INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

terça-feira, 22 de abril de 2025

ENTREA ASPAS: "Caminhar é preciso..."

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Vivo em Braga e sou caminhante. Não uma caminhante do calibre de Rimbaud, Thoreau ou Rosseau; sou mais uma caminhante ao estilo de Charles Darwin, que todas, as tardes, fazia várias vezes o percurso de meio quilómetro no "caminho de areia", da sua casa em Downe, nos arredores de Londres.

Caminhar melhora a nossa saúde: fortalece músculos, esqueleto e vasos sanguíneos; reduz a pressão arterial, o risco de ataque cardíaco, de acidentes vasculares cerebrais, de alguns tipos de diabetes e de cancro; combate a ansiedade e a depressão. Caminhar põe-nos em contacto com o que entendemos designar por “natureza”: quando caminhamos na cidade, ouvimos o cantar das aves, sentimos a frescura da aragem ou o vento suão, observamos as lagartixas que se escondem entre as pedras e os melros que se protegem nas sebes. Caminhar até ao trabalho é hoje um luxo apenas possível para alguns, uma vez que é necessário tempo para o fazer e tempo é um dos bens mais escassos em sociedades com o padrão socio-económico que hoje impera. Mas, caminhar antes de chegar ao local de trabalho, permite ao mecânico pensar na origem do ruído do motor do carro que está a reparar, ao professor elaborar/criar a melhor estratégia para uma aula, ao investigador a oportunidade de entender o último resultado da pesquisa que tem em mãos, ao médico relembrar o resultado de exames necessários ao diagnóstico de um caso complicado que acompanha. Caminhar, pode assim ser tempo de criação, mas também pode ser aquele tempo em que esquecemos as tarefas diárias, os compromissos sociais e nos encontramos connosco mesmos, sendo, pois, um tempo de reflexão. Caminhar põe-nos em contacto connosco e com os outros, permitindo a emergência de um sentido de pertença que fortalece os laços de comunidade e a predisposição para a cidadania democrática.

 

Infelizmente, na maior parte das nossas cidades não é fácil caminhar e Braga não é excepção; tendo mesmo a afirmar que é particularmente difícil e esta é uma questão que deve colocar-se no contexto mais alargado da estratégia de mobilidade do município. Se caminhar é a mais antiga forma de mobilidade do ser humano, em Braga é a menos privilegiada, ou antes, não é sequer verdadeiramente contemplada: uma caminhada entre Nogueira, onde vivo, e o centro da cidade leva cerca de 30 minutos em que é necessário transpor “passeios” partidos ou em mau estado — e isto quando existem — e desníveis impossíveis de transpor a idosos, a crianças e a pessoas com mobilidade reduzida; onde não existem travessias (passadeiras) nos locais por onde a caminhada naturalmente nos conduz; em que a vegetação — invariavelmente bem-vinda — e, por vezes, o estacionamento de veículos, obriga a partilhar a estrada movimentada com os automóveis. O sacrossanto automóvel que, em Braga, tomou conta, há muitos anos, da maneira como nos deslocamos na cidade e que a condiciona em aspetos que vão muito para além da questão do tráfego. Se, juntamente com os transportes públicos e a bicicleta, caminhar fosse uma prioridade na estratégia de mobilidade do município, as emissões de gases com efeito de estufa diminuiriam e a qualidade do ar melhoraria,  reduzindo, assim, a poluição e contrariando os efeitos da mudança climática; o ruído permanente que a circulação automóvel produz e que tem consequências negativas na saúde decresceria e o inferno que é, atualmente, o trânsito na cidade e que prejudica principalmente quem precisa de se deslocar para o trabalho, começaria a resolver-se. E a calamidade que é o número de mortos e feridos por atropelamento tenderia para zero, que é a única situação compatível com uma vida verdadeira.

 

Tornar Braga um município amigo daqueles que caminham, por vontade ou por necessidade, exige muito mais do que medidas avulsas, pois, o que, importa mesmo, é reduzir o número de automóveis que circulam nas ruas e estradas. A maior parte dos cidadãos não entende as deslocações a pé como uma questão política, mas esta é, na essência, uma questão política, no sentido mais amplo da palavra: a vida na polis. Tornar um município caminhável requer uma abordagem que vai para além da resolução estrita dos problemas da mobilidade e que desafia igualmente as prioridades para o município, em sede de Plano Diretor Municipal (PDM), tanto em termos habitacionais, como ambientais e, obviamente, de ocupação do solo. E necessita que sejam criadas as condições necessárias para que os cidadãos se envolvam nas decisões que dizem respeito à sua vida diária, quer seja no caso da mobilidade e acessibilidade, no interior do concelho, como em articulação com concelhos vizinhos, como em qualquer outro assunto de interesse público.

 

Uma cidade que pode ser percorrida a pé é uma cidade que se observa, se conhece e se compreende, onde é mais fácil encontrarmo-nos e conviver, onde o espaço público é realmente usufruído por todos, onde as diferenças sociais se esbatem e é mais fácil a Democracia.

 

Sou uma caminhante, vivo em Braga e desejo que, cedo porque se faz tarde, a minha cidade seja mais segura, mais inclusiva, mais amigável, menos poluída e melhor preparada para fazer face aos desafios ecológicos e sociais que se nos colocam.

                                                                  Teresa Salomé

                                                                                                         

Caminhar reforça a Cidadania ativa

Quem tem por hábito caminhar, seja para se deslocar para o local de trabalho ou por lazer, está mais atento à freguesia e à cidade onde reside. Observa, sinaliza espaços cuidados ou abandonados, identifica boas práticas e locais de difícil transposição ou, mesmo, inseguros. Sente as dificuldades, suas e de outros(as).

segunda-feira, 7 de abril de 2025

ENTRE ASPAS: Complexo das Sete Fontes: 30 Anos à espera!

