Ninguém tem dúvidas de que o cinema S. Geraldo é um espaço de referência a
nível cultural no Centro Histórico de Braga.
Com um projeto do final da primeira década do séc. XX, iniciou atividades
em 1924 como Salão Recreativo Bracarense, tendo sido sede de associações, palco
de inúmeros espetáculos e exibido vários filmes. Em 1950 foi transformado no
cinema S. Geraldo. Este estreou-se, segundo Joaquim Gomes1, com a
exibição do filme "Cruzeiro de Férias" e terá impressionado “pela
qualidade e luxo que esta sala de cinema oferecia aos seus clientes,
nomeadamente ao nível da nitidez da imagem e qualidade do som”.
Foi a primeira sala bracarense especificamente destinada a cinema, época em
que Braga deu um grande contributo para a divulgação cinematográfica na região.
A sala dispunha de tribuna e plateia com cerca de 800 lugares. Funcionou até
aos anos 90 do séc. XX e, apesar de encerrado há mais de 20 anos, ainda lá está
hoje decadente, mas pouco alterado. Um espaço vocacionado para o espetáculo, que
pacientemente aguarda reabilitação quando se aproxima a comemoração de um
século de existência.
Para muitos bracarenses é o lugar de inúmeras memórias de várias épocas da
cidade. Para os mais novos ou para quem muito recentemente se fixou em Braga e
que nunca viu o seu interior, desconhecendo as vivências que aí tiveram lugar,
o cinema S. Geraldo é uma incógnita. Mas todos apreciam salas de espetáculo
semelhantes que, por toda a Europa têm sido reabilitadas e rapidamente se
assumiram como eixos promotores de cultura, de encontro de gerações e, também,
como polos de atração turística. Espaços que dão às cidades que os respeitam a
autenticidade que as distingue e valoriza.
O Cinema S. Geraldo insere-se no já tão sacrificado Largo Carlos Amarante e
exige, por isso, uma reabilitação que respeite o espírito do lugar e a herança
cultural que lhe está associada.
Não podemos ignorar o passado deste quarteirão do Centro Histórico de
Braga, outrora marcado pelo Convento dos Remédios (derrubado por uma vereação
republicana), do qual nos chegaram não mais do que fragmentos e alguns registos
gráficos. No entanto, em 2005, na base do cinema S. Geraldo foram realizadas
sondagens e escavações arqueológicas. Seria bom, para o conhecimento da parte
da cidade em que se insere, que o resultado dessa operação fosse transmitido
aos cidadãos e deixasse de revestir o carácter de incógnita.
Mais recentemente (2012), na proximidade no edifício Liberdade Street
Fashion, foram encontrados elementos importantes para o conhecimento da Bracara
Augusta (um tramo da via XVII, a necrópole adjacente e mais para Sul as ruínas
bem conservadas de um edificado do Alto Império com finalidade que se admite
ter sido ritual) que reforçam o valor arqueológico atribuído ao subsolo desta
parte da cidade.
É importante lembrar que no atual Programa Estratégico de Reabilitação
Urbana do Centro Histórico (ao abrigo do DL n.º 307/2009 de 23 de Outubro)
se prevê a reconversão do cinema S. Geraldo para auditório de apoio,
estrutura vocacionada para "eventos - encontros, seminários, reuniões de
pequena dimensão, que possam atrair as dinâmicas de outras instituições, que
atualmente têm sede na cidade, mas que se localizam nas zonas de expansão”. Mesmo nas Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2016, o
atual executivo municipal assume o cinema S. Geraldo como exemplo de potencial
patrimonial e histórico e apresenta-o como investimento a fazer
“com eventual apoio de instrumentos financeiros de estímulo à regeneração
urbana disponibilizados pelo município”; no âmbito do Concurso de Ideias
Profissionais de Arquitectura promovido pela CMB e pela CIP (Confederação
Empresarial de Portugal) em 2015, foi considerado pelo município como um
edifício emblemático a reabilitar.
Tudo indicava que sendo este edifício propriedade privada, seria alvo de
negociação/entendimento no âmbito de uma das operações de regeneração urbana do
Centro Histórico de Braga a desenvolver.
Porém, recentemente, foi apresentado um projeto que, à partida, além de não
equacionar a reabilitação do cinema São Geraldo, previa a construção de um
parque de estacionamento com dois pisos subterrâneos e rampas de acesso em
plena praça (solução felizmente não autorizada pelo executivo municipal) e determina
a demolição do cinema. Para aquele espaço, define novos usos: hotel e
espaço gastronómico (comercialmente denominada de “praça da alimentação”).
Projeto que, apesar de ter sido desenvolvido em paralelo com o desenrolar do
concurso de ideias, não teve em consideração o valor que o município lhe
atribuía há anos.
Sabemos que o São Geraldo não é um edifício monumental. Também não são as
características formais a sua grande
virtude. A sua relevância hoje reside no potencial que detém enquanto
equipamento cultural já construído, na complementaridade natural que poderá vir
a ter com o Theatro Circo, contribuindo para a criação do complexo que, com
custo relativamente reduzido, poderá atingir escala para catapultar esta cidade
para uma outra dimensão cultural.
Braga será capaz de lançar um projeto mais ambicioso para o local, como um
centro cultural público (como há um mês defendia Fernando Coelho2 nesta
mesma coluna Entre Aspas)? Ou mesmo privado, seguindo o exemplo do que
aconteceu com o São Mamede, em Guimarães? Ou até uma ponderação séria de uma intervenção
mais arrojada, que nos devolvesse o equilíbrio do largo setecentista através da
aparente “reposição” da fachada do Convento dos Remédios como é muitos vezes proposto
em fóruns da cidade e defendido na solução vencedora do concurso de ideias?
1 - GOMES, Joaquim, Correio do Minho,
10 maio 2015
2 - COELHO, Fernando – “Cinema S.
Geraldo – triste e abandonado”, Diário do Minho, 11 jan. 2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário