É justo dizer que a programação da Braga 25 tem olhando a cidade de forma ampla, procurando incluir bairros e periferias urbanas, e mesmo quando essa inclusão é mais retórica que efetiva não deixa de ser um avanço face às políticas culturais a que o município nos habituou.
O Festival de Arquitetura e Arte – Forma de Vizinhança insere-se nesse espírito de abrangência, propondo diferentes intervenções arquitetónicas que visam valorizar o espaço público em urbanizações que nos últimos cinquenta anos cresceram e modificaram a cidade. Tem curadoria e direção artística da Space Transcribers, sendo um dos promotores a empresa municipal FazCultura.
Coerente no conceito e generoso na extensão, o Festival conta com oito intervenções, que vão das Parretas à zona da Makro, das Fontainhas à Quinta da Capela, passando ainda pelo Fujacal, pelas Hortas Urbanas de S. Vicente, da Quinta da Armada e da Quinta da Lameira. Projetadas para decorrer entre junho e novembro do corrente ano, as intervenções foram pensadas num modelo dinâmico, com possibilidade de mudar de forma durante o processo, pelo que é prematuro ajuizar desde já o seu impacto. Tal como marcamos presença na cerimónia de abertura deste Festival, a ASPA não deixará de acompanhar o seu desenvolvimento.
Vale a pena sublinhar que um Festival com estas características se ajusta à ideia de uma cidade dinâmica, em movimento e transformação, contrariando aquela espécie de “provincianismo braguista” que demasiadas vezes enclausura a cidade no seu Centro Histórico, deleitando-se na contemplação nostálgica de uma imaginação de cidade que pouco tem a ver com a cidade real em que nos cabe viver. Ainda assim, dando como boa a ideia e o ponto de partida do projeto, há aspetos que merecem discussão e crítica.
Um primeiro aspeto tem a ver com o uso e abuso da retórica de participação. Sucedeu na cerimónia de apresentação do Festival, tanto pela voz dos curadores como no discurso de Olga Pereira, vereadora e representante do município. Proclamações contentes acerca do envolvimento e participação cidadã no projeto ou da auspiciosa devolução do espaço público às comunidades, soam bem a alguns e enganarão outros tantos, mas são manifestamente exageradas. Uma intervenção arquitetónica numa praça não devolve espaço à comunidade, apenas transforma o que já existia e era usado - nos melhores casos valorizando-o, nos piores casos enchendo-o de tralha e erguendo barreiras que não faziam ali falta nenhuma. Quanto à participação cidadã, reconheça-se a dificuldade: se em bairros onde existem associações ativas, sejam elas de moradores ou outras, a interlocução é possível, em bairros com elevada rotação de moradores e com baixos índices de participação em assuntos comuns, as dificuldades aumentam. Posso, neste ponto, servir como testemunha: enquanto habitante de um bairro contemplado por uma das obras arquitetónicas, em nenhum momento fui informado do projeto que ali estava em curso nem jamais fui convocado para discutir fosse o que fosse. Percebida a dificuldade, assinale-se o abuso retórico, mais grave por provir de um governo municipal que pouco fez nesta matéria, por exemplo dispensando-se de promover a criação de associações de moradores ou optando por um modelo de orçamento participativo que reduz o debate ao espaço virtual evitando os encontros e confrontos reais que fomentam a cidadania.
Ainda que decorra do primeiro, o segundo aspeto que gostaria de sublinhar é de natureza mais genérica, remetendo para a caracterização dos públicos da cultura que um evento como o Braga 25 pretende alcançar. Também aqui importa distinguir a retórica do que de facto acontece. Se o discurso produzido para o Festival de Arquitetura e Arte sublinha a abrangência, não é preciso um olhar especialmente atento para se perceber uma significativa homogeneidade no público que se dispôs a acompanhar a visita aos espaços intervencionados. Maioritariamente jovem e de look alternativo, poderia ser caracterizado por um alinhamento desalinhado, esdrúxulo conceito que pretende sinalizar um desalinhamento face à cidade tomada pelo capitalismo financeiro e um alinhamento com processos de gentrificação urbana, imaginando que dela há-de sair uma cidade mais verde, mais sustentável, mais humana. Claro que não há nenhum problema com este alinhamento, mas ele é revelador de como uma certa forma de promover cultura segmenta mais do que une. Importa que a Braga 25 seja uma oportunidade de criar um ecossistema cultural mais rico e diversificado, contrariando uma certa monocultura, na qual a proclamada abrangência e participação raramente sai do papel ou do discurso.
Reconheço a dificuldade em chegar a certos públicos, mas é justamente em razão dessa dificuldade que se deveria fazer caminho aproveitando o impulso da Braga 25. Claro está que a dificuldade em fazer chegar a alguns públicos mensagens mais complexas ou estruturadas não se esgota na cultura, sendo real também no ecossistema político. Se é verdade que este Festival dá um passo no sentido certo ao pensar uma cidade descentrada, é certo também que não se desviou um milímetro do urbano que constitui a malha consolidada da cidade, deixando intocadas as áreas problemáticas, aquelas onde a cidade se move por ação de agentes que não encaixam nem no perfil hipster de quem tem protagonismo no Festival, nem no perfil distanciado e neutro da média burguesia que habita os bairros intervencionados.
Luis Cunha, Instituto de Ciências Sociais, U.M.
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