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30 anos passaram desde que a ASPA apresentou o pedido de classificação do Complexo das Sete Fontes. Foi em 27 de março de 1995, uma data simbólica que marca o início de um processo que teve por prioridade a salvaguarda e valorização do Sistema Hidráulico Setecentista e do manancial de água que o suporta. Cerca de um mês depois, a partir do Despacho de abertura pelo então Presidente do IPPAR, o monumento passou a estar abrangido por medidas cautelares de proteção.

Mas seria no final da década de 90 do século passado que prosseguiria a luta da ASPA com o processo de classificação, uma vez que, apesar de o monumento se encontrar em vias de classificação, a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM) ignorou a existência do Sistema de Abastecimento de Água à Cidade de Braga, do séc. XVIII, e do manancial de água que o suporta. A ASPA alertou então as entidades competentes e partilhou com os bracarenses a sua apreensão pelo futuro deste bem, nesta mesma coluna do Diário do Minho. Nessa altura ainda havia fontenários da cidade alimentados com água vinda das Sete Fontes, bem como largas dezenas de penistas a usufruir do direito de utilização dessa água. O PDM publicado em 2001 previa índice de construção máximo nas Sete Fontes, bem como admitia uma via rápida que atravessava o monumento! Não foi por acaso que terrenos da envolvente do Sistema Hidráulico Setecentista foram adquiridos por pessoas e empresas ligadas ao sector imobiliário.

Em 2009, perante o anúncio da construção do novo Hospital de Braga nas Sete Fontes e das expetativas de construção criadas pelo PDM de 2001, que faziam prever “a iminente destruição deste conjunto arquitetónico e ambiental”, surgiu o movimento de cidadãos “Pela Salvaguarda do Complexo das Sete Fontes”, que envolveu milhares de cidadãos, organizações da sociedade civil, como a ASPA, e promoveu uma Petição que permitiu levar o assunto à Comissão de Ética, Sociedade e Cultura da Assembleia da República. Dois dias depois, o Plenário da Assembleia da República aprovou por unanimidade duas Resoluções, uma do CDS-PP (Resolução da Assembleia da República nº 121/2010) e outra do Bloco de Esquerda (Resolução da Assembleia da República nº 122/2010), instando para que o Governo atribuísse prioridade à classificação do Complexo Hidráulico Setecentista, conhecido por Sete Fontes. Já então se pretendia garantir o seu caráter de espaço público, a disponibilidade de usufruto pela comunidade, bem como a criação de um polo de atração turística, constituindo-se deste modo um valioso espaço de usufruto dos bracarenses e um legado para as gerações futuras.

O Decreto no 16/2011, de 25 de Maio, classificou o Sistema de Abastecimento de Água à Cidade de Braga, do Séc. XVIII, como Monumento Nacional. A respetiva Zona Especial de Proteção (ZEP) foi definida pela Portaria nº 576/2011, de 7 de junho. A mais alta classificação patrimonial em Portugal, apesar da comparação de elementos cartográficos com a planta publicada na Portaria deixar perceber que parte do hospital de Braga ocupou área abrangida pela ZEP!

Promessa da coligação em 2013

Entre 2013 e 2021, o novo executivo municipal cumpriu a promessa feita nas eleições autárquicas: suspendeu o PDM na área da ZEP e anulou o espaço canal previsto para o lanço da Variante à EN 103 por Gualtar, para garantir a libertação da área para um Parque Verde Eco Monumental; efetuou obras de conservação e limpeza das Mães de Água e Minas; garantiu a elaboração do Estudo Hidrogeológico, essencial para assegurar a localização das galerias e de zonas de adução de água ao Sistema Hidráulico. O Plano de Urbanização das Sete Fontes, elaborado com base nos Estudos Hidrogeológico e Arqueológico, foi publicado em Diário da República a 27 de Setembro de 2021, em véspera das eleições autárquicas, garantindo a cedência para o Parque Eco Monumental, pelos proprietários dos terrenos, de 30 hectares de área verde, de modo a garantir o usufruto pela população. Terrenos adquiridos ou que, em parte, estavam desde 2021 sob gestão do Município. Com os 30 hectares de área florestal privada, contíguos, perfaz um total de 60 hectares que serão, com certeza, importantes para adução de água ao Sistema Hidráulico, proteção da biodiversidade e adaptação às alterações climáticas.

Em 2025 continuamos a aguardar pelo Parque Verde, que era suposto ser construído por etapas, de acordo com o Estudo Prévio do Projeto Paisagístico, já aprovado em 2021.


Esperamos 16 anos pela classificação do Complexo das Sete Fontes como Monumento Nacional (1995-2011) depois, mais 12 anos (2013-2021) até que fossem realizados os Estudos, elaborado e publicado, em Diário da República, o Plano de Urbanização das Sete Fontes. Que mais aconteceu de concreto, desde então, para além da aprovação de algumas unidades de execução previstas no Plano?!

 

Entre 2021 e 2025 será que o Parque das Sete Fontes foi subtilmente esquecido, uma vez que o Projeto Paisagístico ainda não foi apresentado e sujeito a discussão pública? Será que o atual Executivo camarário estará sinceramente interessado em devolver as Sete Fontes aos bracarenses?! Ou anda a gerir a informação em benefício do próximo ato eleitoral que se avizinha?!

 

Convém relembrar que o Complexo das Sete Fontes foi salvo por um movimento livre e autónomo de cidadãos, que uniu associações, cidadãos, partidos políticos e alguns deputados por Braga na Assembleia da República. A salvaguarda e valorização do Complexo das Sete Fontes, bem como a criação de um Parque Verde Eco Monumental, foi um compromisso do Município, em 2013 que, 12 anos depois, ainda não foi cumprido!

