Em março de 2019, como elemento do Conselho Estratégico para a Regeneração Urbana de Braga (CERPUB), a ASPA manifestou-se negativamente no que diz respeito à solução arquitetónica e urbanística constante do Pedido de Informação Previa (PIP) do Hotel Plaza Central, designação inicial do hotel. Enviou as razões da decisão ao senhor Presidente da Câmara Municipal de Braga, e partilhou através de um “entre aspas”, publicado a 29 de abril de 2019. Foram várias as tomadas de posição e “entre aspas”, de 2019 a 2024, sob o ponto de vista patrimonial e ambiental. |
Era uma vez uma cidade que vai ser capital portuguesa da cultura (2025) e que é candidata a capital verde europeia (2026). Que tem um monumento barroco, da primeira metade do século XVIII - Recolhimento de Santa Maria Madalena ou das Convertidas - na sua praça mais central, classificado de interesse público.
Nesta cidade, conhecida por “Capital do Barroco”, assistimos à construção de uma unidade hoteleira de volumetria desproporcionada e pastiche, contigua ao monumento, a poucos metros da sua Cerca e em plena Zona Especial de Proteção. ZEP que, segundo a Portaria nº 665/2012, de 7 de novembro, “tem em consideração a sua implantação numa área da cidade perfeitamente consolidada, onde outros edifícios com interesse arquitetónico contribuem para a valorização do imóvel e a sua fixação visa salvaguardar alguns dos imóveis da frente urbana da Avenida Central, bem como toda a Rua de São Gonçalo que, por ser bastante estreita, estabelece uma relação direta com o imóvel.”.
Que exemplaridade pode esta cidade dar aos seus jovens, às entidades avaliadoras europeias do património e ambiente, e à cidadania, com uma obra paredes meias com um monumento protegido e que motivou pedido de embargo da DRCN (junto da CMB)? Obra que impermeabilizou parte deste quarteirão urbano e irá aumentar a concentração de trânsito no centro histórico, apesar de a cidade se ter comprometido a reduzir as emissões de CO2 em 55%, até 2030!
Onde está o jardim interior que constitui área de cedência pública ao Município mas, para o qual, não existe acesso desde início? Será que o único objetivo é a intenção de desmembrar a Cerca do Recolhimento para dar servidão à logística do hotel, através da rua de S. Gonçalo, com apropriação de património cultural público?! Essa intenção não nos passou despercebida no projeto inicial, que também anunciava 110 quartos e 35 lugares de garagem, entre outros espaços habituais numa unidade hoteleira desta dimensão.
Depois do erro urbanístico consumado, será que o edificador tem em vista tornar-se num generoso mecenas, prontificando-se a fazer aquilo que as entidades públicas não foram capazes de fazer até agora? Desejará o monumento, ou parte dele, para tornar mais “in” a oferta hoteleira que edificou com entrada junto à Capela do monumento?! Isso seria mais um atentado ao património de todos os bracarenses, uma feia reescrita da história em pretender apagar a memória da condição feminina e a luta dura das mulheres pela sua dignidade e emancipação!
O Recolhimento revela deterioração, visível do exterior, o que obrigou à caridade dos hoteleiros meeiros em caiar uma parede para a fotografia da cerimónia da inauguração. Esqueceram a outra parede?!
Perturba, porque recorda a pobreza de que ainda há memória, a miséria feminina desprotegida, mas sobretudo, a exploração da mulher aos níveis mais baixos que a história nos testemunha. As Convertidas são uma memória viva e continuada de um passado que não pode ser mitigado ou esquecido. De facto, a pobreza recorda-nos a população mais desprotegida, nomeadamente doentes, crianças e mulheres carenciadas; não casa bem com a hotelaria, pois sabemos que a magia dos hotéis é fazer-nos sentir ricos e bem tratados.
Quem habita esta cidade saberá que o valor do Recolhimento das Convertidas, a Capela de São Gonçalo e a Cerca e os seus altos muros valem por todo o seu conjunto? Uma integralidade à qual deve ser adicionada a intangibilidade da memória constituída pela sua função contínua de cerca de 300 anos! Importa lembrar que este conjunto é uma pérola do barroco conventual, único em Portugal e, por isso mesmo, o Estado Português lhe atribuiu a classificação de Monumento de Interesse Público.
Os corredores estreitos e as celas exíguas, bem como o coro-alto, separado por crivaria, onde as mulheres assistiam à missa que decorria na Capela de São Gonçalo, sem serem vistas, permite-nos construir um imaginário de vivências dessas mulheres, desde o início do séc. XVIII, que estavam afastadas da vida urbana que rolava fora de muros. O seu quotidiano, bem como o isolamento a que estavam sujeitas, e o modo como ocupavam a sequência de dias e noites, têm sido motivo de estudo por académicos e artistas. Toda uma atmosfera frágil que gera um ambiente único, mesmo a nível europeu, permitindo aos visitantes viajar no tempo, sentirem-se privilegiados por poder desfrutar, também, desse património imaterial, que nenhuma simulação, multimédia, ou artificialidade hoteleira é capaz de substituir.
O termo “Convertidas” está, pois, associado a sofrimento, tristeza e isolamento!
Desafiamos cada bracarense a chegar às suas próprias conclusões.
Neste momento será possível afirmar que a ZEP foi respeitada?
Será possível afirmar que foi respeitada a segurança, integridade e monumentalidade, bem como a cércea do Recolhimento das Convertidas?
A Capela de São Gonçalo encontra-se segura? Então, porque motivo ainda não são permitidas as visitas?
Lembramos que compete ao atual Executivo Municipal e ao Património Cultural, I.P., respeitar a classificação desta pérola do barroco conventual.
A defesa do Recolhimento das Convertidas, da Capela de São Gonçalo e da Cerca de muros altos que protege este conjunto com distinção de âmbito nacional, é um sonho de muitos bracarenses. O monumento é património dos bracarenses e de Portugal, constituindo um genuíno repositório da história da exploração da mulher, pelo que deve ser preservado pela sua memória material e imaterial para resgate às futuras gerações.
Salvemos o nosso património!
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