INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

ENTRE ASPAS "A INÉRCIA É INIMIGA DO PATRIMÓNIO! A recente “limpeza” na envolvente do Complexo das Sete Fontes.

A INÉRCIA É INIMIGA DO PATRIMÓNIO, PORQUE O COLOCA EM RISCO!

O recente abate de árvores autóctones na envolvente do Sistema Hidráulico Setecentista (Complexo das Sete Fontes), sem que houvesse uma atuação rápida e eficaz por parte do Município de Braga de modo a impedir/proibir a “limpeza” iniciada por proprietário/a do terreno, é motivo de apreensão por parte de quem lutou, durante anos ou décadas, para que o monumento fosse classificado e  a respetiva ZEP devidamente protegida e que aguarda, há mais de uma década, que o Parque Verde Eco Monumental seja disponibilizado à população. Destacam-se instituições e pessoas que integraram o movimento "Salvemos as Sete Fontes", nomeadamente a ASPA e a Jovem Coop, a Junta de Freguesia de S. Vítor, representada por Firmino Marques e, mais recentemente, por Ricardo Silva e, também, Miguel Bandeira, tanto ao nível associativo como político.


Tratando-se de um Monumento Nacional que está protegido pela Lei do Património e, ainda, pelo Plano de Urbanização das Sete Fontes, que teve em vista a criação do Parque Verde que os bracarenses tanto desejam, não se compreende que só ao terceiro dia da “limpeza” o Município tenha notificado o proprietário, com a necessária intervenção da Polícia, para que o abate fosse definitivamente proibido e a máquina abandonasse a envolvente do monumento.

Foram vários os alertas. Desde início, por parte da ASPA e também, segundo as noticias, pela JF de S. Victor, por cidadãos e, mesmo, por elementos do pelouro do Ambiente, razão pela qual se estranha que o pelouro do Urbanismo não desencadeasse, ao primeiro dia da “limpeza”, o processo administrativo previsto nestas circunstâncias. A ASPA insistiu junto dos responsáveis que a notificação do Município, junto da PSP, fosse apresentada com base no definido no artº 10º do Regulamento do Plano de Urbanização das Sete Fontes, relativo a “Alterações topográficas e abate de árvores”, que especifica o seguinte “Sem prejuízo da legislação em vigor, relativa ao corte de arvoredo, apenas são permitidas alterações topográficas ou abate de árvores que cumpram as condições estabelecidas em licenciamento municipal ou desde que exista expresso reconhecimento, pela CMB, da conveniência funcional dessa alteração.”.


Um avivar de memória

 O esforço elevado, por parte do anterior Vereador do Urbanismo - Miguel Bandeira - e, também, da Arquiteta Fátima Pereira, que lhe dava assessoria, bem como da equipa liderada pelo Engº. Jorge Carvalho, responsável pela elaboração do Plano de Urbanização que vai permitir a criação do Parque Verde das Sete Fontes, resultou na publicação desse Plano, em Diário da República, a 24 de setembro de 2021. Assim, o atual vereador do Urbanismo recebeu uma herança que teria permitido a construção de um Parque Verde por etapas, conforme previsto, uma vez que uma parte significativa estava sob gestão do Município de Braga desde 2021. A salvaguarda do monumento estava acautelada e os moldes da execução do parque definidos no estudo prévio aprovado para o Parque Urbano. Esta etapa do salvamento do Complexo das Sete Fontes não foi processo fácil, mas foi um sucesso sob o ponto de vista de planeamento e proteção do património, na medida em que implicou a suspensão do PDM anterior, que previa índice de urbanização máximo na ZEP das Sete Fontes, bem como a negociação com a Infraestruturas de Portugal para retirar a variante à EN 103 por Gualtar e, ainda, a opção por Unidades de Execução Urbanística que lançou o paradigma da perequação no concelho de Braga e que garante a cedência de área verde para o Parque Eco Monumental das Sete Fontes. O restauro do Sistema Hidráulico Setecentista também foi realizado na gestão de Miguel Bandeira.

 

Em 2024, custa acreditar que o atual responsável pelo Complexo das Sete Fontes, e respetiva equipa, não conhecesse(m) o Plano de Urbanização das Sete Fontes nem a Lei do Património. Se conheciam as Leis que são o suporte para a notificação... terá sido por inércia que só avançaram ao terceiro dia da “limpeza”, após insistência por parte da ASPA e alerta público por parte do Presidente da JF de S. Victor, de cidadãos e, até, de elementos do Pelouro do Ambiente?

 

Esperamos que o alerta público provocado por este abate de árvores autóctones, num Monumento Nacional que dará lugar a um Parque Verde que se quer para breve, tenha contribuído para que os proprietários de terrenos nas Sete Fontes percebam que não podem intervir nesta área como se de um terreno qualquer se tratasse.