 

Será necessário unir, novamente, as associações e cidadãos que participaram no movimento “Pela Salvaguarda do Complexo das Sete Fontes”, desta vez em defesa do tão desejado Parque Verde Eco Monumental das Sete Fontes?

segunda-feira, 24 de março de 2025

ENTRE ASPAS: Quem disse que houve discussão pública do PDM de Braga?! (2)

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Nunca o Homem teve tanto conhecimento e consciência do “estado de sítio” que atualmente se vive no Planeta Terra. Estará o Homem incapaz, devido a ignorância ou egoísmo, para encarar e resolver os problemas que colocam em risco o futuro deste planeta que partilhamos com outras espécies?

O PDM, sujeito recentemente a discussão pública, não parece ter como base qualquer premissa ou critério de sustentabilidade. Entrando em vigor a Lei dos Solos, há o risco de se acentuar a dispersão de construção, apesar de o vereador do urbanismo afirmar que “Braga não terá de recorrer a essa legislação porque o aumento da área disponível para construção já se encontra previsto no Plano Diretor Municipal”. Que garantias há e em nome de que princípios? Haverá dúvidas que a dispersão acentuada desqualifica ambientalmente o território, “condena” as linhas de água (sem perspetivas de requalificação dos seus cursos), bem como solos florestais e agrícolas (solos esses que o PDM deveria prever como atividade económica e social)? Verificamos que, das 117 UOPG (Unidades Operativas de Planeamento e Gestão) identificadas no PDM, 87 são em espaço agrícola, 17 em espaço florestal e 13 em Espaço Verde de Enquadramento. Esperava-se que, nas freguesias suburbanas, se mantivesse, preferencialmente, áreas de construção nas denominadas áreas de colmatação (continuidade em frente de rua infraestruturada), mas o PDM apresenta-nos construção em interiores de grandes “quarteirões”, na sua maioria, até 2025, solos agrícolas e florestais. Interessaria, isso sim, que o PDM “desenhasse” áreas de habitação mais concentrada, de preferência em altura, evitando a impermeabilização acentuada dos solos, em estreita ligação com as condicionantes de ordem Ambiental (áreas verdes) e de Mobilidade (vias eficazes para os transportes públicos, arborizadas), procurando assim assegurar a “qualidade de vida” anunciada, criando a efetiva expansão da cidade no território, mas de modo planeado e sustentável.

O Plano de Mobilidade apresentado em PDM é inócuo, pois não apresenta uma rede que sirva a totalidade do Concelho, nem tampouco a prevê em ligação com outros concelhos. Como se articula a Empresa Municipal TUB (Transportes Urbanos de Braga) com a pretensão de instalação de uma rede de Transporte Público (TP) de alta capacidade (BRT)? O PDM é omisso sobre a estação da Linha de Alta Velocidade prevista para o Concelho, pois indica a localização da linha e de uma suposta Estação, mas não demonstra a sua relação com qualquer rede de transporte público (TP), nem sequer a sua ligação à cidade. Não será de descurar uma maior reflexão quanto à localização da estação do TGV, o que poderia ser previsto em local de relação existente, ou óbvia, com os espaços-canal atuais (menor custo e maior sustentabilidade). Se assim fosse, a zona de Ferreiros/Sequeira poderia ser o local de eleição, pois ligava à futura Variante do Cávado (que circundará a cidade), onde existe acesso à cidade por eixo interno - da A11 Barcelos pela atual estação de comboios até AE a sul -, é próximo da linha de comboio e apeadeiro de Ferreiros, bem como das estradas nacionais 14 (Porto) e 103 (Barcelos).

Estranha-se, igualmente, que o aeródromo municipal não seja valorizado pois, conforme previsto nesta revisão do PDM, ficará “cercado” a nascente/sul por áreas industriais.

Por que razão se perde a oportunidade de hierarquizar a rede viária em função dos transportes públicos? Para garantir a sua hierarquização (espaços-canal), deveria possuir faixas segregadas, essenciais para permitir o cumprimento de horários na deslocação casa-escola, casa-trabalho, casa-serviços, etc. Na Planta de Mobilidade, a hierarquia viária é redundante, pois só valoriza uma “Rede viária funcional” em função do automóvel(!), descurando a tão necessária rede de TP e não minorando a carga poluente automóvel (gases com efeito de estufa, principal causa das alterações climáticas). Parece esquecer que Braga assumiu o compromisso de "reduzir as suas emissões de CO2 em pelo menos 55% e atingir a neutralidade carbónica em 2050".

A urbe possui dois eixos fundamentais que a atravessam e que são envolvidos pelas áreas de maior densidade populacional, a denominada “Rodovia”, entre a Rua Cidade do Porto e a Universidade do Minho, bem como a “circular interna”, do Leclerc (A11 Barcelos) às autoestradas a sul, Guimarães e Porto (vias com duas faixas ou mais em cada sentido e com separador central). Estes dois eixos, articulados com um determinado número de outras vias radiais à cidade, que se desenvolvem entre o meio urbano e o periurbano (sendo também vias de perfil alargado), poderiam constituir-se como parte integrante da rede viária estruturante de Transportes Públicos de Braga. Para lá do periurbano, para as freguesias suburbanas, o transporte seria assegurado por viaturas TUB diferentes das que circulassem em canal segregado do meio urbano e teriam continuidade na rede viária nacional e/ou municipal. No seu conjunto poderiam efetivamente constituir essa rede “mãe” de transporte público, rede que não só estruturaria hierarquicamente as vias existentes, como seria determinante quanto a novas bolsas de habitação a prever, áreas de serviços, e espaços verdes, entre outros. O conjunto destes espaços-canal (rede estruturante de TP) poderia dar origem, no futuro, a alamedas da cidade, caso fossem arborizadas, nomeadamente nos dois grandes eixos antes referidos e Rua do Caires, Rua Cidade do Porto, partes da N309, N101 e N103, Avenida da Liberdade, Avenida 31 de Janeiro, Variante da Encosta, a Variante de Real até ao Campo da Vinha e Avenida do Parque Norte, entre outros.

