INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

ENTRE ASPAS: "Divulgar Bracara Augusta/Braga"

Ampliar

A Arqueologia é uma disciplina científica que se desdobra em inúmeras especialidades. Neste amplo quadro a Arqueologia Urbana é uma das áreas de investigação mais complexa, designadamente porque se realiza em cidades vivas, com tempos sobrepostos, incluindo o presente, pelo que implica uma íntima relação com a cidade. De outro modo, os resultados das intervenções ficam cingidos ao espaço restrito da divulgação científica, criando-se um fosso indesejável entre o passado e o presente.

As circunstâncias em que nasceu, em Braga, o primeiro salvamento de Arqueologia Urbana, iniciado em Portugal, constituem um marco. Em recente dissertação de doutoramento, aprovada na Faculdade de Letras de Lisboa, lê-se:

“O salvamento de Bracara Augusta foi a primeira grande experiência de salvamento de carácter institucional desenvolvida em Portugal (Silva, 2002a, p. 307). O movimento nasceu em contexto associativo em 1973, mas rapidamente foi integrado numa estrutura da administração central (Alves, 2019, p. 8-9), o Campo Arqueológico de Braga. Esta experiência constituiu um laboratório de experimentação para diversas soluções institucionais para a Arqueologia portuguesa, uma vez que ao Campo Arqueológico de Braga sucederam a Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho (Martins, 1989, p. 170), o SRAZ Norte (o primeiro a ser criado no IPPC), o Museu de D. Diogo de Sousa (Silva, 2002a, p. 314) e o serviço municipal de Arqueologia de Braga. Assim, em consequência deste projecto de salvamento, a cidade de Braga tornou-se, no final dos anos 70 e início dos 80, um dos mais importantes polos da Arqueologia portuguesa (Alves, 2019, p. 17)” (Jacinta Bugalhão in A Arqueologia em Portugal entre o final do século XX e o início do século XXI (1970 – 2014), Volume 1, p. 537).”

Na dissertação, a autora cita assiduamente o projecto de Bracara Augusta, e numerosa bibliografia, incluindo artigos publicados na revista Fórum, editada pelo Conselho Cultural da Universidade do Minho (UM) ou na Mínia, editada pela ASPA.

O estudo das ruínas da urbe fundada por Paulo Fábio Máximo, em nome do Imperador Augusto, teve continuidade até ao presente. Estendeu-se, também, no tempo, no estudo do modo como da matriz romana se evoluiu para a cidade medieval.

Assim, ao longo de quase 50 anos, publicaram-se inúmeros textos científicos, em congressos, em revistas portuguesas e estrangeiras. Todos acessíveis no RepositoriUM (Universidade do Minho), ou em browsers científicos internacionais.

Porém, a verdade, é que este volume impressionante de informação, formado por centenas de trabalhos, não tem impacto na cidade, não é conhecida pelo público que a habita.

Na fase inicial do Projecto, estabeleceu-se uma relação com a cidade, através da Imprensa, da ASPA e da Biblioteca Pública de Braga. As sucessivas descobertas eram divulgadas em conferências que se realizavam no Museu Nogueira da Silva. O público que assistia a estas sessões era variado. Havia, porém, uma pessoa que raramente faltava: o Professor Lúcio Craveiro da Silva. O registo de todas estas conferências está disponível na revista Fórum, na secção dedicada às actividades promovidas pelo Conselho Cultural (UM), ao cuidado de Henrique Barreto Nunes. O conteúdo das mesmas também era divulgado quase sempre na citada revista, disponível “online”.

Ao tempo ainda não se tinham generalizado as redes sociais.

Porém, no contexto presente, em que os meios de comunicação se diversificaram com a Internet, perdeu-se a salutar práctica de divulgar as novas descobertas. Quebrou-se um elo importante entre a Arqueologia e a Cidade.

Talvez reconhecendo esse problema, a Unidade de Arqueologia da UM (UAUM) ainda chegou a editar boletins semestrais, que se ficaram por escassos três números.

Mas, em bom rigor, não cumpre à Unidade de Arqueologia a difusão extensiva do conhecimento adquirido, mas tão somente o da vertente científica. Assim preconizamos que volte a editar o boletim digital “online”, e abra uma página no Facebook e no Instragam, com o registo, mesmo sintético, dos trabalhos de campo e dos projectos em curso. E, quando ocorrem descobertas de maior relevo, conferências específicas como a que se realizou sobre achados na Rua da Senhora do Leite.

A divulgação na cidade compete também a duas entidades: o Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Braga e o Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa (este no domínio das colecções do seu acervo). O GA da CMB, tendo acesso a toda a informação produzida, deve estar na primeira linha da divulgação. Ora o Gabinete de Arqueologia não está a atuar como primeiro interlocutor com a cidade. Porquê? Quem o tutela, ou seja o Presidente da autarquia, poderá responder. Talvez seja necessário definir uma nova estratégia e reforçar a referida entidade camarária com mais arqueólogas (os).

Lisboa, onde a Arqueologia Urbana se estruturou muito depois, é um exemplo a seguir. De facto, o Centro de Arqueologia da Câmara Municipal de Lisboa (abreviatura CAL) tem linhas de divulgação, a vários níveis. A científica, indispensável, organizando colóquios específicos. Mas também dá a conhecer os resultados em instâncias associativas, como a Associação dos Arqueólogos Portugueses ou a Sociedade de Arqueologia de Lisboa. Mas são as acções de divulgação dos resultados a nível do bairro que mais entrelaçam a sua actividade com a população. Sempre que, numa determinada área da cidade, se efectua uma intervenção, seja de emergência seja no quadro de um projecto de requalificação urbana, o CAL apresenta os resultados no bairro em que se interveio (a actividade do CAL é difundida no Facebook onde tem página própria).

O caminho está, pois, claramente definido. Basta a vontade da Presidência da CMB, e da Unidade de Arqueologia da UM, para o concretizar.

                                                                                   Francisco Sande Lemos

                                                                                   (Arqueólogo)

Imagens: sessão sobre Bracara Augusta, com Francisco Sande Lemos, no Museu Nogueira da Silva. Arquivo HBN.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário