e às zonas húmidas, aos parques verdes e corredores verdes, entre outros meios fundamentais para o desenvolvimento dos ecossistemas, a promoção da biodiversidade e o equilíbrio ecológico.

O Ambiente e o Território são, por isso, matéria que, cada vez com maior relevância, ocupa o leque de preocupações do cidadão melhor informado, mais responsável e exigente do bem-estar e da qualidade de vida, pensando sempre, também, no futuro. 

Importa ter presente que oito dos ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável -, definidos pela Assembleia Geral das Nações unidas até 2030, dizem respeito ao ambiente. Um diz respeito ao que se espera das cidades em termos de tomada de decisão e nível de compromisso com os objetivos comummente estabelecidos. Assim, decisores políticos e população em geral estão colocados perante desafios que, em conjunto, deveremos perseguir. Não é tão difícil assim, desde que haja vontade. A regeneração dos solos, das águas e do ar são focos a ter em constante presença. 

Conforme relembramos no entre aspas "Restaurar a Natureza na Europa: uma urgência", a aprovação, pelo Parlamento Europeu, da Lei de Restauro da Natureza, obriga os estados-membros a restaurar 20% do seu património natural terrestre e marinho, até 2030, e todos os habitats degradados até 2050. Em breve teremos a versão final da Lei e, então, Portugal deverá transferir para os normativos nacionais esse objetivo, e pôr em prática, no território nacional, decisões integradas relativamente ao uso do solo e à edificação, à área florestada, às linhas de água e sua envolvente, ao litoral e ao oceano, entre outros. 


A exemplo da tendência nacional, ainda que forçada por via legal, não deveria Braga procurar travar a expansão urbana arbitrária e tratar de se reestruturar e rever a forma de crescer, qualificando-se? Continuará a ter sentido ampliar a cidade no sentido do meio rural e da área florestada, destruindo solo agrícola e reduzindo solo permeável e áreas que são suporte à diversidade da vida animal e vegetal? Não deverá optar-se por planear, para essasa zonas, a urbanização que promova a menor ocupação de solo, com soluções arrojadas de construção em altura, edifícios que integrem área verde (jardins ou bosques verticais), libertando solo para criação de parques e corredores verdes, ligando a cidade aos rios e à área natural? A urbanização a realizar no âmbito do Plano de Urbanização das Sete Fontes poderia ser assumida como laboratório de experimentação.

Convém ter presente que uma cidade que promove a biodiversidade e seus habitats é, também, uma cidade que proporciona qualidade de vida a quem nela habita e que é capaz de contribuir para a adaptação às alterações climáticas, contrariando, através do planeamento urbano, o aumento de ondas de calor e de pluviosidade extrema, conforme previsto para as próximas décadas. 

Podíamos seguir exemplos de outras cidades, algumas na Europa e outras noutros continentes, por vezes com temperatura muito mais elevada e que, desde cedo, compreenderam que a nova construção, nas cidades, deve seguir um paradigma oposto ao das últimas décadas. Soluções construtivas em altura, com jardins e bosques verticais, articulados com corredores verdes que cruzam a cidade e facilitam o percurso, a pé ou de bicicleta, pelos seus habitantes e por quem nos visita. Área verde que promove a biodiversidade. 


Em 2012, Milão, em Itália, que muitos conhecem pela cidade antiga e seus monumentos, como a Piazza del Duomo, com a Catedral (Duomo) e as Galerias Vittorio Emanuele, optou pela reabilitação de uma zona degradada que transformou numa zona de elevada qualidade - residencial, de comércio, serviços e espaços de espetáculo -, com construção em altura que inclui bosques verticais (reflorestamento urbano), parques verdes, corredores verdes e zonas com água. Um projeto de arquitetura urbana que contribui para a regeneração do meio ambiente, na medida em que os bosques verticais aumentam a humidade do ar, absorvem CO2, favorecem o isolamento acústico,  a diminuição da temperatura nos meses mais quentes e uma maior luminosidade nos meses de inverno, bem como a atração de aves e insetos polinizadores, promovendo a biodiversidade. 