Da rede viária automóvel é essencial salientar a Variante do Cávado (prevista), que devia avançar com celeridade, pois iria retirar bastante trânsito de atravessamento da cidade (qual Nó de Infias!) e distribuiria o acesso à mesma. Na ligação prevista em PDM, a norte/nascente da cidade, ligando a Variante de Vila Verde ao nó do Fojo (não se percebendo a ligação para Adaúfe), perde-se a oportunidade de se prever um acesso franco ao Hospital e Universidade do Minho, servindo assim todo o trânsito desses quadrantes. Atualmente, é de conhecimento geral o congestionamento de trânsito no único acesso (franco) existente.

Estes e muitos outros assuntos podiam ter sido analisados, se houvesse uma verdadeira discussão pública do PDM que incluísse momentos destinados a análise técnica, com técnicos autónomos e cidadãos, onde fossem discutidas soluções para o território.

                            Luís Vaz (Arquiteto)


                                                    

Desenho síntese, resultante de estudo e análise de uma possível Rede de Transportes Públicos para a cidade de Braga. 

Atendendo à importância do planeamento urbano, em matéria de mobilidade, e ao impacto que tem na qualidade de vida da população, a ASPA disponibiliza-se para participar em reflexão sobre esta problemática.

  

segunda-feira, 10 de março de 2025

ENTRE ASPAS: "Quem disse que houve discussão pública do PDM de Braga?!"

O Plano Diretor Municipal é o instrumento político e administrativo mais importante, pois vai gerir o desenvolvimento do município de Braga nos próximos anos. A sua discussão pública, imposta pela lei, decorreu pelo período curto de 30 dias (mínimo previsto), tendo terminado no dia 14 do mês passado.

Quem disse que houve discussão pública com a relevância que exige hoje um PDM?!

Como vem sendo prática, em particular de quem se acomoda no poder, a discussão anunciada não passou de uma formalidade para cumprir  a lei, com sucesso contabilizado no número elevado de participantes, na sua maioria requerentes de mais construção nos seus terrenos e não na discussão da qualidade estratégica que o desenvolvimento do município há muito reclama.

Além das promessas politicamente corretas, da intenção de anunciar aquilo que muita gente já suspeita que não se irá concretizar, a opção de fundo do presente PDM acrescenta apenas construção, construção e mais construção! Anuncia uns brindes para esconder o que as plantas evidenciam, que não incluem qualquer indício de programação ou prioridade de execução. Das palavras do vereador responsável, a única certeza é, apenas, o privilégio concedido ao setor da construção e da especulação imobiliária, quando afirma “com esta revisão [do PDM] Braga vai aumentar exponencialmente a sua área urbana” sic. Se dúvidas houvesse, tudo foi dito. Foi pena não dizer que vai significar mais horas perdidas no trânsito, mais dificuldade em estacionar o carro, mais acidentes, ar mais poluído, mais cheias, mais doenças respiratórias, mais pequeno comércio a fechar, mais ruído, mais dificuldade a adormecer, mais insegurança, mais dificuldade em conseguir comprar casa, porque todos sabemos que os preços vão continuar a subir. Haverá dúvidas?

Mas mais difícil do que aceitar a sinceridade do vereador do urbanismo, é constatar que partidos políticos com representação na assembleia municipal se tenham demitido da discussão pública. Os partidos políticos da oposição estarão em “concordância com o que lhes foi apresentado”, como referiu o vereador ao Correio do Minho, não escondendo a sua satisfação ao congratular-se com uma única critica, vinda do Bloco de Esquerda!? Os partidos, que integram a coligação, será que participaram? Ou a sua falta de comparência corresponde à cumplicidade que os uniu na aprovação da iníqua nova lei dos solos? Que de nova só tem o facto de nunca se ter ido tão longe na intenção de destruição do solo rural e das reservas agrícola e ecológica!

Ou deixaram, todos, passar o período de discussão pública, reservando a assembleia municipal para votar o documento e apresentar a habitual declaração política ou, ainda, incluírem o assunto na campanha às autárquicas? Como disse o vereador, em Braga não vai ser preciso aplicar a nova lei dos solos pois, a urbanização prevista no PDM vai muito mais longe na desclassificação do solo rústico e das condicionantes ecológicas que protegem o ambiente.

Passados estes anos, as opções da atual revisão do PDM só poderão deixar corado de vergonha o presidente que terminou mandato em 2013 que, nos seus tempos áureos, vencia as eleições com o slogan “Braga sempre a crescer”.

O vereador João Rodrigues refere que a expansão prevista nesta revisão do PDM se traduz “num aumento de 24,5% da área de construção”, quando todos sabemos que a área disponível até agora era mais do que suficiente para acompanhar o crescimento da população. Sim, da população, mas não da especulação! Porque havendo já hoje terrenos suficientes para edificar – diz o Vereador, 600 hectares para construção! - tal não aconteceu, pois a especulação manteve-se expetante em busca do brutal aumento dos lucros. Mas os cerca de 200 hectares que o PDM vai disponibilizar ignoram a prioridade da habitação social e não garantem qualquer redução dos preços da habitação. Esta versão do PDM não tem nenhuma ideia global do concelho, perspectiva de cidade, ou mesmo estratégia de desenvolvimento sustentável, senão vagos enunciados, frases de circunstância para iludir as verdadeiras intenções. O novo PDM de Braga prossegue apenas na viabilização de mais e mais construção, sem considerar os custos sociais futuros com a sobrecarga das infraestruturas e o aumento do tráfego automóvel, tornando-o mais caótico do que já se sente. Prevê o crescimento até 20% da área das pedreiras, algumas delas já situadas dentro do perímetro urbano e próximo de zonas habitacionais. Este PDM vai trazer, ainda, mais massificação para a cidade, elevando os preços do custo de vida, a desqualificação do ambiente, o aumento da insegurança, cercando os edifícios e conjuntos de interesse patrimonial, descaracterizando a envolvente, que era rural, e retirando-lhe interesse para quem nos visita. Parece um PDM feito à medida dos empreiteiros e dos especuladores imobiliários, de quem tem comprado terrenos agrícolas, mas não se dedica à agricultura. A única ideia que ressalta das palavras do Vereador é a certeza de que a cidade/concelho vai urbanizar-se para todo o lado, “vai crescer para o Cávado, mas também para norte, sul, este e oeste”, e, não esquecer, também “em altura”. E mais houvesse!

