INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

terça-feira, 22 de abril de 2025

ENTREA ASPAS: "Caminhar é preciso..."

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Vivo em Braga e sou caminhante. Não uma caminhante do calibre de Rimbaud, Thoreau ou Rosseau; sou mais uma caminhante ao estilo de Charles Darwin, que todas, as tardes, fazia várias vezes o percurso de meio quilómetro no "caminho de areia", da sua casa em Downe, nos arredores de Londres.

Caminhar melhora a nossa saúde: fortalece músculos, esqueleto e vasos sanguíneos; reduz a pressão arterial, o risco de ataque cardíaco, de acidentes vasculares cerebrais, de alguns tipos de diabetes e de cancro; combate a ansiedade e a depressão. Caminhar põe-nos em contacto com o que entendemos designar por “natureza”: quando caminhamos na cidade, ouvimos o cantar das aves, sentimos a frescura da aragem ou o vento suão, observamos as lagartixas que se escondem entre as pedras e os melros que se protegem nas sebes. Caminhar até ao trabalho é hoje um luxo apenas possível para alguns, uma vez que é necessário tempo para o fazer e tempo é um dos bens mais escassos em sociedades com o padrão socio-económico que hoje impera. Mas, caminhar antes de chegar ao local de trabalho, permite ao mecânico pensar na origem do ruído do motor do carro que está a reparar, ao professor elaborar/criar a melhor estratégia para uma aula, ao investigador a oportunidade de entender o último resultado da pesquisa que tem em mãos, ao médico relembrar o resultado de exames necessários ao diagnóstico de um caso complicado que acompanha. Caminhar, pode assim ser tempo de criação, mas também pode ser aquele tempo em que esquecemos as tarefas diárias, os compromissos sociais e nos encontramos connosco mesmos, sendo, pois, um tempo de reflexão. Caminhar põe-nos em contacto connosco e com os outros, permitindo a emergência de um sentido de pertença que fortalece os laços de comunidade e a predisposição para a cidadania democrática.

 

Infelizmente, na maior parte das nossas cidades não é fácil caminhar e Braga não é excepção; tendo mesmo a afirmar que é particularmente difícil e esta é uma questão que deve colocar-se no contexto mais alargado da estratégia de mobilidade do município. Se caminhar é a mais antiga forma de mobilidade do ser humano, em Braga é a menos privilegiada, ou antes, não é sequer verdadeiramente contemplada: uma caminhada entre Nogueira, onde vivo, e o centro da cidade leva cerca de 30 minutos em que é necessário transpor “passeios” partidos ou em mau estado — e isto quando existem — e desníveis impossíveis de transpor a idosos, a crianças e a pessoas com mobilidade reduzida; onde não existem travessias (passadeiras) nos locais por onde a caminhada naturalmente nos conduz; em que a vegetação — invariavelmente bem-vinda — e, por vezes, o estacionamento de veículos, obriga a partilhar a estrada movimentada com os automóveis. O sacrossanto automóvel que, em Braga, tomou conta, há muitos anos, da maneira como nos deslocamos na cidade e que a condiciona em aspetos que vão muito para além da questão do tráfego. Se, juntamente com os transportes públicos e a bicicleta, caminhar fosse uma prioridade na estratégia de mobilidade do município, as emissões de gases com efeito de estufa diminuiriam e a qualidade do ar melhoraria,  reduzindo, assim, a poluição e contrariando os efeitos da mudança climática; o ruído permanente que a circulação automóvel produz e que tem consequências negativas na saúde decresceria e o inferno que é, atualmente, o trânsito na cidade e que prejudica principalmente quem precisa de se deslocar para o trabalho, começaria a resolver-se. E a calamidade que é o número de mortos e feridos por atropelamento tenderia para zero, que é a única situação compatível com uma vida verdadeira.

