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Com o Verão, as cidades enchem-se de turistas. Sinal de uma certa forma de cosmopolitismo, o turismo de massas intensificou-se com a facilitação da mobilidade internacional, os voos de baixos custos, a acessibilidade da informação e a curiosidade inerente ao conhecimento de outros povos, costumes, sítios e monumentos. Para além das óbvias vantagens económicas – e os países do sul da Europa, que aliam um bom clima a um património ambiental e cultural reputado, são disso particularmente beneficiários – o turismo pode contribuir para a criação de uma consciência global assente no reconhecimento da diversidade dos povos e no respeito pelas diferentes culturas.
Estamos longe já da prática do turismo como um privilégio de muitos poucos. Historicamente, viajar por outros países e contactar com outros povos constituiu um sinal de distinção, talvez exponenciado na “belle époque” com as visitas prolongadas de intelectuais, artistas e aristocratas a Atenas e às ilhas gregas, a Pompeia, a Roma e outras cidades italianas, a Salzburgo e Viena e a vilegiatura nas praias da Côte d’Azur. Apesar de prevalecerem as desigualdades, também neste aspeto a democratização do acesso ao turismo, por efeito dos programas de turismo social ou de formas mais económicas de permanência (pelo campismo, por exemplo), ajudou fortemente à massificação das viagens e das férias no exterior. Contrariamente a algumas correntes de opinião elitistas e exclusivistas, nada há a opor a essas formas de turismo.
O património constitui um dos principais fatores de atração turística. De algum modo, os museus e outros espaços patrimoniais ganham a sua visibilidade e, em muitos casos, a sua viabilidade pelo acesso turístico.
No entanto, há alguns efeitos perversos na intensificação do turismo de massas. Em primeiro lugar, a pressão sobre os centros históricos, nomeadamente aqueles de maior valor patrimonial, pode levar, sem medidas públicas adequadas, a riscos de manutenção de edifícios e sítios de maior vulnerabilidade. Em alguns casos, tem sido mesmo necessário controlar o acesso, de forma a impedir a sobrecarga de locais de grande atratividade (por exemplo, ruínas arqueológicas, edifícios muito antigos, lugares ambientais em risco). Efeito pernicioso maior é o da gentrificação das cidades, em consequência da substituição das populações tradicionalmente residentes por equipamentos hoteleiros e apartamentos de alojamento local. Também é grave a descaraterização das tradições e a subordinação ao gosto uniformizado das hordas de turistas: quantos restaurantes cederam ao hambúrguer e ao frango assado, já agora, com a “cor típica” do bacalhau e do pastel de nata, abdicando dos pratos tradicionais?
As perversões do turismo de massas acabam por trazer consequências funestas para o próprio turismo. A descaraterização de algumas cidades, o excesso de população em algumas alturas do ano, a indiferenciação das formas de vida, hábitos e costumes e a subordinação a um gosto globalizado, e, em casos mais graves ainda, a dysneilandização de alguns centros históricos (Barcelona é um exemplo usualmente referido) tem provocado tensões com as populações locais e o afastamento de parte do turismo (o mais culto e o mais exigente) para outras paragens mais autênticas e exóticas.
Por tudo isto, são necessárias políticas publicas que protejam a população local, preservem o património e promovam um turismo sustentável. Essas políticas são absolutamente antagónicas à ideia de que uma cidade é uma marca. Braga não é uma marca turística, por muitos elogios que receba do Guardian ou por prémios de mercado que lhe outorguem. Uma cidade, Braga, é um espaço urbano onde vivem munícipes dotados de direitos, com as marcas da história do seu património material e imaterial e os sinais da modernidade da abertura para o mundo, para a diversidade e os outros.
As políticas públicas para o turismo devem seguir certos princípios elementares:
Primeiro, só é bom para o turismo o que igualmente for bom para a população local; segundo, não podem ser sacrificadas as populações mais pobres ou vulneráveis aos interesses turísticos, seja no domínio da habitação, do bem-estar ambiental, da mobilidade ou no acesso a bens e serviços; terceiro, a centralidade do património edificado, numa política de turismo culturalmente exigente e sustentável, deve levar ao máximo rigor na preservação, na informação e na documentação a disponibilizar aos visitantes; quarto, a preocupação com todos deve incentivar formas de hospitalidade na criação de condições de acesso e informação que permita a adequação à diversidade dos turistas, sejam crianças ou idosos, sejam de que país forem e seja qual for a língua que falem ou a religião que professem; quinto, a definição de limiares críticos na frequência de certos lugares e sítios deve ser devidamente ponderada; sexto, deve ser recusada a criação de equipamentos hoteleiros ou de alojamento local que impliquem substituição das populações locais; sétimo, devem ser fortemente incentivadas modalidades de turismo popular; oitavo, em caso algum devem ser privilegiadas agências ou empresas de turismo, os mesmos direitos devem ser atribuídos aos agentes informais de turismo que promovem visitas guiadas.
Boas políticas para boas práticas de turismo. E boas férias.
Manuel Sarmento
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