INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

ENTRE ASPAS: A nova Lei dos Solos: uma “entorse” a comprometer o nosso futuro!

O SOLO É UM RECURSO NÃO RENOVÁVEL!
Entrou em vigor, em 29 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 177/2024, conhecido na opinião pública como a alteração à Lei de Solos, assim se designando a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, Ordenamento do Território e Urbanismo (LBGPPOTU). Este Decreto-Lei, em revisão na Assembleia da República, tem merecido um acalorado debate político. Aquando da sua promulgação, o decreto-lei foi qualificado pelo Presidente da República como “entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território”.

Recordemos o essencial do Decreto-lei: a partir da sua entrada em vigor é possível a construção em solo rústico e  solos que têm classificação como REN (Reserva Ecológica Nacional) e RAN (Reserva Agrícola Nacional), considerando algumas condicionantes: as áreas de construção devem ser em “solos compatíveis com área urbana já existente, obedecendo a uma lógica de consolidação e coerência”; pelo menos 70% da área total de construção acima do solo deve destinar-se a habitação pública ou a habitação de valor moderado, sendo estabelecida uma fórmula para o cálculo do valor máximo do preço dos terrenos (até 75% da mediana do preço no concelho); as Assembleias Municipais deliberam sobre a capacidade construtiva,  sob proposta da câmara municipal.

Interessa-nos menos analisar os termos do debate político sobre esta legislação do que os argumentos aduzidos por especialistas e peritos em urbanismo, ambiente e economia. E, sobre este ponto, há que assinalar a existência de um alargado consenso contra a “Lei dos Solos”.

E porquê? “Não existindo uma única razão baseada no interesse público que justifique a aprovação da lei, sabemos hoje que a entorse promulgada pelo senhor Presidente constitui (…) o maior atentado ao sistema de ordenamento do território e de gestão territorial praticado neste século no nosso país”, responde José Carlos Guinote (Doutorado em Urbanismo). Na verdade, o argumento da indispensabilidade da ocupação dos solos rústicos para aumentar a capacidade construtiva esbarra com duas constatações básicas: primeira, em Lisboa e no Porto, onde as carências habitacionais são maiores, não há solo rústico para reclassificar…; segunda, de acordo com o Relatório do Estado do Ordenamento do Território, de 2024, no interior dos perímetros urbanos há em média, no continente, cerca de 50 por cento de solos urbanos que não foram utilizados, para além dos inúmeros edifícios devolutos, públicos e privados que enxameiam os centros urbanos.  

Tudo isto, “no país da desgraça urbanística de muitas áreas costeiras, da excessiva impermeabilização dos solos e do crescimento desregrado de urbes sem planeamento, sem espaços verdes, sem equipamentos públicos, sem infraestruturas de transporte. Isto, no país da trágica história de captura de governos municipais por interesses do setor imobiliário, fonte inesgotável de casos de corrupção e de problemas de (des)ordenamento do território.” (Susana Peralta, professora de Economia).

Por outro lado, como afirma o bracarense Manuel Miranda, Presidente do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa de Urbanistas, a aplicação deste regime “não conseguirá contribuir para contenção dos preços da habitação, mesmo nas áreas urbanas periféricas; pelo contrário, o seu único efeito palpável será uma potencial proliferação fragmentada de novas urbanizações e empreendimentos imobiliários em solo rústico, viabilizáveis sem avaliação da sua necessidade e aceitabilidade com base em critérios consistentes, mas sim a reboque das dinâmicas de um mercado imobiliário em roda livre.

Os efeitos na agricultura, no ambiente e na paisagem serão devastadores, como alerta o ambientalista Pedro Bingre do Amaral, Presidente da Liga para a Protecção da Natureza: “com estas novas alterações, corremos o risco de manter as carências de habitação, ao mesmo tempo que prejudicamos a agricultura, a floresta e ambiente”. Ou, como afirma Ana Rodrigues, Diretora-Executiva do Centro de Conhecimento de Economia do Ambiente da Nova SBE: Os terrenos rústicos, tradicionalmente destinados à agricultura, conservação ambiental e atividades de baixa intensidade, desempenham funções ecológicas essenciais, como a regulação do clima, o sequestro de carbono, a purificação da água e a proteção contra inundações. (…) A conversão dessas áreas para usos urbanos reduz ou elimina essas funções, substituindo bens públicos de alta relevância por benefícios económicos privados de curto prazo”.

O solo é um recurso não renovável. A flexibilização da classificação dos solos, ao permitir usos não compatíveis com a sua conservação, compromete um recurso que demora muito tempo a formar-se e que é fundamental para a agricultura e serviços do ecossistema. Uma política sensata de gestão dos solos deve ter a preocupação de suprir as necessidades urbanas com uma maior ênfase em zonas menos adequadas para a agricultura, deixando de lado espaços que além de férteis estão normalmente situados em leitos de cheia. A longo prazo, o comprometimento de solos de boa qualidade agrícola terá impacto nos serviços de ecossistema, ou seja, os benefícios que as populações humanas obtêm da natureza e dos serviços que esta presta, desde a polinização à redução do risco de incêndio e erosão dos solos, até à melhoria da qualidade do ar e da água; também o benefício para a proteção da biodiversidade.