 

Tornar Braga um município amigo daqueles que caminham, por vontade ou por necessidade, exige muito mais do que medidas avulsas, pois, o que, importa mesmo, é reduzir o número de automóveis que circulam nas ruas e estradas. A maior parte dos cidadãos não entende as deslocações a pé como uma questão política, mas esta é, na essência, uma questão política, no sentido mais amplo da palavra: a vida na polis. Tornar um município caminhável requer uma abordagem que vai para além da resolução estrita dos problemas da mobilidade e que desafia igualmente as prioridades para o município, em sede de Plano Diretor Municipal (PDM), tanto em termos habitacionais, como ambientais e, obviamente, de ocupação do solo. E necessita que sejam criadas as condições necessárias para que os cidadãos se envolvam nas decisões que dizem respeito à sua vida diária, quer seja no caso da mobilidade e acessibilidade, no interior do concelho, como em articulação com concelhos vizinhos, como em qualquer outro assunto de interesse público.

 

Uma cidade que pode ser percorrida a pé é uma cidade que se observa, se conhece e se compreende, onde é mais fácil encontrarmo-nos e conviver, onde o espaço público é realmente usufruído por todos, onde as diferenças sociais se esbatem e é mais fácil a Democracia.

 

Sou uma caminhante, vivo em Braga e desejo que, cedo porque se faz tarde, a minha cidade seja mais segura, mais inclusiva, mais amigável, menos poluída e melhor preparada para fazer face aos desafios ecológicos e sociais que se nos colocam.

                                                                  Teresa Salomé

                                                                                                         

Caminhar reforça a Cidadania ativa

Quem tem por hábito caminhar, seja para se deslocar para o local de trabalho ou por lazer, está mais atento à freguesia e à cidade onde reside. Observa, sinaliza espaços cuidados ou abandonados, identifica boas práticas e locais de difícil transposição ou, mesmo, inseguros. Sente as dificuldades, suas e de outros(as).

segunda-feira, 7 de abril de 2025

ENTRE ASPAS: Complexo das Sete Fontes: 30 Anos à espera!

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30 anos passaram desde que a ASPA apresentou o pedido de classificação do Complexo das Sete Fontes. Foi em 27 de março de 1995, uma data simbólica que marca o início de um processo que teve por prioridade a salvaguarda e valorização do Sistema Hidráulico Setecentista e do manancial de água que o suporta. Cerca de um mês depois, a partir do Despacho de abertura pelo então Presidente do IPPAR, o monumento passou a estar abrangido por medidas cautelares de proteção.

Mas seria no final da década de 90 do século passado que prosseguiria a luta da ASPA com o processo de classificação, uma vez que, apesar de o monumento se encontrar em vias de classificação, a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) ignorou a existência do Sistema de Abastecimento de Água à Cidade de Braga, do séc. XVIII, e do manancial de água que o suporta. A ASPA alertou então as entidades competentes e partilhou com os bracarenses a sua apreensão pelo futuro deste bem, nesta mesma coluna do Diário do Minho. Nessa altura ainda havia fontenários da cidade alimentados com água vinda das Sete Fontes, bem como largas dezenas de penistas a usufruir do direito de utilização dessa água. O PDM publicado em 2001 previa índice de construção máximo nas Sete Fontes, bem como admitia uma via rápida que atravessava o monumento! Não foi por acaso que terrenos da envolvente do Sistema Hidráulico Setecentista foram adquiridos por pessoas e empresas ligadas ao sector imobiliário.

Em 2009, perante o anúncio da construção do novo Hospital de Braga nas Sete Fontes e das expetativas de construção criadas pelo PDM de 2001, que faziam prever “a iminente destruição deste conjunto arquitetónico e ambiental”, surgiu o movimento de cidadãos “Pela Salvaguarda do Complexo das Sete Fontes”, que envolveu milhares de cidadãos, organizações da sociedade civil, como a ASPA, e promoveu uma Petição que permitiu levar o assunto à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República. Dois dias depois, o Plenário da Assembleia da República aprovou por unanimidade duas Resoluções, uma do CDS-PP (Resolução da Assembleia da República nº 121/2010) e outra do Bloco de Esquerda (Resolução da Assembleia da República nº 122/2010), instando para que o Governo atribuísse prioridade à classificação do Complexo Hidráulico Setecentista, conhecido por Sete Fontes. Já então se pretendia garantir o seu caráter de espaço público, a disponibilidade de usufruto pela comunidade, bem como a criação de um polo de atração turística, constituindo-se deste modo um valioso espaço de usufruto dos bracarenses e um legado para as gerações futuras.

