INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

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terça-feira, 19 de julho de 2022

ENTRE ASPAS "A réplica da Fonte do Ídolo existente no Museu Marins Sarmento"

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Os métodos de estudo e preservação das relíquias do passado foram-se alterando com o evoluir quer das técnicas, quer da perceção científica dos vestígios. Devemos a uma geração pioneira de arqueólogos o estudo inicial de vários monumentos, que nos proporciona hoje registos interessantes do estado em que se encontravam há mais de cem anos atrás. A Fonte do Ídolo é um desses casos. Terá sido um santuário que existiu, em época romana, na periferia da cidade de Bracara Augusta, hoje no centro de Braga, perto da confluência entre a Avenida da Liberdade e a rua do Raio. Foi trazido à luz por uma publicação de Contador de Argote, no século XVIII, que dele publicou uma ilustração. No final do século XIX, foi estudado por vários eruditos, destacando-se Emil Hübner e Leite de Vasconcelos, cujos estudos coincidiram com os de Albano Belino e Francisco Martins Sarmento. Depois da intervenção promovida pela Direção Geral dos Monumentos Nacionais, na década de 1930, o antigo santuário permaneceu fechado durante décadas, até que foi finalmente estudado pela Universidade do Minho, entre 2002 e 2004, no âmbito de um projeto de musealização da autoria de Paula Silva, promovido pela mesma Direção. Os trabalhos de escavação arqueológica e registo foram coordenados por Manuela Martins e Francisco Sande Lemos.

A Fonte do Ídolo é uma antiga nascente natural, cuja água brotava através de uma rocha granítica, o que se pode, desde logo, relacionar com as convicções espirituais, quer do período romano, quer do imediatamente anterior, a Idade do Ferro.  As pesquisas mais recentes, que incluíram a envolvente do monumento, permitiram identificar vestígios da utilização do espaço na Idade do Ferro, que seria ocupado sazonalmente. Não há, contudo, indícios de construção associados ao local da fonte, nesta fase, o que sugere a sua utilização na plenitude das suas características naturais, como seria comum nesta época. É ao período romano, em dois momentos cruciais, que se atribuem os vestígios mais expressivos: os finais do século I a. C., em que um indivíduo chamado Celicus Fronto terá promovido a edificação do santuário; e a segunda metade do século I d. C., quando o neto e bisnetos do mesmo Celicus Fronto empreenderam a reforma do mesmo. O espaço seria dedicado à deusa Nabia, associada às águas, fertilidade e abundância, bem como a outra divindade identificada como Tongus Nabiagus. Além das várias inscrições latinas que identificam as personagens e as divindades associadas ao recinto, conservam-se na fachada esculturada da fonte, uma figura em pé, ao centro, que enverga uma toga, identificada com a deusa Nabia ("ídolo" que atribuiu o nome ao local), bem como uma edícula, do lado direito, com um busto esculpido em relevo, identificado como a possível representação de Tongus Nabiagus.

A Fonte do Ídolo é um local único, sem um paralelo evidente no Norte da Península Ibérica. A localização nas imediações de uma importante cidade romana terá facilitado a continuidade de um culto pré-romano, perfeitamente enquadrado nos cânones religiosos do Império, de que os vestígios da arquitetura são exemplo. A utilização de uma nascente, a invocação de uma divindade associada às águas e a identificação dos deuses tutelares como indígenas, não poderiam passar ao lado do interesse científico de Francisco Martins Sarmento, nem de Albano Belino.

A ideia de fazer uma réplica da fonte alimentou o espírito de Sarmento por duas razões principais. A primeira, assumida, porque pretendia um decalque rigoroso das epígrafes latinas, com o objetivo de as estudar ao pormenor. A segunda, subentendida, porque Sarmento já tinha testemunhado a destruição e desaparecimento de muitos vestígios arqueológicos, temendo idêntico destino para as inscrições e esculturas da Fonte do Ídolo. Assim, a ideia de fazer uma réplica obedece ao princípio de preservação e estudo dos vestígios do passado, que sempre fez parte da missão do Museu Martins Sarmento, na altura, de criação recente.

A realização da réplica foi encomendada por Sarmento a um estucador, que se dirigiu a Braga e efetuou o molde sob supervisão de Albano Belino, em finais de Janeiro de 1895. Não se conhece a identidade do estucador, referido por Sarmento como "o meu Fídeas" ou "o artista". No dia 29 de Janeiro do mesmo ano estava a montar-se a réplica no claustro de São Domingos de Guimarães. Feito o molde em Braga, construiu-se uma estrutura em ferro, preenchendo o interior com argamassa e tijolo e a superfície exterior em gesso modulado. Tanto a figura togada, como a edícula com o busto em baixo relevo, bem como as cinco epígrafes, têm o mesmo tamanho dos elementos originais.

No início de Fevereiro de 1895, escrevia já Sarmento a Belino: "Pelo que vejo do esboço que me manda do Ídolo, e que muito agradeço, o meu rapaz não asnearia muito, mas asneou alguma coisa.".

A réplica mantém-se no local, tendo sido restaurada, entre os finais de 2021 e o início do corrente ano de 2022, por uma equipa coordenada por Susana Laínho, num trabalho moroso e complexo, pela natureza dos materiais utilizados e estado de degradação que rapidamente atingem. Preserva-se, assim, a memória dos primeiros arqueólogos que estudaram a Fonte do Ídolo, promovendo também, em Guimarães, a herança de Bracara Augusta.

                                                            Gonçalo Cruz
                          (Arqueólogo na Sociedade Martins Sarmento)

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