Singapura, na Ásia, foi mais arrojada ainda quando, em 2012, investiu na criação de zonas verdes – parques, reserva natural, estufas, corredores verdes, jardins botânicos e, ainda, as “árvores” tecnológicas que captam água da chuva e atraem insetos e aves -, articuladas com edifícios altos e com bosques verticais, no âmbito de um planeamento urbano exigente sob o ponto de vista arquitetónico e ambiental. É a cidade com maior densidade de árvores em zona urbana.


Em Paris, na outrora zona degradada de Clichy-Batignolles, foi construído um bairro habitacional ecossustentável, de grande qualidade arquitetónica, lado a lado com o novo parque Martin Luther King, sendo 60 por cento das habitações a custo controlado, comprovando a possibilidade de unir três aspetos indispensáveis nas cidades do presente: habitação social, proteção do ambiente e qualidade arquitetónica e urbanística. 


Também em 2012, Braga desenvolveu o projeto A Regenerar Braga, no âmbito do qual substituiu lajes antigas de granito por placas de granito industrial, transformando praças e ruas históricas em zonas impermeáveis e excessivamente quentes. Perdeu uma oportunidade para construir cidade, como era esperado, de acordo com as preocupações já existentes em matéria ambiental. 


O que nos reserva o futuro?

Braga vai manter formas de atuar do passado ou vai olhar em frente e começar a construir a cidade do futuro, sustentável, de qualidade e inclusiva?


Está em causa a casa comum (a que se refere o Papa Francisco na encíclica Laudato si`) e TODOS a temos de defender.


quarta-feira, 23 de agosto de 2023

GESTÃO DE MUSEUS E MONUMENTOS: tomadas de posição face às mudanças decididas pelo Governo

ÚLTIMAS NOTICIAS: divulgadas pela RUM, a 20 de setembro.

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Desde que o Governo anunciou, no final de junho, alterações à tutela do património cultural português, foram variadas as tomadas de posição sobre o assunto. Os DL que procedem à criação da Museus e Monumentos, Entidade Pública Empresarial e do Património Cultural, Instituto Público, foram promulgados pelo Senhor Presidente da República, conforme divulgado no site da Presidência da República.

A ASPA pronunciou-se desfavoravelmente, junto do Senhor Ministro da Cultura e da Senhora Secretária de Estado da Cultura, a 5 de julho, tendo como ponto de partida a decisão do Governo relativamente ao Museu D. Diogo de Sousa e ao Museu dos Biscainhos. Essa tomada de posição, que não obteve resposta, foi divulgada no entre aspas publicado no Diário do Minho a 31 de julho.

Relembramos a petição em curso,  lançada por um grupo de cidadãos - https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT117143 - bem como artigos publicados sobre o assunto. Se ainda não assinou é o momento de o fazer,  reconhecendo que "a tutela municipal, recentemente anunciada pelo Ministério da Cultura, não poderá responder ao seu papel regional, de apoio à investigação e de garante de boas práticas no âmbito da Conservação e Restauro que importa prosseguir, apelando a que seja reequacionada esta decisão".

  O ICOMOS (Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios), que é o órgão consultor da UNESCO para o Património Cultural, conforme a Convenção para o Património Mundial, foi auscultado após a apresentação dos DL 274 e 275/XXIII/2023, pelo Senhor Ministro da Cultura, no final de junho. O ICOMOS elaborou o respetivo Parecer, disponível no site do FÓRUM DO PATRIMÓNIO.