Em suma, a “Lei dos Solos” constitui uma ameaça séria ao ambiente, potencia o urbanismo caótico nas periferias urbanas, favorece a especulação imobiliária, vai potenciar o aumento dos preços dos terrenos rústicos e da habitação e prejudica profundamente a paisagem. As ameaças que hoje impendem sobre as Zonas Especiais de Proteção (ZEP) dos edifícios e sítios classificados como património edificado (ZEP essas cujo alargamento constituiu, aliás, motivo de reivindicação unanimemente formulada no recente Fórum de Património, realizado em Braga), são, por seu turno, também fortemente reforçadas com as possibilidades mais perversas da nova legislação. Um dia destes, teremos os palácios e conventos, os castelos e capelas, os mosteiros e os sítios arqueológicos rodeados de prédios por todos os lados.

Como afirma a arquiteta Helena Roseta: “Cabe-nos a nós, cidadãos, alertar a opinião pública para esta grande “entorse” ao nosso sistema de planeamento, que abre intempestivamente novas oportunidades para a desordem territorial e para o agravamento do preço da habitação.”

Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo em Meio Urbano e Espaços Verdes do Município de Braga

O Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo em Meio Urbano e Espaços Verdes do Município de Braga, foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia Municipal realizada na passada sexta-feira, dia 21 de fevereiro 2025.

Partilhamos link para a reunião da Assembleia Municipal de 21 de fevereiro, que permite conhecer a intervenção dos Partidos Políticos e Juntas de Freguesia/Uniões de Freguesia, sobre este ponto da ordem de trabalhos, iniciado 2h58 depois do início da reunião.   

O Regulamento resultou de dois períodos de consulta pública. O primeiro com com cinco participações. Uma dessas participações foi da ASPA, que apresentou 23 propostas, das quais quatro não foram aceites.



Não foram aceites as propostas relativas a controlo de espécies invasoras, com base no seguinte argumento: "... o Regulamento em causa não se aplica ás espécies invasoras - artº 3º do Decreto-Lei nº 59/2021, de 18 de agosto e no 7 do artº 30 do Regulamento".





Nesta fase de consulta pública, a ASPA foi o único membro do Conselho Municipal de Ambiente e Ação Climática do Município de Braga (CMAAC) a participar!

Uma vez que as propostas conduziram a um documento substancialmente  diferente do inicial, o Regulamento foi sujeito a um segundo período de consulta pública para nova recolha de sugestões. Nessa fase contou com mais quatro participações! 


Só nove participações, no total, num processo de consulta pública que conduziu a um Regulamento de grande importância para o concelho de Braga.

Só duas  participações de membros do Conselho Municipal de Ambiente e Ação Climática (CMAAC) - ASPA e ICNF -, que inclui 26 membros.





A  ASPA tem atuado junto da CMB, sempre que necessário. Essas tomadas de posição, bem como contributos sobre Arvoredo urbano e jardins, da parte de especialistas na matéria a quem a associação pediu colaboração, foram partilhados  neste blogue e na página "entre aspas", no Diário do Minho. 


A CMB passou a divulgar Relatórios sobre o estado fitossanitário do arvoredo em meio urbano.  A ASPA tem colocado questões e pedido esclarecimentos sobre resultados e opções indicadas.


Destacamos alguns desses alertas junto da CMB e, também, junto da opinião pública:

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ENTRE ASPAS: "A VALORIZAÇÃO PAISAGÍSTICA DOS ITINERÁRIOS TURÍSTICOS "

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Apesar de ser um país pequeno, apresenta uma grande geodiversidade, biodiversidade e diversidade de paisagens. 

Prova disso são os cinco Geoparques da UNESCO, as oito Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa, as 12 Reservas da Biosfera da UNESCO,  os 14 Itinerários Culturais do Conselho da Europa, os 17 sítios classificados como Património Mundial da UNESCO, as 62 Áreas Protegidas nacionais (Parque Nacional, Parques Naturais, Reservas Nacionais, Paisagens Protegidas e Monumentos Naturais) e os 21% do território terrestre a integrar a Rede Natura 2000 (que inclui os Sítios de Importância Comunitária e as Zonas de Proteção Especial e, naturalmente, a Rede Nacional de Áreas Protegidas).