Tudo indica que, nos últimos três anos, as Sete Fontes foram esquecidas e, talvez por isso, foram afastados os parceiros determinantes para a salvaguarda deste bem cultural.

Será cumprida a promessa feita, em 2013, de criação de um Parque Verde Eco Monumental nas Sete Fontes?

 

A recente “limpeza” na envolvente do Complexo das Sete Fontes deixou avisos a todos: políticos, proprietários e população que, desta vez, se mostrou atenta e aproveitou as redes sociais para denunciar o abate.

 

Não podemos esquecer que a Salvaguarda das Sete Fontes é uma vitória da CIDADANIA, mas exige uma atuação firme e informada por parte de quem é responsável por este dossiê.

 

A inércia é inimiga do Património, porque o coloca em risco!

domingo, 6 de outubro de 2024

PAÇO DE CURUTELO. Como foi possível descaracterizar um Monumento de Interesse Público com origem no século XII?

COMO FOI POSSÍVEL?

Confrontados com uma realidade chocante, no Paço de Curutelo e na paisagem que lhe dava enquadramento, em Freixo, Ponte de Lima, partilhamos imagens que falam por si.

O Paço de Curutelo (primeira imagem) é um exemplar emblemático de morada senhorial medieval e quinhentista do Entre Douro e Minho.

Na segunda e restantes imagens observa-se etapas da descaracterização do Paço, sua envolvência e relação com o meio, apesar de se tratar de um Monumento classificado de Interesse PúblicoComo foi possível?


Qual o objetivo desta obra de grande de volumetria? A instalação de um hotel rural, de 4 estrelas, denominado "Vila Galé Paço de Curutelo"!


Importância histórica e patrimonial do Paço de Curutelo...

O edificado tem por peça central, uma torre ou casa-forte de origens românicas, a que subsistem testemunhos raros duma cinta muralhada de configuração arredondada. A torre foi substancialmente reconfigurada no período joanino (século XIV, inícios). No século XVI foi engrandecida com um corpo residencial pelos duques de Bragança, então senhores da propriedade.

As infraestruras agrícolas, com origem entre os séculos XVI e XVIII, também incluídas na classificação do Paço de Curutelo como Imóvel de Interesse Público, tinham importância histórico-arquitectónica, uma vez que se tratava de um raro testemunho paisagístico dum ecossistema agrário de raízes medievais. Integravam a Zona Geral de Proteção do Monumento. 


PAÇO DE CURUTELO: UM ATO DE VIOLÊNCIA SOBRE PATRIMÓNIO MEDIEVAL

(Tomada de posição subscrita por várias pessoas com trabalho realizado em vertentes que, neste processo, não foram, respeitadas)

 

Zona Geral de Proteção do Paço de Curutelo 

Terá havido acompanhamento arqueológico, atendendo à ocupação medieval do sítio e da sua há muito suposta pré-ocupação castreja?


Sabemos ter sido realizado um estudo histórico, cujo resultado deveria ter sido considerado no projeto arquitetónico o que, manifestamente, as fotografias não revelam.

 

Perante a intervenção realizada no Paço de Curutelo, classificado como Imóvel de Interesse Público, cumpre-nos questionar:

  • Como foi possível a tutela do Património (DRCN e/ou DGPC) dar um aparecer favorável a este projeto de construção do hotel Vila Galé Paço de Curutelo, de grande volumetria, que implicou a descaracterização do monumento e de infraestrururas agrícolas que o rodeavam, bem como a destruição dos socalcos verdes da envolvente paisagística, emblemáticos na paisagem do Minho? Falta saber quais as condicionantes impostas e em que moldes foi realizado o acompanhamento. A aprovação do projeto, pela Câmara Municipal de Ponte de Lima, só era possível em presença desse parecer, uma vez que se trata de obra que implica um Monumento de Interesse Público e respetiva zona de proteção.
  • Como foi possível a Assembleia Municipal e a Câmara Municipal de Ponte de Lima considerarem este projeto de interesse municipal,  tendo aprovado a alteração do PDM relativamente a “Usos de Área predominantemente florestal de produção condicionada" e “Usos de Área predominantemente florestal estruturante”, conforme consta do Aviso (extrato) nº 139/2023, publicado no Diário da República de 19 de janeiro de 2023 (2ª série).
  • Como foi possível o Turismo de Portugal emitir um parecer favorável, conforme refere o Despacho nº 217/2023, de 10 de fevereiro, No qual considera que a pretensão reforça a vocação vínica da região e contribui para a conservação, valorização e usufruto do património histórico-cultural, nomeadamente de um conjunto edificado classificado como imóvel de interesse público, bem como para o potenciamento económico e conservação do património natural e rural, promovendo a qualificação da oferta ao nível do concelho, sublinhando-se igualmente a adoção de solução de eficiência ambienta, em total consonância com a Estratégia do Turismo 2027 (ET27) e com o Plano de Turismo +Sustentável 20-23”?O Turismo de Portugal teria conhecimento do projeto aprovado"?
          O Turismo de Portugal teria conhecimento que, na área alvo do projeto, há                 um monumento de interesse público com origem no século XII?
  • Como foi possível a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte emitir parecer favorável à utilização para fins não agrícolas, de solo abrangidos pela Reserva Agrícola Nacional, conforme consta do Despacho atrás referido, uma vez que  só a título excecional poderá acontecer? Como foi possível o parecer favorável da entidade Nacional da Reserva Agrícola?

