INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Entre Aspas "Coleção Bühler-Brockhaus, “Antiguidade Clássica no Mediterrâneo”. Um incentivo ao mecenato empresarial e individual"


No passado dia 21 de outubro tivemos a oportunidade de tomar parte da sessão inaugural da Coleção Bühler-Brockhaus, “Antiguidade Clássica no Mediterrâneo”, a qual teve lugar no Museu de Arqueologia de D. Diogo de Sousa, em Braga. Tal como foi amplamente difundido na comunicação social, trata-se de uma doação que veio alargar o âmbito da exposição permanente daquele Museu, gerando um diálogo e uma complementaridade, entre a que poderemos considerar como zona que serviu de berço à civilização grega e romana e a ocupação humana, nesse mesmo período cronológico, na fachada atlântica em cuja região nos integramos. 

Esta feliz circunstância levou-nos a formular algumas reflexões, que aqui partilhamos, que decorrem da conjugação de vários fatores, nomeadamente: a relevância deste conjunto de obras de arte e o simbolismo que as mesmas encerram para a valorização do património regional e nacional;  o altruísmo deste casal de nacionalidade alemã; a importância do desenvolvimento de estratégias continuadas para a requalificação do património nacional; a urgência em reforçar a capacidade técnica de intervenção ao nível da conservação e restauro; o compromisso da cidade, e dos cidadãos a nível individual, na promoção e defesa do património local.

 As nossas primeiras palavras vão para o casal alemão, Marion e Hans-Peter Bühler-Brockhaus, em jeito de uma singela homenagem, pela sua atitude de generosidade e sentido do interesse coletivo, sobretudo numa época em que temos sido confrontados com o desvio e a apropriação indevida de obras de arte, (que empobrece o acervo nacional) quando, na verdade, deviam ser de usufruto público. Não menos relevante é o facto destes mecenas terem escolhido o Museu D. Diogo de Sousa para entregarem a sua Coleção, fruto da dedicação e do gosto de toda uma vida. Esta escolha decorreu do estabelecimento de laços de conhecimento e confiança na capacidade técnica desta instituição museológica, mas também na integridade e dedicação profissional das pessoas que a integram, fator que nos apraz realçar, e que distingue a forma como as instituições públicas servem o bem comum.

O segundo aspeto tem a ver com a qualidade da Coleção que passou a integrar a exposição permanente do Museu, cuja informação sobre cada uma das obras de arte foi publicada num Catálogo, também ele oferecido pelos Doadores, ´disponível na loja do Museu. De acordo com os investigadores, estamos perante um conjunto de bens patrimoniais de grande relevância, no contexto das coleções europeias datadas do período clássico, havendo peças que, pela sua raridade, assumem um caráter único, representando uma mais valia para o legado europeu, e colocando esta Coleção no roteiro da antiguidade Clássica. Para o grande público, o facto de estar perante um conjunto de obras com um cariz mais humanizado e com uma dimensão estética mais acessível como, por exemplo, as esculturas ou os mosaicos, torna este acervo mais tangível e capaz de suscitar facilmente emoção e afeto.

Nas intervenções proferidas durante a cerimónia pública de inauguração foi por diversas vezes sublinhada a importância da estratégia de valorização continuada da cidade, em torno de “Bracara Augusta”, o que “nos” permite hoje oferecer um circuito de sítios arqueológicos preservados, e passíveis de fruição pública, no centro histórico e em torno do Museu, que se constitui naturalmente como um grande polo de mediação, ou um ponto de interpretação e mediação das ruínas romanas em seu redor. A ASPA, que sempre defendeu a valorização deste rico património em Braga, congratula-se pela prossecução do projeto das Carvalheiras e do Núcleo de ruínas de Stº António das Travessas, nos próximos anos, dando expressão a uma nova centralidade à zona do Alto da Cividade.

A questão do reforço da componente técnica do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa foi, mais uma fez, abordada pela ASPA, junto da Diretora Regional de Cultura do Norte, na sequência de uma recente audiência, por nós solicitada, relativamente a património em risco, na qual tinha sido já referida a falta de renovação dos quadros de pessoal deste Museu. Temos consciência de que este problema é transversal à generalidade da administração pública mas, enquanto entidade promotora da preservação e valorização do património, entendemos dever continuar a insistir na definição de uma estratégia para os museus nacionais, muito particularmente no que respeita às competências específicas, nomeadamente da conservação e restauro das coleções à guarda do Estado. O conhecimento técnico nestes domínios específicos do património constrói-se ao longo de anos de prática e na observação constante dos artefactos, muito para além do que se aprende nas universidades. Acontece que a passagem dessa informação/desse testemunho não se faz, mercê do envelhecimento dos poucos técnicos em exercício e da falta de renovação geracional. Mantém-se a pergunta que endereçamos ao Ministério da Cultura: para quando uma estratégia nacional para os museus, que lhes garanta o cumprimento cabal da respetiva Missão?

Uma última reflexão, na qual nos incluímos, que deixamos à consideração da cidade, e que se prende com o compromisso coletivo, mas também empresarial e individual, perante a salvaguarda e promoção do nosso património local. Registámos, com regozijo, que na sequência do mecenato, iniciativa do mesmo casal de doadores, que também custeou obras de requalificação do imóvel do Museu orçadas em 410 mil euros, foi realizado um Protocolo entre a Direção Regional de Cultura do Norte, o Museu, e a Fundação Bracara Augusta, com o intuito da gestão desta intervenção. Esta colaboração permitiu otimizar o tempo de execução dos trabalhos de valorização do imóvel e conferiu, à Fundação Bracara Augusta, um papel primordial enquanto entidade promotora da angariação de mecenato destinado à recuperação de património local.

Todos temos consciência que a dimensão da tarefa de preservação e conservação do património da cidade, e do território envolvente, ultrapassa a capacidade de resposta das entidades públicas vocacionadas para o efeito. Dispondo a cidade da Fundação Bracara Augusta, cujo desígnio foi recentemente reformulado no sentido de apoiar e incentivar a valorização do nosso património, torna-se premente avançar com projetos de captação de mecenato empresarial e individual que nos permitam, coletivamente, ser agentes ativos e intervenientes na valorização do que é nosso.

Ao Museu e à cidade coube, com esta doação, a oferta de um busto do Imperador Augusto. Aos bracarenses, cabe honrar o compromisso de valorizar o seu património que, a todos e cada um de nós, de forma particular e afetuosa, pertence.

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