Os Itinerários Culturais do Conselho da Europa abarcam diferentes temáticas, o que demonstra a nossa riqueza cultural, na vertente histórica e patrimonial, como os Caminhos de Santiago, a Rota dos Cistercienses, o Itinerário dos Jardins Históricos, a Rota Europeia do Termalismo Histórico, a Rota do Património Judaico Europeu, a Rota dos Fenícios, o Itinerário do Património Marítimo, a Rota das Cidades Termais, a Rota Europeia das Abadias, a Rota dos Caminhos do Imperador Carlos V, a Rota da Cerâmica, a Rota do Ferro na Europa, o Itinerário do Olivo e a Rotas da Herança Árabe. Para além dos Itinerários, também está classificado pelo Conselho da Europa um vasto património natural, as Reservas Biogenéticas, com distintos ecossistemas, como as Berlengas, a Serra da Arrábida, a Serra da Malcata, o Paul da Arzila, a Mata da Margaraça, a Mata de Palheiros/Albergaria, a Ponta de Sagres e o Planalto da Serra da Estrela.

Para além deste património classificado temos, também, um grande conjunto de Rotas Turísticas estruturadas e implementadas: os Caminhos de Santiago em Portugal (Caminho Central Porto e Norte, o Caminho da Costa e o Caminho Interior), a Rota das Aldeias Históricas (12 aldeias na Região Centro), a Rota das Aldeias de Xisto (na Região Centro), a Rota das Judiarias, a Rota do Românico (vales do Tâmega, Sousa e Douro), a Rota dos Descobrimentos, a Rota da Herança Islâmica, a Rota dos Jardins Históricos de Portugal, a Rota do Barroco (centrada em Braga), a Rota da Cortiça (no Alentejo), a Rota das Termas e Bem-Estar, a Rota das Capitais de Distrito e a Rota das Ilhas Atlânticas (na Madeira e nos Açores).Temos ainda as rotas ligadas à gastronomia e vinhos: Rota dos Vinhos Verdes, a Rota dos Vinhos do Alentejo, a Rota do Vinho do Porto e a Rota do Azeite, e ainda as grandes rotas pedestres: Rota dos Caminhos de Fátima, a Rota Vicentina, a Ecovia do Litoral do Algarve, a Grande Rota do Zêzere e a Rota do Douro.

Podemos questionar-nos sobre o porquê de o Turismo Cultural não avançar para o interior e assim potenciar o desenvolvimento turístico nos períodos em que a sazonalidade é maior. De facto, o trabalho de fundo está, no essencial, realizado, mas falta claramente a promoção destes produtos específicos nos públicos-alvo, a formatação para criar e comercializar produtos turísticos integrados e a valorização dos percursos turísticos e o acesso a este património, já inventariado, classificado e estruturado.

A qualidade dos itinerários de acesso ao património é muitas vezes agressiva, pelas disfunções dos cenários, mas o problema principal reside no facto de a qualidade da paisagem não ser valorizada por muitos decisores políticos, e, portanto, não a protegem quando tomam decisões para o território. Continuam a licenciar volumetrias dissonantes com a escala do edificado local e com tipologias que descaraterizam a identidade regional, gasta-se dinheiro em intervenções urbanas sem qualidade, em que há perda de património arquitetónico. Muitas vezes não há preocupação com o fundamental: a mitigação das dissonâncias ambientais, a remoção de sinalética inestética (que choca com o passado da rua ou praça), a conservação da sinalética de lojas com história, a colocação de sinalética atual e coerente, a eliminação de resíduos visíveis nas vias de circulação automóvel, o enquadramento de edifícios de grande valor arquitetónico. Continua a permitir-se elementos dissonantes pela tipologia, volumetria, cores e materiais usados na construção.

Para implementar uma política de valorização cénica dos itinerários culturais e naturais é necessário, em primeiro lugar, definir os percursos a valorizar, efetuar o levantamento dos elementos dissonantes (em fichas de projeto) e elaborar propostas individuais de eliminação ou mitigação das intrusões visuais.

Nos percursos pedestres, para além da eliminação das dissonâncias, é essencial uma estratégia de remoção regular de resíduos sólidos urbanos, de controlo de espécies invasoras e da vegetação que dificulte a circulação pedonal. Estes percursos devem estar bem sinalizados, dispondo de uma aplicação móvel de suporte, para geolocalização, informação sobre o património existente (QRCode, por exemplo) e infraestruturas de apoio ao longo dos percursos.

É necessário um bom planeamento para a promoção do nosso património, que integre a paisagem, o alojamento, a restauração e a mobilidade. Se a oferta não for de qualidade prejudica os fluxos turísticos, pois ninguém quer viajar para um destino descaraterizado ou com fraco alojamento, restauração sem qualidade ou com transportes desqualificados.

A paisagem é um bem coletivo, que importa deixar como herança às gerações futuras e, também, um ativo para o desenvolvimento e divulgação do território. Esta tem que ser gerida com equilíbrio, bom senso, arte e pragmatismo, de forma a poder compatibilizar os usos com a valorização e a recuperação da paisagem, manter as classificações e os títulos obtidos e acima de tudo orgulhar as populações do seu património paisagístico.

A paisagem é um elemento fundamental da identidade de cada concelho e de cada região. É altura de se colocar uma estratégia de valorização da paisagem nos Planos Diretores Municipais!

                                                        Manuel Sousa

                                                       (Arquiteto Paisagista)