É sabido que as agendas políticas - local e nacional - não podem deixar de ter presentes assuntos relativos ao território que, durante as últimas décadas foram, no geral, ignorados. O planeamento urbano, a nível municipal e intermunicipal, pressupõe, por isso mesmo, decisões integradas no que diz respeito ao uso do solo, aos rios, às áreas inundáveis, à vegetação rípicola que envolve as linhas de água e a as zonas húmidas, aos parques verdes e corredores verdes, entre outros meios fundamentais para o desenvolvimento dos ecossistemas e a promoção da biodiversidade.
O Ambiente e Território são, por isso, matéria que, cada vez com maior relevância, ocupa o leque de preocupações do cidadão melhor informado, mais responsável e exigente.
Importa ter presente que oito dos 17 ODS - Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (identificados na imagem) - definidos pela Assembleia Geral das Nações Unidas até 2030, dizem respeito ao Ambiente.
Um deles diz respeito ao que se espera das cidades. em termos de tomadas de decisão e nível de compromisso com os objetivos comummente estabelecidos. Assim, tanto decisores políticos, como a população em geral estão (estamos) colocados perante desafios e atitudes que concorrem, simultaneamente, para o sucesso ou o fracasso dos desígnios que, em conjunto devemos perseguir. A regeneração dos solos, das águas e do ar são focos a ter em constante presença.
AmpliarComo contributo para o debate sobre o Ambiente a nível local, Catarina Afonso (bióloga, doutoranda) faz uma breve síntese da atuação da União Europeia no que diz respeito à Lei de Restauro da Natureza.
Esperamos que este assunto mereça a atenção dos políticos locais em exercício, das forças partidárias com representação nos órgãos autárquicos e da população em geral.
Está em causa o interesse de todos e TODOS o temos de defender.
RESTAURAR A NATUREZA NA EUROPA: uma urgência
Catarina Afonso (Bióloga)
"Quando exploramos os recursos naturais, diminuímos o espaço para a vida selvagem (os seus habitas). Ao longo das últimas décadas, espécies extinguiram-se, várias ficaram em perigo ou ameaçadas, os solos e os cursos de água foram sendo fortemente alterados e poluídos. Estamos já, segundo a comunidade científica, a viver a sexta extinção do planeta, a primeira desde que os humanos ocuparam a Terra.
A União Europeia pede aos seus estados-membros, desde há vários anos, que monitorizem e informem, a cada seis anos, sobre o estado dos seus habitats. Os últimos relatórios (com dados até 2018) revelam que o estado da biodiversidade europeia é alarmante: 81% dos habitats protegidos estão em mau estado de conservação. Entre os mais degradados, estão as zonas húmidas, as turfeiras e os habitats dunares. Para além disso, mais de metade das populações de peixes e anfíbios diminuíram durante a última década, uma em cada dez espécies de abelhas e borboletas está em risco de extinção, e cerca de 70% do solo europeu não é saudável. Em Portugal, 72% dos habitats estão em estado inadequado ou mau, e 80% tendem a degradar-se ainda mais se nada for feito para o evitar.
A degradação da biodiversidade europeia está tão avançada que a conservação e proteção da Natureza remanescente não é suficiente para travar a extinção de espécies, a nossa capacidade de produzir alimentos e evitar os piores impactos das alterações climáticas. De acordo com a Agência Ambiental Europeia, pelo menos 11.000 km2 de habitats precisam ser restaurados (recuperados activamente) e a área de habitats protegidos tem de ser aumentada de modo a preservar o funcionamento de cada tipo de habitat a longo prazo. Para além disso, a grande maioria das áreas de habitats protegidos existentes precisa ser restaurada para um bom estado.
A meta de restaurar 15% dos ecossistema degradados da Europa, integrante na Estratégia para a Biodiversidade 2020 (adoptada em 2011), ficou por cumprir (em grande medida por ser uma meta voluntária). Reconhecendo isso, a Comissão Europeia propôs, em junho de 2022, um pacote legislativo com vista à obrigação dos estados-membros de restaurar 20% do seu património natural terrestre e marítimo, até 2030, e todos os habitats degradados até 2050. Note-se que, ainda assim, essa meta (20% dos habitats restaurados) é menor do que a acordada durante a Conferência da Biodiversidade de Montreal e no Quadro de Kunming-Montreal de 2019 (30% até 2030). Assim, e apesar de passar por um processo muito conturbado, o Parlamento Europeu aprovou, no passado dia 12 de julho, o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à Restauração da Natureza - a chamada Lei do Restauro da Natureza. A votação renhida (336 votos a favor, 300 contra e 13 abstenções), reflete a influência da oposição à Lei por parte de eurodeputados mais conservadores, pressionados pelos grandes lobbies ligados à indústria e à agricultura intensiva.
Esta é a primeira Lei europeia, em 30 anos, que visa a proteção da biodiversidade e Natureza, para além daquela que se encontra em áreas protegidas e/ou sob regime de proteção através da Diretiva Habitats de 1992 (que protege animais e plantas raras, ameaçadas ou endémicas, e cerca de 200 tipos de habitats raros), da Diretiva Aves de 2009 (que protege as espécies de aves selvagens nativas da União Europeia), e da Rede Natura 2000 (que mantém uma rede de áreas protegidas, com núcleos de proteção para espécies raras e ameaçadas e tipos de habitats raros). É também, a primeira lei inteiramente dedicada ao restauro da Natureza.
São várias as obrigações e objectivos da proposta original preparada pela Comissão Europeia que caíram por terra e, por essa razão, a Lei aprovada é considerada, por vários grupos ambientalistas, muito mais enfraquecida do que o pacote de 2021. Ficou de fora, por exemplo, o artigo sobre a promoção da biodiversidade em terrenos agrícolas, que incluía o restauro de turfeiras, um tipo de habitat essencial para o armazenamento de água e sequestro de carbono. Foram também eliminados o artigo referente ao direito fundamental de acesso à justiça e o artigo da obrigação de não deterioração dos habitats, foi suprimida a obrigação de manter nas florestas a madeira morta (essencial para a sobrevivência de várias espécies ameaçadas), o compromisso de recuperação natural dos habitats terrestres ficou limitado às áreas pré-existentes no âmbito da Rede Natura 2000, e os objetivos calendarizados ficaram dependentes de dados sobre a garantia da segurança alimentar a longo prazo (podendo levar a atrasos na implementação da Lei). Ainda assim, a aprovação da Lei do Restauro da Natureza é um passo importante, pelo menos em teoria, para recuperar certos ecossistemas terrestres e marinhos que foram sendo gravemente degradados, incrementando o sequestro de carbono na Europa, protegendo solos e água e pondo um travão ao alarmante declínio dos polinizadores.
A Lei do Restauro da Natureza segue agora para negociação entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão Europeus, de onde sairá a versão final e vinculativa da Lei. Esperemos que, ao abrigo da nova Lei, a Europa e Portugal sejam capazes de restaurar a Natureza europeia, conciliando a proteção da biodiversidade e as nossas necessidades como humanos, pois é urgente enfrentar a dupla crise da biodiversidade e do clima, auxiliando a construção da resiliência da Europa."
P.S. Acrescentamos ao texto hiperligação para as diferentes diretivas europeias (ou informação sobre o assunto), de modo a facilitar a compreensão do processo que conduziu à necessidade da Lei do Restauro da Natureza.
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