Estranhamos que nenhuma das entidades intervenientes no licenciamento desta obra de grande volumetria - tutela do Património (DRCN e DGPC), Câmara Municipal de Ponte de Lima e entidades que deram parecer favorável (Turismo de Portugal, Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte,  Entidade Nacional da Reserva Agrícola) - se tenha lembrado de sugerir à empresa XVinus - Companhia Enoturística, Lda, que o novo edificado do hotel "Vila Galé Paço de Curutelo" fosse construído em área que não afetasse o Paço do Curutelo e infraestruturas agrícolas, bem como a paisagem verde, em socalcos, da respetiva zona de proteção.

 
No licenciamento do hotel "Vila Galé Paço de Curutelo" terá sido cumprida a Lei nº 107/2001, de 8 de Setembro, conhecida por Lei do Património, nomeadamente o definido nos artº 40 (Impacte de grandes projetos e obras), 44⁰ (Defesa da qualidade ambiental e paisagística) 45⁰ (Projetos, obras e intervenções), 46⁰ (Obras de conservação obrigatória), 47⁰ (Embargos e medidas provisórias), 49⁰ (Demolição), 52 (Contexto), 53º (Planos), 54⁰ (Projetos, obras e intervenções)?

Consultar a Lei do Património.


Importa ter presente que o Paço de Curutelo é um monumento de interesse público. O artº 15⁰ da Lei do Património específica o seguinte quanto a esta classificação "um bem considera-se de interesse público quando a respectiva protecção e valorização represente ainda um valor cultural de importância nacional, mas para o qual o regime de protecção inerente à classificação como de interesse nacional se mostre desproporcionado". 

 

Se o hotel "Vila Galé Paço de Curutelo" fosse erguido a uma distância razoável do monumento - Paço de Curutelo - e da respetiva zona de proteção, conforme era suposto face à Lei do Património, ganharia este empreendimento turístico e a singular região do Vale do Lima, dado que proporcionaria aos seus hóspedes uma paisagem cultural extraordinária, única, com origem no séc. XII. Portugal mantinha património com distinção de âmbito nacional, e de grande reputação internacional.


A notícia divulgada no Jornal de Negócios, a 5 de fevereiro de 2024, referia "Este é mais um exemplo da estratégia que a Vila Galé tem vindo a reforçar, de investir na reabilitação de património histórico e de contribuir para o desenvolvimento de regiões do interior do país, gerando emprego que permita fixar as populações, promovendo o crescimento e reduzindo as assimetrias"

Será este um exemplo de reabilitação de património histórico, como refere a notícia? Seria essa a opinião da DRCN, quando aprovou o projeto?!


Os promotores deste empreendimento hoteleiro - XVinus - Companhia Enoturística, Lda., não terão percebido que o património classificado, tanto na vertente construída como ambiental, é motivo de preferência por parte de hóspedes que procuram áreas rurais, neste caso regiões vinícolas e, como tal, manifestam interesse pela cultura e património da região? Está comprovado que o turista que procura a região Limiana é culturalmente diferenciado, tem poder de compra e procura a genuinidade do edificado preservado e do bucolismo da paisagem ancestral. 

 

Importa ter presente que o património faz parte da vida quotidiana das comunidades e é um testemunho da sua identidade, refletindo tradições, costumes e valores. É essa a mensagem que Ponte de Lima, com êxito, tem transmitido em momentos festivos.


Importa relembrar que preservar o património mantém viva a memória coletiva e contribui para a coesão social, fortalecendo o sentimento de pertença a um local e a uma comunidade.

Na verdade, competia a todas as entidades interveneintes no licenciamento do hotel "Vila Galé Paço de Curutelo" preservar o Património Cultural, quer o edificado quer o paisagístico, respeitando a classificação do Paço de Curutelo como Monumento de Interesse Público.