Extrato da Planta de Classificação e Qualificação do Solo (PDM) 
Qual o futuro desta área agrícola, em Esporões? A imagem superior não deixa dúvidas. Estranha-se que a UOPG 2.83 coincida com Zona de Proteção de Monumento de Interesse Público.

Assim, como no tempo do presidente antes referido, quando a cidade respondia aos interesses de quem tinha os ativos da construção, retoma agora, mais de uma década depois, a mesma receita, demitindo-se de um papel proativo na qualificação do crescimento. Porque Braga precisa de mais habitação municipal, mais transportes públicos e menos automóveis a circular com um único passageiro, mais ciclovias e passeios, mais espaço público sem tralha, mais zonas verdes, mais paisagem de qualidade, mais ambiente, mais sustentabilidade, mais paz e segurança!

Dos resultados efetivos da discussão pública, a ASPA ficará atenta às propostas de correção que apresentou. Porque, tudo indica, a maioria se demitiu de o fazer.

No final ficaremos a saber se houve ou não vontade de promover uma discussão pública, aberta e democrática, ou se apenas se promoveu uma discussão de privados... sobre o modo de retalhar o interesse público.

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Sobre este assunto:

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

ENTRE ASPAS: A nova Lei dos Solos: uma “entorse” a comprometer o nosso futuro!

O SOLO É UM RECURSO NÃO RENOVÁVEL!
Entrou em vigor, em 29 de janeiro, o Decreto-Lei n.º 177/2024, conhecido na opinião pública como a alteração à Lei de Solos, assim se designando a Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, Ordenamento do Território e Urbanismo (LBGPPOTU). Este Decreto-Lei, em revisão na Assembleia da República, tem merecido um acalorado debate político. Aquando da sua promulgação, o decreto-lei foi qualificado pelo Presidente da República como “entorse significativo em matéria de regime genérico de ordenamento e planeamento do território”.

Recordemos o essencial do Decreto-lei: a partir da sua entrada em vigor é possível a construção em solo rústico e  solos que têm classificação como REN (Reserva Ecológica Nacional) e RAN (Reserva Agrícola Nacional), considerando algumas condicionantes: as áreas de construção devem ser em “solos compatíveis com área urbana já existente, obedecendo a uma lógica de consolidação e coerência”; pelo menos 70% da área total de construção acima do solo deve destinar-se a habitação pública ou a habitação de valor moderado, sendo estabelecida uma fórmula para o cálculo do valor máximo do preço dos terrenos (até 75% da mediana do preço no concelho); as Assembleias Municipais deliberam sobre a capacidade construtiva,  sob proposta da câmara municipal.

Interessa-nos menos analisar os termos do debate político sobre esta legislação do que os argumentos aduzidos por especialistas e peritos em urbanismo, ambiente e economia. E, sobre este ponto, há que assinalar a existência de um alargado consenso contra a “Lei dos Solos”.

E porquê? “Não existindo uma única razão baseada no interesse público que justifique a aprovação da lei, sabemos hoje que a entorse promulgada pelo senhor Presidente constitui (…) o maior atentado ao sistema de ordenamento do território e de gestão territorial praticado neste século no nosso país”, responde José Carlos Guinote (Doutorado em Urbanismo). Na verdade, o argumento da indispensabilidade da ocupação dos solos rústicos para aumentar a capacidade construtiva esbarra com duas constatações básicas: primeira, em Lisboa e no Porto, onde as carências habitacionais são maiores, não há solo rústico para reclassificar…; segunda, de acordo com o Relatório do Estado do Ordenamento do Território, de 2024, no interior dos perímetros urbanos há em média, no continente, cerca de 50 por cento de solos urbanos que não foram utilizados, para além dos inúmeros edifícios devolutos, públicos e privados que enxameiam os centros urbanos.  

Tudo isto, “no país da desgraça urbanística de muitas áreas costeiras, da excessiva impermeabilização dos solos e do crescimento desregrado de urbes sem planeamento, sem espaços verdes, sem equipamentos públicos, sem infraestruturas de transporte. Isto, no país da trágica história de captura de governos municipais por interesses do setor imobiliário, fonte inesgotável de casos de corrupção e de problemas de (des)ordenamento do território.” (Susana Peralta, professora de Economia).

Por outro lado, como afirma o bracarense Manuel Miranda, Presidente do Conselho Diretivo da Associação Portuguesa de Urbanistas, a aplicação deste regime “não conseguirá contribuir para contenção dos preços da habitação, mesmo nas áreas urbanas periféricas; pelo contrário, o seu único efeito palpável será uma potencial proliferação fragmentada de novas urbanizações e empreendimentos imobiliários em solo rústico, viabilizáveis sem avaliação da sua necessidade e aceitabilidade com base em critérios consistentes, mas sim a reboque das dinâmicas de um mercado imobiliário em roda livre.

