Está na ordem do dia a atração dos investidores turísticos pelas cidades,
pelos seus centros históricos, por espaços qualificados e pela riqueza da vida
urbana. A atividade turística das cidades e dos sítios decorre da riqueza
patrimonial, do nível cultural da atividade humana e da particularidade da
condição natural. No essencial, um turista visita uma cidade para consumir
património e cultura. Procura o que lhe é mais característico e peculiar, as
gentes e as vivências.
A atividade turística tanto é promotora do crescimento económico e do
cosmopolitismo, como é predadora (consome, desgasta, transforma, introduz
população flutuante e corre o risco de descaracterizar). Uma coisa não vive sem
a outra. Daí a necessidade de as cidades e os municípios se prevenirem e
armarem de meios que as defendam e lhes permita enfrentar o crescimento da
componente turística de forma integrada. Por um lado, deve promover-se e por
outro, proteger-se.
Desde há décadas que o Estado vem deixando de usar edifícios antigos, abandonando-os,
optando por construir novas edificações, alegadamente mais funcionais e
confortáveis.
Não há dúvida que a indústria hoteleira tem sido a atividade que se tem
revelado como a mais capaz e criativa na reutilização de edifícios antigos. Já
o tem feito de forma exemplar. Tem sido mesmo o único recurso para a manutenção
de muito do património nacional.
Ou seja, o apetite pelos investimentos hoteleiros tem duplo sentido:
interessa aos edifícios (e às cidades) e aos investidores.
Nesta lógica, mantendo-se o paradigma da opção do Estado pela obra nova e a
incapacidade financeira do setor cultural, em grande parte dos casos, não nos
parece restar outra solução ao património que não seja o investimento privado
e, dentro deste, a atividade que se afigura como mais propícia é a turística.
Enquanto defensores da salvaguarda do património edificado, não nos choca
que alguns edifícios históricos de Braga venham a reinventar-se como
estabelecimentos hoteleiros ou similares.
Preocupa-nos, sim, a forma como a adaptação é efetuada, a adequabilidade do
programa ao contexto urbano e os impactes cumulativos que possam ocorrer.
Para ambas as situações se espera que haja igual interesse por parte das
entidades competentes. Ao Município é oferecida a possibilidade de criar ferramentas
regulamentares e fórmulas negociais que conduzam ao enquadramento das
iniciativas privadas no quadro estratégico da cidade. Pode, e deve, agir
proactivamente, na posse de ideias claras para a cidade, princípios
orientadores e políticas adequadas ao interesse público.
Isto tanto diz respeito aos objetos sujeitos a intervenção, como aos usos.
Os usos são a vida e matéria essencial à caracterização das cidades. A sua
alteração deve conciliar interesses privados e estratégia municipal.
Sabemos que não é possível (nem desejável) regulamentar tudo. Também não
pode haver um regulamento para cada caso ou cada edifício. Tem de haver, sim,
objetivos claros, estratégia adequada e ação política competente e corajosa.
Trata-se de um desafio constante. Em Braga é premente. Apontam-se múltiplos
interesses na utilização de edifícios históricos para hotelaria.
No caso do Edifício do Tribunal, já reduzido à fachada, do ponto de vista
patrimonial e do uso, a transformação em hotel não nos parece que implique
impactos negativos.
O Edifício do Castelo não parece que se adeque e, caso venha a ser esse o
destino pretendido, naturalmente que se colocam de imediato os impactos
negativos da sua acessibilidade sobre o sistema funcional daquela parte da
cidade.
O que se prevê para o Edifício
S. Marcos afigura-se-nos potencialmente adequado ao interesse da preservação do
património e potenciador da regeneração da área em que se insere. Importa
conhecer o plano de investimentos e o projeto.
Quanto ao Cinema S. Geraldo,
o projeto pretendido implica a destruição de dois edifícios emblemáticos: a
sala de espetáculos e o edifício Pé Alado (o único exemplar de arquitetura
pós-modernista em Braga). Faz desaparecer uma das duas únicas casas de
espetáculo de Braga que, apesar de desativada, constitui uma reserva para o
futuro. É uma perda pela destruição do
património cultural e do seu uso. Uma decisão muito infeliz por parte dos
proprietários, dos promotores e da Câmara.
Este é um caso
excecional e, para o resolver, são necessárias medidas excecionais. Braga não
pode perder o edifício do centenário Salão Recreativo e o sexagenário S.
Geraldo, nem desperdiçar uma sala de espetáculos. Também não pode perder o
pouco considerado Pé Alado e o equilíbrio que este pequeno edifício atribui à
praça em que se integra (a reconstrução da fachada é má solução e irá acentuar
a presença negativa do Shopping Santa Cruz e diminuir a dignidade do conjunto).
Também há que reconhecer que o hotel pretendido se afigura de modesta qualidade
(quartos sem contacto com o exterior que levariam a notas negativas em qualquer
motor de busca) e corre o risco de vir a prejudicar outros de melhor gabarito.
Neste contexto de atração de investidores turísticos por espaços de valor
patrimonial não seria de a Autarquia os conduzir para a recuperação da antiga
Escola D. Luís de Castro, que se encontra em risco de ruir e, afinal, pertence
ao Estado Português? Com uma única ação resolviam-se dois problemas.
O Turismo é bem-vindo a
Braga, mas esta tendência pode adquirir efeitos negativos cumulativos, em
especial se for concentrado no centro histórico. Fica
o alerta!
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