INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 2 de março de 2020

ENTRE ASPAS "FÁBRICA CONFIANÇA: estudo arqueológico exaustivo do edificado e do subsolo"

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No município de Braga regista-se um expressivo número de monumentos classificados ou em vias de classificação (ao todo 68, alguns deles desde 1910). Na verdade, condições geográficas muito específicas, designadamente o relevo granítico (permitindo a formação de água no subsolo e de fontes naturais), a pluviosidade regular, os invernos amenos, o posicionamento entre as bacias hidrográficas dos rios Ave e Cávado, entre outros aspectos, favoreceram uma densa ocupação do território ao longo de milénios. O número de locais protegidos por lei documenta muito parcialmente o amplo espectro cronológico da História do concelho, bem como a sua centralidade no contexto geográfico de Entre Douro e Minho.
No conjunto de monumentos classificados predominam os que se inserem no âmbito da Proto-História, da Época Romana, da Idade Média, do Renascimento e do Período Barroco, correspondendo a momentos significativos da história da urbe bracarense e dos seus arredores
Contudo, também na Idade Contemporânea, a cidade de Braga foi um dinâmico centro comercial e industrial. De facto, esta outra vertente do legado histórico, que urge proteger e conservar, tem sido pouco contemplada e, talvez por isso, alguns imóveis como, por exemplo, o Palacete Mattos Graça, os Antigos Correios, ou magníficos prédios de Arte Nova já desapareceram, ou foram profundamente alterados. Também foram destruídos equipamentos interessantes e com qualidade estética como sucedeu com o Reservatório de Água do Alto da Cividade. 
Neste contexto, a Fábrica Confiança destaca-se, não só porque se insere no âmbito da Idade Contemporânea, como também pelo seu significado na memória urbana e, mesmo, pelo seu valor intrínseco, designadamente pela sua fachada, cuja linhas depuradas revelam a funcionalidade do imóvel.
Recordamos que outros testemunhos dos primórdios da Indústria da cidade já foram destruídos, como a Fábrica Social Bracarense, pelo que é indispensável conservar o que resta.
Aliás, a Fábrica Confiança carece de um amplo estudo de Arqueologia Industrial, de modo a que seja averiguado como foi construída, os materiais utilizados, as alterações que se verificaram ao longo do seu funcionamento como unidade produtiva. Pelo que são necessários trabalhos arqueológicos não só na vertical (exº: estudo das paredes e argamassas) como também sondagens orientadas para se estabelecer o modo como foram assentes os alicerces do edificado, o sistema de drenagem, a implantação da maquinaria. E, paralelamente, estudos completos do estado de conservação das estruturas (fachadas, pavimentos, pilares, etc.) na sequência do trabalho de Mafalda Mendes Guimarães (intitulado: Industrial heritage in Northern Portugal. The example of Fábrica Confiança) (2014)disponível “on line”.
Por outro lado, deve ser assinalado que, tanto sob o piso da fábrica como nos terrenos anexos é provável que se conservem vestígios da paisagem cultural envolvente da antiga urbe romana, uma vez que o imóvel fica no traçado da Via XVII, que ligava a Bracara a Asturica.
Das duas vias oriundas do interior norte da Península, a mais antiga evitava a zona montanhosa a oeste de Asturica e dirigia-se para Bracara por Aquae Flaviae (Chaves). Foi construída no tempo de Augusto. No itinerário de Antonino, é referida como a Via XVII. A Via Nova (Bracara - Gerês/Xures - Bergidum Flavium) é posterior (dinastia dos Flávios).
O traçado da Via XVII no concelho de Braga conservou-se relativamente bem, apesar das urbanizações que asfixiaram a cidade antiga, pois o caminho romano funcionou como principal ligação entre Braga, Chaves e Bragança ao longo de dois milénios. O local da saída da VIA XVII foi claramente identificado nos trabalhos arqueológicos efectuados no antigo edifício dos CTT, na Avenida da Liberdade. Ao longo dos primeiros duzentos metros da via estendia-se uma vasta necrópole, com sepulturas datáveis entre o Alto Império e a Antiguidade Tardia.
O ponto seguinte de passagem da via era o Largo da Senhora a Branca, onde também foi localizada uma extensa necrópole, com um elevado número de sepulturas. O caminho prosseguia em direcção ao Largo de São Vítor. Aqui, a sul da Igreja, foi descoberta uma terceira necrópole com enterramentos do Alto Império e da Antiguidade Tardia. Admite-se que do outro lado da via, no local, a norte, onde se levanta a antiquíssima igreja, existiria uma villa. Mais para leste, no contexto da urbanização da Quinta das Goladas foi descoberto, em 1985, um miliário do imperador Tibério, o sucessor de Augusto. A inscrição está completa, destacando-se o registo da Milha I a Bracara Augusta. Este marco foi encontrado na distância certa, pois entre o local do achado e o início da Via medeiam, aproximadamente, cerca de 1500 metros. A distância entre a Casa das Goladas e a Fábrica Confiança é de apenas 260 metros, se tanto. O traçado do caminho, até à Quinta dos Peões (topónimo expressivo), onde ficaria a milha II, passava a norte da capela de São Vítor o Velho, seguindo pela rua do mesmo nome (cruzando o pontilhão das Goladas). Percurso interrompido pelo edificado da Fábrica Confiança, retomado na Rua do Pulo e seguindo pelo sector leste da Rua Nova de Santa Cruz (a qual até ao século XVIII se denominava Rua das Goladas)2
As vias romanas articulavam-se com o território. Ao longo dos caminhos, em especial dos principais, estabeleciam-se uma série de edifícios. Públicos e privados. Bracara era uma grande cidade, capital de conventus no Alto Império e de província na Antiguidade Tardia (a Gallaecia). Os arredores do núcleo urbano eram densamente povoados, com inúmeros edifícios de dimensão e funções variáveis. 
Grande parte dos terrenos em que teria sido oportuno realizar prospeções de superfície e sondagens já se encontram ocupados por extensas urbanizações, com revolvimentos profundos sem que tivesse havido o necessário acompanhamento arqueológico.
Sendo assim, no espaço da Fábrica Confiança deverão ser realizadas minuciosas sondagens no subsolo. Podem ser detectados, além do caminho antigo, vestígios de uma villa, de viae vicinalis e privatae (a rede de caminhos que dava acesso a estruturas rurais e aos campos, do tipo que foi registado a norte da Estação da CP de Braga), do cadastro romano, de vestígios de antigos espaços de cultivo (como a vinha) ou mesmo de um aqueduto, como por exemplo se verificou no Campus de Gualtar, ao construir-se a Escola de Direito.
Recordamos que o espaço da Confiança fica próximo da ribeira que descia da Sete Fontes para o rio Este. Lembramos também a proximidade da já mencionada Capela de São Vitor o Velho, a que estão ligadas veneráveis tradições e lendas.  

A Confiança é o espaço privilegiado para ser não só um Museu de História da Indústria, um laboratório de Arqueologia Industrial e de reabilitação de edifícios da Idade Contemporânea, mas também para albergar um centro interpretativo da Via XVII como eixo de ligação entre o litoral e o interior, ao longo de dois milénios. 
Mas também outras valências culturais

Felizmente encontra-se em vias de classificação como Monumento de Interesse Público!
2- conforme apurou Eduardo Pires de Oliveira

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