Os efeitos na agricultura, no ambiente e na paisagem serão devastadores, como alerta o ambientalista Pedro Bingre do Amaral, Presidente da Liga para a Protecção da Natureza: “com estas novas alterações, corremos o risco de manter as carências de habitação, ao mesmo tempo que prejudicamos a agricultura, a floresta e ambiente”. Ou, como afirma Ana Rodrigues, Diretora-Executiva do Centro de Conhecimento de Economia do Ambiente da Nova SBE: Os terrenos rústicos, tradicionalmente destinados à agricultura, conservação ambiental e atividades de baixa intensidade, desempenham funções ecológicas essenciais, como a regulação do clima, o sequestro de carbono, a purificação da água e a proteção contra inundações. (…) A conversão dessas áreas para usos urbanos reduz ou elimina essas funções, substituindo bens públicos de alta relevância por benefícios económicos privados de curto prazo”.

O solo é um recurso não renovável. A flexibilização da classificação dos solos, ao permitir usos não compatíveis com a sua conservação, compromete um recurso que demora muito tempo a formar-se e que é fundamental para a agricultura e serviços do ecossistema. Uma política sensata de gestão dos solos deve ter a preocupação de suprir as necessidades urbanas com uma maior ênfase em zonas menos adequadas para a agricultura, deixando de lado espaços que além de férteis estão normalmente situados em leitos de cheia. A longo prazo, o comprometimento de solos de boa qualidade agrícola terá impacto nos serviços de ecossistema, ou seja, os benefícios que as populações humanas obtêm da natureza e dos serviços que esta presta, desde a polinização à redução do risco de incêndio e erosão dos solos, até à melhoria da qualidade do ar e da água; também o benefício para a proteção da biodiversidade.

Em suma, a “Lei dos Solos” constitui uma ameaça séria ao ambiente, potencia o urbanismo caótico nas periferias urbanas, favorece a especulação imobiliária, vai potenciar o aumento dos preços dos terrenos rústicos e da habitação e prejudica profundamente a paisagem. As ameaças que hoje impendem sobre as Zonas Especiais de Proteção (ZEP) dos edifícios e sítios classificados como património edificado (ZEP essas cujo alargamento constituiu, aliás, motivo de reivindicação unanimemente formulada no recente Fórum de Património, realizado em Braga), são, por seu turno, também fortemente reforçadas com as possibilidades mais perversas da nova legislação. Um dia destes, teremos os palácios e conventos, os castelos e capelas, os mosteiros e os sítios arqueológicos rodeados de prédios por todos os lados.

Como afirma a arquiteta Helena Roseta: “Cabe-nos a nós, cidadãos, alertar a opinião pública para esta grande “entorse” ao nosso sistema de planeamento, que abre intempestivamente novas oportunidades para a desordem territorial e para o agravamento do preço da habitação.”

Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo em Meio Urbano e Espaços Verdes do Município de Braga

O Regulamento Municipal de Gestão do Arvoredo em Meio Urbano e Espaços Verdes do Município de Braga, foi aprovado, por unanimidade, na Assembleia Municipal realizada na passada sexta-feira, dia 21 de fevereiro 2025.

Partilhamos link para a reunião da Assembleia Municipal de 21 de fevereiro, que permite conhecer a intervenção dos Partidos Políticos e Juntas de Freguesia/Uniões de Freguesia, sobre este ponto da ordem de trabalhos, iniciado 2h58 depois do início da reunião.   

O Regulamento resultou de dois períodos de consulta pública. O primeiro com com cinco participações. Uma dessas participações foi da ASPA, que apresentou 23 propostas, das quais quatro não foram aceites.



Não foram aceites as propostas relativas a controlo de espécies invasoras, com base no seguinte argumento: "... o Regulamento em causa não se aplica ás espécies invasoras - artº 3º do Decreto-Lei nº 59/2021, de 18 de agosto e no 7 do artº 30 do Regulamento".





Nesta fase de consulta pública, a ASPA foi o único membro do Conselho Municipal de Ambiente e Ação Climática do Município de Braga (CMAAC) a participar!

Uma vez que as propostas conduziram a um documento substancialmente  diferente do inicial, o Regulamento foi sujeito a um segundo período de consulta pública para nova recolha de sugestões. Nessa fase contou com mais quatro participações! 


Só nove participações, no total, num processo de consulta pública que conduziu a um Regulamento de grande importância para o concelho de Braga.

Só duas  participações de membros do Conselho Municipal de Ambiente e Ação Climática (CMAAC) - ASPA e ICNF -, que inclui 26 membros.





A  ASPA tem atuado junto da CMB, sempre que necessário. Essas tomadas de posição, bem como contributos sobre Arvoredo urbano e jardins, da parte de especialistas na matéria a quem a associação pediu colaboração, foram partilhados  neste blogue e na página "entre aspas", no Diário do Minho. 


A CMB passou a divulgar Relatórios sobre o estado fitossanitário do arvoredo em meio urbano.  A ASPA tem colocado questões e pedido esclarecimentos sobre resultados e opções indicadas.


Destacamos alguns desses alertas junto da CMB e, também, junto da opinião pública:

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ENTRE ASPAS: "A VALORIZAÇÃO PAISAGÍSTICA DOS ITINERÁRIOS TURÍSTICOS "

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Apesar de ser um país pequeno, apresenta uma grande geodiversidade, biodiversidade e diversidade de paisagens. 

Prova disso são os cinco Geoparques da UNESCO, as oito Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa, as 12 Reservas da Biosfera da UNESCO,  os 14 Itinerários Culturais do Conselho da Europa, os 17 sítios classificados como Património Mundial da UNESCO, as 62 Áreas Protegidas nacionais (Parque Nacional, Parques Naturais, Reservas Nacionais, Paisagens Protegidas e Monumentos Naturais) e os 21% do território terrestre a integrar a Rede Natura 2000 (que inclui os Sítios de Importância Comunitária e as Zonas de Proteção Especial e, naturalmente, a Rede Nacional de Áreas Protegidas).