Consultar documento completo


Artigos publicados ...
  • A 2 de julho, do Senhor Presidente da Câmara Municipal de Braga; 
  • A 31 de julho, entre aspas publicado pela ASPA na sequência do e-mail enviado ao senhor Ministro da Cultura, a 5 de julho;
  • A 7 de agosto, do Professor João Pedro Cunha Ribeiro (Universidade de Lisboa);
  • A 9 de agosto, do Senhor Presidente da CCDR-N;
  • A 19 de agosto, de responsáveis por organismos e/ou organizações  no âmbito do Património Cultural; 
  • A 20 de agosto, dos Presidentes de municípios do Norte a quem foi atribuída a tutela de museus e monumentos: Braga, Bragança, Guimarães, Lamego e Miranda do Douro.
  • a 30 de agosto, entrevista à Diretora do Museu D. Diogo de Sousa

  1. 7 agosto

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terça-feira, 15 de agosto de 2023

ENTRE ASPAS: "RESTAURAR A NATUREZA NA EUROPA: uma urgência"

É sabido que as agendas políticas - local e nacional - não podem deixar de ter presentes assuntos relativos ao território que, durante as últimas décadas foram, no geral, ignorados. O planeamento urbano, a nível municipal e intermunicipal, pressupõe, por isso mesmo, decisões integradas no que diz respeito ao uso do solo, aos rios, às áreas inundáveis, à vegetação rípicola que envolve as linhas de água  e a as zonas húmidas, aos parques verdes e corredores verdes, entre outros meios fundamentais para o desenvolvimento dos ecossistemas e a promoção da biodiversidade.

O Ambiente e Território são, por isso, matéria que, cada vez com maior relevância, ocupa o leque de preocupações do cidadão melhor informado, mais responsável e exigente.

Importa ter presente que oito dos 17 ODS - Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (identificados na imagem) - definidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas até 2030, dizem respeito ao Ambiente. 

Um deles diz respeito ao que se espera das cidades. em termos de tomadas de decisão e nível de compromisso com os objetivos comummente estabelecidos. Assim, tanto decisores políticos, como a população em geral estão (estamos) colocados perante desafios e atitudes que concorrem, simultaneamente, para o sucesso ou o fracasso dos desígnios que, em conjunto devemos perseguir. A regeneração dos solos, das águas e do ar são focos a ter em constante presença.

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Como contributo para o debate sobre o Ambiente a nível local, Catarina Afonso (bióloga, doutoranda) faz uma breve síntese da atuação da União Europeia no que diz respeito à Lei de Restauro da Natureza. 

Esperamos que este assunto mereça a atenção dos políticos locais em exercício, das forças partidárias com representação nos órgãos autárquicos e da população em geral. 

Está em causa o interesse de todos e TODOS o temos de defender.


RESTAURAR A NATUREZA NA EUROPA: uma urgência

Catarina Afonso (Bióloga)

"Quando exploramos os recursos naturais, diminuímos o espaço para a vida selvagem (os seus habitas). Ao longo das últimas décadas, espécies extinguiram-se, várias ficaram em perigo ou ameaçadas, os solos e os cursos de água foram sendo fortemente alterados e poluídos. Estamos já, segundo a comunidade científica, a viver a sexta extinção do planeta, a primeira desde que os humanos ocuparam a Terra.

A União Europeia pede aos seus estados-membros, desde há vários anos, que monitorizem e informem, a cada seis anos, sobre o estado dos seus habitats. Os últimos relatórios (com dados até 2018) revelam que o estado da biodiversidade europeia é alarmante: 81% dos habitats protegidos estão em mau estado de conservação. Entre os mais degradados, estão as zonas húmidas, as turfeiras e os habitats dunares. Para além disso, mais de metade das populações de peixes e anfíbios diminuíram durante a última década, uma em cada dez espécies de abelhas e borboletas está em risco de extinção, e cerca de 70% do solo europeu não é saudável. Em Portugal, 72% dos habitats estão em estado inadequado ou mau, e 80% tendem a degradar-se ainda mais se nada for feito para o evitar.

A degradação da biodiversidade europeia está tão avançada que a conservação e proteção da Natureza remanescente não é suficiente para travar a extinção de espécies, a nossa capacidade de produzir alimentos e evitar os piores impactos das alterações climáticas. De acordo com a Agência Ambiental Europeia, pelo menos 11.000 km2 de habitats precisam ser restaurados (recuperados activamente) e a área de habitats protegidos tem de ser aumentada de modo a preservar o funcionamento de cada tipo de habitat a longo prazo. Para além disso, a grande maioria das áreas de habitats protegidos existentes precisa ser restaurada para um bom estado. 