O Decreto no 16/2011, de 25 de Maio, classificou o Sistema de Abastecimento de Água à Cidade de Braga, do Séc. XVIII, como Monumento Nacional. A respetiva Zona Especial de Proteção (ZEP) foi definida pela Portaria nº 576/2011, de 7 de junho. A mais alta classificação patrimonial em Portugal, apesar da comparação de elementos cartográficos com a planta publicada na Portaria deixar perceber que parte do hospital de Braga ocupou área abrangida pela ZEP!

Promessa da coligação em 2013

Entre 2013 e 2021, o novo executivo municipal cumpriu a promessa feita nas eleições autárquicas: suspendeu o PDM na área da ZEP e anulou o espaço canal previsto para o lanço da Variante à EN 103 por Gualtar, para garantir a libertação da área para um Parque Verde Eco Monumental; efetuou obras de conservação e limpeza das Mães de Água e Minas; garantiu a elaboração do Estudo Hidrogeológico, essencial para assegurar a localização das galerias e de zonas de adução de água ao Sistema Hidráulico. O Plano de Urbanização das Sete Fontes, elaborado com base nos Estudos Hidrogeológico e Arqueológico, foi publicado em Diário da República a 27 de Setembro de 2021, em véspera das eleições autárquicas, garantindo a cedência para o Parque Eco Monumental, pelos proprietários dos terrenos, de 30 hectares de área verde, de modo a garantir o usufruto pela população. Terrenos adquiridos ou que, em parte, estavam desde 2021 sob gestão do Município. Com os 30 hectares de área florestal privada, contíguos, perfaz um total de 60 hectares que serão, com certeza, importantes para adução de água ao Sistema Hidráulico, proteção da biodiversidade e adaptação às alterações climáticas.

Em 2025 continuamos a aguardar pelo Parque Verde, que era suposto ser construído por etapas, de acordo com o Estudo Prévio do Projeto Paisagístico, já aprovado em 2021.


Esperamos 16 anos pela classificação do Complexo das Sete Fontes como Monumento Nacional (1995-2011) depois, mais 12 anos (2013-2021) até que fossem realizados os Estudos, elaborado e publicado, em Diário da República, o Plano de Urbanização das Sete Fontes. Que mais aconteceu de concreto, desde então, para além da aprovação de algumas unidades de execução previstas no Plano?!

 

Entre 2021 e 2025 será que o Parque das Sete Fontes foi subtilmente esquecido, uma vez que o Projeto Paisagístico ainda não foi apresentado e sujeito a discussão pública? Será que o atual Executivo camarário estará sinceramente interessado em devolver as Sete Fontes aos bracarenses?! Ou anda a gerir a informação em benefício do próximo ato eleitoral que se avizinha?!

 

Convém relembrar que o Complexo das Sete Fontes foi salvo por um movimento livre e autónomo de cidadãos, que uniu associações, cidadãos, partidos políticos e alguns deputados por Braga na Assembleia da República. A salvaguarda e valorização do Complexo das Sete Fontes, bem como a criação de um Parque Verde Eco Monumental, foi um compromisso do Município, em 2013 que, 12 anos depois, ainda não foi cumprido!

 

Será necessário unir, novamente, as associações e cidadãos que participaram no movimento “Pela Salvaguarda do Complexo das Sete Fontes”, desta vez em defesa do tão desejado Parque Verde Eco Monumental das Sete Fontes?