Os Itinerários Culturais do Conselho da Europa abarcam diferentes temáticas, o que demonstra a nossa riqueza cultural, na vertente histórica e patrimonial, como os Caminhos de Santiago, a Rota dos Cistercienses, o Itinerário dos Jardins Históricos, a Rota Europeia do Termalismo Histórico, a Rota do Património Judaico Europeu, a Rota dos Fenícios, o Itinerário do Património Marítimo, a Rota das Cidades Termais, a Rota Europeia das Abadias, a Rota dos Caminhos do Imperador Carlos V, a Rota da Cerâmica, a Rota do Ferro na Europa, o Itinerário do Olivo e a Rotas da Herança Árabe. Para além dos Itinerários, também está classificado pelo Conselho da Europa um vasto património natural, as Reservas Biogenéticas, com distintos ecossistemas, como as Berlengas, a Serra da Arrábida, a Serra da Malcata, o Paul da Arzila, a Mata da Margaraça, a Mata de Palheiros/Albergaria, a Ponta de Sagres e o Planalto da Serra da Estrela.

Para além deste património classificado temos, também, um grande conjunto de Rotas Turísticas estruturadas e implementadas: os Caminhos de Santiago em Portugal (Caminho Central Porto e Norte, o Caminho da Costa e o Caminho Interior), a Rota das Aldeias Históricas (12 aldeias na Região Centro), a Rota das Aldeias de Xisto (na Região Centro), a Rota das Judiarias, a Rota do Românico (vales do Tâmega, Sousa e Douro), a Rota dos Descobrimentos, a Rota da Herança Islâmica, a Rota dos Jardins Históricos de Portugal, a Rota do Barroco (centrada em Braga), a Rota da Cortiça (no Alentejo), a Rota das Termas e Bem-Estar, a Rota das Capitais de Distrito e a Rota das Ilhas Atlânticas (na Madeira e nos Açores).Temos ainda as rotas ligadas à gastronomia e vinhos: Rota dos Vinhos Verdes, a Rota dos Vinhos do Alentejo, a Rota do Vinho do Porto e a Rota do Azeite, e ainda as grandes rotas pedestres: Rota dos Caminhos de Fátima, a Rota Vicentina, a Ecovia do Litoral do Algarve, a Grande Rota do Zêzere e a Rota do Douro.

Podemos questionar-nos sobre o porquê de o Turismo Cultural não avançar para o interior e assim potenciar o desenvolvimento turístico nos períodos em que a sazonalidade é maior. De facto, o trabalho de fundo está, no essencial, realizado, mas falta claramente a promoção destes produtos específicos nos públicos-alvo, a formatação para criar e comercializar produtos turísticos integrados e a valorização dos percursos turísticos e o acesso a este património, já inventariado, classificado e estruturado.

A qualidade dos itinerários de acesso ao património é muitas vezes agressiva, pelas disfunções dos cenários, mas o problema principal reside no facto de a qualidade da paisagem não ser valorizada por muitos decisores políticos, e, portanto, não a protegem quando tomam decisões para o território. Continuam a licenciar volumetrias dissonantes com a escala do edificado local e com tipologias que descaraterizam a identidade regional, gasta-se dinheiro em intervenções urbanas sem qualidade, em que há perda de património arquitetónico. Muitas vezes não há preocupação com o fundamental: a mitigação das dissonâncias ambientais, a remoção de sinalética inestética (que choca com o passado da rua ou praça), a conservação da sinalética de lojas com história, a colocação de sinalética atual e coerente, a eliminação de resíduos visíveis nas vias de circulação automóvel, o enquadramento de edifícios de grande valor arquitetónico. Continua a permitir-se elementos dissonantes pela tipologia, volumetria, cores e materiais usados na construção.

Para implementar uma política de valorização cénica dos itinerários culturais e naturais é necessário, em primeiro lugar, definir os percursos a valorizar, efetuar o levantamento dos elementos dissonantes (em fichas de projeto) e elaborar propostas individuais de eliminação ou mitigação das intrusões visuais.

Nos percursos pedestres, para além da eliminação das dissonâncias, é essencial uma estratégia de remoção regular de resíduos sólidos urbanos, de controlo de espécies invasoras e da vegetação que dificulte a circulação pedonal. Estes percursos devem estar bem sinalizados, dispondo de uma aplicação móvel de suporte, para geolocalização, informação sobre o património existente (QRCode, por exemplo) e infraestruturas de apoio ao longo dos percursos.

É necessário um bom planeamento para a promoção do nosso património, que integre a paisagem, o alojamento, a restauração e a mobilidade. Se a oferta não for de qualidade prejudica os fluxos turísticos, pois ninguém quer viajar para um destino descaraterizado ou com fraco alojamento, restauração sem qualidade ou com transportes desqualificados.

A paisagem é um bem coletivo, que importa deixar como herança às gerações futuras e, também, um ativo para o desenvolvimento e divulgação do território. Esta tem que ser gerida com equilíbrio, bom senso, arte e pragmatismo, de forma a poder compatibilizar os usos com a valorização e a recuperação da paisagem, manter as classificações e os títulos obtidos e acima de tudo orgulhar as populações do seu património paisagístico.

A paisagem é um elemento fundamental da identidade de cada concelho e de cada região. É altura de se colocar uma estratégia de valorização da paisagem nos Planos Diretores Municipais!

                                                        Manuel Sousa

                                                       (Arquiteto Paisagista)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

ENTRE ASPAS "ESTA REVISÃO DO PDM DE BRAGA NÃO ACAUTELA A PRESERVAÇÃO DA PAISAGEM! QUE VALOR DÁ AO PATRIMÓNIO?"

 
O PDM de Braga encontra-se em discussão pública até 14 de fevereiro.

