INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

ENTRE ASPAS: "RESTAURAR A NATUREZA NA EUROPA: uma urgência"

É sabido que as agendas políticas - local e nacional - não podem deixar de ter presentes assuntos relativos ao território que, durante as últimas décadas foram, no geral, ignorados. O planeamento urbano, a nível municipal e intermunicipal, pressupõe, por isso mesmo, decisões integradas no que diz respeito ao uso do solo, aos rios, às áreas inundáveis, à vegetação rípicola que envolve as linhas de água  e a as zonas húmidas, aos parques verdes e corredores verdes, entre outros meios fundamentais para o desenvolvimento dos ecossistemas e a promoção da biodiversidade.

O Ambiente e Território são, por isso, matéria que, cada vez com maior relevância, ocupa o leque de preocupações do cidadão melhor informado, mais responsável e exigente.

Importa ter presente que oito dos 17 ODS - Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (identificados na imagem) - definidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas até 2030, dizem respeito ao Ambiente. 

Um deles diz respeito ao que se espera das cidades. em termos de tomadas de decisão e nível de compromisso com os objetivos comummente estabelecidos. Assim, tanto decisores políticos, como a população em geral estão (estamos) colocados perante desafios e atitudes que concorrem, simultaneamente, para o sucesso ou o fracasso dos desígnios que, em conjunto devemos perseguir. A regeneração dos solos, das águas e do ar são focos a ter em constante presença.

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Como contributo para o debate sobre o Ambiente a nível local, Catarina Afonso (bióloga, doutoranda) faz uma breve síntese da atuação da União Europeia no que diz respeito à Lei de Restauro da Natureza. 

Esperamos que este assunto mereça a atenção dos políticos locais em exercício, das forças partidárias com representação nos órgãos autárquicos e da população em geral. 

Está em causa o interesse de todos e TODOS o temos de defender.


RESTAURAR A NATUREZA NA EUROPA: uma urgência

Catarina Afonso (Bióloga)

"Quando exploramos os recursos naturais, diminuímos o espaço para a vida selvagem (os seus habitas). Ao longo das últimas décadas, espécies extinguiram-se, várias ficaram em perigo ou ameaçadas, os solos e os cursos de água foram sendo fortemente alterados e poluídos. Estamos já, segundo a comunidade científica, a viver a sexta extinção do planeta, a primeira desde que os humanos ocuparam a Terra.

A União Europeia pede aos seus estados-membros, desde há vários anos, que monitorizem e informem, a cada seis anos, sobre o estado dos seus habitats. Os últimos relatórios (com dados até 2018) revelam que o estado da biodiversidade europeia é alarmante: 81% dos habitats protegidos estão em mau estado de conservação. Entre os mais degradados, estão as zonas húmidas, as turfeiras e os habitats dunares. Para além disso, mais de metade das populações de peixes e anfíbios diminuíram durante a última década, uma em cada dez espécies de abelhas e borboletas está em risco de extinção, e cerca de 70% do solo europeu não é saudável. Em Portugal, 72% dos habitats estão em estado inadequado ou mau, e 80% tendem a degradar-se ainda mais se nada for feito para o evitar.

A degradação da biodiversidade europeia está tão avançada que a conservação e proteção da Natureza remanescente não é suficiente para travar a extinção de espécies, a nossa capacidade de produzir alimentos e evitar os piores impactos das alterações climáticas. De acordo com a Agência Ambiental Europeia, pelo menos 11.000 km2 de habitats precisam ser restaurados (recuperados activamente) e a área de habitats protegidos tem de ser aumentada de modo a preservar o funcionamento de cada tipo de habitat a longo prazo. Para além disso, a grande maioria das áreas de habitats protegidos existentes precisa ser restaurada para um bom estado. 

A meta de restaurar 15% dos ecossistema degradados da Europa, integrante na Estratégia para a Biodiversidade  2020 (adoptada em 2011), ficou por cumprir (em grande medida por ser uma meta voluntária). Reconhecendo isso, a Comissão Europeia propôs, em junho de 2022, um pacote legislativo com vista à obrigação dos estados-membros de restaurar 20% do seu património natural terrestre e marítimo, até 2030, e todos os habitats degradados até 2050. Note-se que, ainda assim, essa meta (20% dos habitats restaurados) é menor do que a acordada durante a Conferência da Biodiversidade de Montreal e no Quadro de Kunming-Montreal de 2019 (30% até 2030). Assim, e apesar de passar por um processo muito conturbado, o Parlamento Europeu aprovou, no passado dia 12 de julho, o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à Restauração da Natureza - a chamada Lei do Restauro da Natureza. A votação renhida (336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções), reflete a influência da oposição à Lei por parte de eurodeputados mais conservadores, pressionados pelos grandes lobbies ligados à indústria e à agricultura intensiva.

Esta é a primeira Lei europeia, em 30 anos, que visa a proteção da biodiversidade e Natureza, para além daquela que se encontra em áreas protegidas e/ou sob regime de proteção através da Diretiva Habitats de 1992 (que protege animais e plantas raras, ameaçadas ou endémicas, e cerca de 200 tipos de habitats raros), da Diretiva Aves de 2009 (que protege as espécies de aves selvagens nativas da União Europeia), e da Rede Natura 2000 (que mantém uma rede de áreas protegidas, com núcleos de proteção para espécies raras e ameaçadas e tipos de habitats raros). É também, a primeira lei inteiramente dedicada ao restauro da Natureza.

São várias as obrigações e objectivos da proposta original preparada pela Comissão Europeia que caíram por terra e, por essa razão, a Lei aprovada é considerada, por vários grupos ambientalistas, muito mais enfraquecida do que o pacote de 2021. Ficou de fora, por exemplo, o artigo sobre a promoção da biodiversidade em terrenos agrícolas, que incluía o restauro de turfeiras, um tipo de habitat essencial para o armazenamento de água e sequestro de carbono. Foram também eliminados o artigo referente ao direito fundamental de acesso à justiça e o artigo da obrigação de não deterioração dos habitats, foi suprimida a obrigação de manter nas florestas a madeira morta (essencial para a sobrevivência de várias espécies ameaçadas), o compromisso de recuperação natural dos habitats terrestres ficou limitado às áreas pré-existentes no âmbito da Rede Natura 2000, e os objetivos calendarizados ficaram dependentes de dados sobre a garantia da segurança alimentar a longo prazo (podendo levar a atrasos na implementação da Lei). Ainda assim, a aprovação da Lei do Restauro da Natureza é um passo importante, pelo menos em teoria, para recuperar certos ecossistemas terrestres e marinhos que foram sendo gravemente degradados, incrementando o sequestro de carbono na Europa, protegendo solos e água e pondo um travão ao alarmante declínio dos polinizadores.

A Lei do Restauro da Natureza segue agora para negociação entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão Europeus, de onde sairá a versão final e vinculativa da Lei. Esperemos que, ao abrigo da nova Lei, a Europa e Portugal sejam capazes de restaurar a Natureza europeia, conciliando a proteção da biodiversidade e as nossas necessidades como humanos, pois é urgente enfrentar a dupla crise da biodiversidade e do clima, auxiliando a construção da resiliência da Europa."


P.S. Acrescentamos ao texto hiperligação para as diferentes diretivas europeias (ou informação sobre o assunto), de modo a facilitar a compreensão do processo que conduziu à necessidade da Lei do Restauro da Natureza.

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