A meta de restaurar 15% dos ecossistema degradados da Europa, integrante na Estratégia para a Biodiversidade  2020 (adoptada em 2011), ficou por cumprir (em grande medida por ser uma meta voluntária). Reconhecendo isso, a Comissão Europeia propôs, em junho de 2022, um pacote legislativo com vista à obrigação dos estados-membros de restaurar 20% do seu património natural terrestre e marítimo, até 2030, e todos os habitats degradados até 2050. Note-se que, ainda assim, essa meta (20% dos habitats restaurados) é menor do que a acordada durante a Conferência da Biodiversidade de Montreal e no Quadro de Kunming-Montreal de 2019 (30% até 2030). Assim, e apesar de passar por um processo muito conturbado, o Parlamento Europeu aprovou, no passado dia 12 de julho, o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à Restauração da Natureza - a chamada Lei do Restauro da Natureza. A votação renhida (336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções), reflete a influência da oposição à Lei por parte de eurodeputados mais conservadores, pressionados pelos grandes lobbies ligados à indústria e à agricultura intensiva.

Esta é a primeira Lei europeia, em 30 anos, que visa a proteção da biodiversidade e Natureza, para além daquela que se encontra em áreas protegidas e/ou sob regime de proteção através da Diretiva Habitats de 1992 (que protege animais e plantas raras, ameaçadas ou endémicas, e cerca de 200 tipos de habitats raros), da Diretiva Aves de 2009 (que protege as espécies de aves selvagens nativas da União Europeia), e da Rede Natura 2000 (que mantém uma rede de áreas protegidas, com núcleos de proteção para espécies raras e ameaçadas e tipos de habitats raros). É também, a primeira lei inteiramente dedicada ao restauro da Natureza.

São várias as obrigações e objectivos da proposta original preparada pela Comissão Europeia que caíram por terra e, por essa razão, a Lei aprovada é considerada, por vários grupos ambientalistas, muito mais enfraquecida do que o pacote de 2021. Ficou de fora, por exemplo, o artigo sobre a promoção da biodiversidade em terrenos agrícolas, que incluía o restauro de turfeiras, um tipo de habitat essencial para o armazenamento de água e sequestro de carbono. Foram também eliminados o artigo referente ao direito fundamental de acesso à justiça e o artigo da obrigação de não deterioração dos habitats, foi suprimida a obrigação de manter nas florestas a madeira morta (essencial para a sobrevivência de várias espécies ameaçadas), o compromisso de recuperação natural dos habitats terrestres ficou limitado às áreas pré-existentes no âmbito da Rede Natura 2000, e os objetivos calendarizados ficaram dependentes de dados sobre a garantia da segurança alimentar a longo prazo (podendo levar a atrasos na implementação da Lei). Ainda assim, a aprovação da Lei do Restauro da Natureza é um passo importante, pelo menos em teoria, para recuperar certos ecossistemas terrestres e marinhos que foram sendo gravemente degradados, incrementando o sequestro de carbono na Europa, protegendo solos e água e pondo um travão ao alarmante declínio dos polinizadores.

A Lei do Restauro da Natureza segue agora para negociação entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão Europeus, de onde sairá a versão final e vinculativa da Lei. Esperemos que, ao abrigo da nova Lei, a Europa e Portugal sejam capazes de restaurar a Natureza europeia, conciliando a proteção da biodiversidade e as nossas necessidades como humanos, pois é urgente enfrentar a dupla crise da biodiversidade e do clima, auxiliando a construção da resiliência da Europa."


P.S. Acrescentamos ao texto hiperligação para as diferentes diretivas europeias (ou informação sobre o assunto), de modo a facilitar a compreensão do processo que conduziu à necessidade da Lei do Restauro da Natureza.