No artº 2º, relativo a “Visão, estratégia e objetivos”, “assume Braga como território inovador e competitivo, sustentado em vários fatores. Destacamos as alíneas a) e d) – “Manutenção da qualidade de vida dos que residem e visitam o território, fomentando a densificação, conetividade e renaturalização do território” e “Fortalecimento da resiliência ambiental, mitigando as alterações climáticas e valorizando o património natural, cultural e paisagístico do Vale do Cávado” – uma vez que se relacionam com as problemáticas em seguida elencadas.

 

O modelo territorial municipal deve ser plasmado na carta de classificação e qualificação do solo mas, num equilíbrio territorial, é determinante que vá muito além da construção de casas, prédios e armazéns. É suposto tomar decisões com base nas condicionantes e mais-valias existentes, de modo a preparar o concelho para os desafios ambientais que o futuro nos reserva - escassez de água e ondas de calor e, também, pluviosidade extrema e inundações.

A necessária adaptação às alterações climáticas pressupõe que o PDM garanta proteção dos campos, da floresta, das linhas de água e da biodiversidade terrestre. Valorizando e protegendo a paisagem e o património cultural construído, que integram a nossa identidade cultural. Para assegurar qualidade de vida à população.

O Património e o Ambiente estão longe de ser objetivo prioritário na Visão para o concelho! O Património é limitado à Carta de Arqueologia, à Carta de Património Arquitetónico e Fichas de Património Arquitetónico, não se vislumbrando regras de proteção em função do valor atribuído. Não tem destaque no ordenamento do território, apesar de o concelho ter a sua identidade associada ao Património que herdou de um passado longínquo, e manteve até ao séc. XXI, representativo de várias fases da História.

Embora a “Visão” faça referência a “renaturalização do território”, “resiliência ambiental”, “alterações climáticas”, “património natural, cultural e paisagístico” limitado ao vale do Cávado (!), bem como “contenção da expansão urbana”, o que nos mostram, efetivamente, os elementos que integram o PDM em discussão pública?

Aumenta a construção em áreas sensíveis como a encosta do Bom Jesus e da Falperra, bem como em áreas próximas que eram agrícolas ou florestais, nomeadamente em Lamaçães, Nogueiró e Nogueira. Não respeita a Paisagem!

 

Destacamos alguns exemplos que evidenciam incumprimento da proteção do ambiente, da paisagem e do património cultural construído:

  • Na zona tampão (buffer zone), em torno do Santuário do Bom Jesus do Monte, classificado pela UNESCO como paisagem cultural, acrescenta novas áreas de construção onde não havia capacidade construtiva, apesar da grande sensibilidade patrimonial, paisagística e ambiental.  Essa é, também, a Zona Especial de Proteção deste Monumento NacionalSerá distração, por parte do Município de Braga, em relação aos compromissos assumidos com a UNESCO? Importa repensar a zona tampão, pois as novas construções podem ser interpretadas como atentado à paisagem cultural e colocar em risco o estatuto de Património Cultural da Humanidade.


Delimitação da "buffer zone" (Carta de Património Arquitetónico). Nova capacidade construtiva na "buffer zone"

Fora da zona tampão chamou-nos a atenção a mancha castanha, junto à estrada serpenteante até ao Bom Jesus, desenhada pelo Engº Ilídio de Araújo. Essa área, agora para construção (EC2/IC 1,2), estava classificada como espaço verde no PDM de 2015. Mais uma vez a paisagem em risco! Desta vez no acesso ao Pórtico.

  • Prevê o aumento de construção no espaço cultural Falperra-Santa Maria Madalena, que dá enquadramento aos Sacro Montes, em detrimento da valorização florestal e patrimonial, o que relembra o desinteresse a que foi votado, nos últimos quatro anos, este Programa Intermunicipal.
  • No sopé do Monte Picoto, entre o Estádio 1º de Maio (monumento de interesse público e respetiva ZEP) e o Bairro Nogueira da Silva, a área verde confrontante com o Estádio é transformada em área de construção (EC2). Era suposto manter o solo permeável, para evitar o efeito de pluviosidade extrema, proteger o bem classificado e garantir o enquadramento paisagístico.
  • Na Carta de Património arquitetónico reduz a zona de proteção de património inventariado, por comparação com a mesma carta do PDM de 2015!
  • Em várias situações, como é exemplo a Quinta de S. José, em Fraião, inventariada na Carta de Património Arquitetónico (II 095), constata-se que, na Planta de Classificação do Solo, é destinada a índice de construção 1,2 (prédios!)! Será falta de rigor? Se for isso é fácil corrigir.
  • Questionamos a ampliação de áreas de exploração de recursos geológicos em até 20%, com destaque para as que se localizam junto à cidade, pois agravaria o impacto que apresentam na paisagem. Essas ampliações são dentro do limite já previsto no PDM anterior, ou fora desse limite? A Pedreira de Montariol, localizada em plena área urbana e junto ao Convento de Montariol e às Sete Fontes, enquadra-se nesta opção?! A falta de clareza é notória.

Tudo indica que este PDM terá consequências sérias na salvaguarda do património construído e ambiental, bem como na paisagem, hipotecando o futuro do concelho de Braga. Assim, exige uma atenção especial por parte de todos nós e, inevitavelmente, por parte das entidades responsáveis. Será que os respetivos pareceres foram favoráveis? 

 

Um PDM não pode limitar-se ao aumento da área construtiva do concelho, assunto muito solicitado nas sessões públicas em que tivemos a oportunidade de participar. É essencial que permita construir cidade, garantir a saúde e qualidade de vida da população e, inevitavelmente, proteger e valorizar o património cultural, o ambiente e a paisagem.

 

QUE IDEIA DE CIDADE? QUE ESTRATÉGIA PARA O CONCELHO?