INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

ENTRE ASPAS "Via pública: quem aceita o desafio?"

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O enorme défice na manutenção da via pública vai exigir um esforço inédito para a reequilibrar. 
Será a oportunidade para responder aos desafios do Século XXI, nomeadamente no que diz respeito à Mobilidade Sustentável, às Acessibilidades Inclusivas, às Alterações Climáticas, à Neutralidade Carbónica e à Emergência Ambiental. 

Em 2023, não há dúvida que o município de Braga carece de investimento na sua infraestrutura - viária, rede de drenagem das águas pluviais, etc. - pois, fruto da degradação e falta de manutenção, está a entrar em colapso.

Muitas das vias bracarenses carecem já de intervenção urgente, o que não é de admirar, considerando a média de 30 anos estipulada como durabilidade de uma rua e o facto de tantas terem muito mais idade. Visualmente é fácil identificar a extensão do problema:

Nos pavimentos betuminosos, a propagação da fissuração generalizada, chamada de "pele de crocodilo", mostra que a maioria das ruas requerem repavimentação integral;

* Nos pavimentos de paralelepípedos de granito, as deformações causadas por má execução e subsequentes intervenções, o desaparecimento do areão nas juntas e, finalmente, o levantamento de pedras são os principais sinais de necessidade de intervenção. Há largas dezenas, talvez centenas de ruas no concelho que precisam de refazer o pavimento;

* As diversas infraestruturas, de drenagem de águas residuais domésticas, pluviais, abastecimento de água, elétrica, telecomunicações, gás, etc., que apresentam patologias várias, desde o assoreamento das condutas, que requer limpeza, até à degradação das mesmas por motivos que requerem substituição ou equivalente. Os principais sinais de infraestrutura carecendo de intervenção são inundações, aluimentos, roturas e cortes de serviço recorrentes.


O quadro actual permite prever que os próximos executivos municipais verão a sua despesa fortemente condicionada pela necessidade de reparar a infraestrutura ou efetuar simples manutenção, onerosa pela dimensão do património. Existem, ainda, desafios e exigências que devem ser respondidos:

A lei das Acessibilidades, de 2006, impõe características aos passeios, escadas, rampas e demais componentes da via pública que permitam a sua utilização segura por pessoas de mobilidade condicionada - crianças, idosos, portadores de deficiência, pessoas em convalescença - ou seja, qualquer um e todos nós, a dada altura. A maioria dos passeios da cidade de Braga estão gravemente danificados, não cumprem os requisitos e, fora da cidade, há inúmeras vias que nem passeios têm;

*As novas normativas para o desenho da via pública, com vista a reduzir a sinistralidade rodoviária (exº: atropelamentos) que, atualmente, se repartem de forma igual pela cidade e freguesias limítrofes. Nas últimas décadas, o número de atropelamentos tem diminuído a par da diminuição de recurso ao modo pedonal e correspondente aumento da utilização do automóvel. No entanto, se não se tomarem medidas, é expectável que a sinistralidade torne a aumentar em função do pretendido crescimento dos modos suaves;

* O combate às alterações climáticas e a adaptação da cidade aos seus efeitos, via a redução da impermeabilização dos solos, reforçando a resiliência da via pública e infraestrutura às intempéries e temperaturas extremas, a criação de novas áreas arborizadas, zonas de sombreamento, adoção generalizada de coberturas ajardinadas, etc.;

* A criação de uma rede de rega urbana, com água com tratamento mais simples e económico, não potável, e que poderá ter fontes múltiplas e diversificadas como a captação fluvial, pluvial e até mesmo água resultante do tratamento das águas residuais domésticas, se necessário;

* A transição para a economia circular, via a escolha de materiais sustentáveis para revestimento da via pública, idealmente estandardizados, de proveniência sustentável, com materiais reciclados ou reutilizados e mais adequados a colaboração na adaptação às alterações climáticas, mais permeáveis e menos acumuladores de calor;

*O incentivo ao recurso à micromobilidade, modos suaves e transportes públicos, em detrimento do automóvel, de forma integrada e complementar;

* Outras situações que se julguem pertinentes, em resultado de discussão pública, audição prévia da população e suas necessidades e preocupações.


Portanto, fruto de anos de inação perante as exigências e de falta de estratégia política no que diz respeito à cidade que queremos para todos nós, existe a necessidade, mas também a oportunidade de fazer melhor, para benefício da população presente e futura: É necessário definir este desígnio como prioridade municipal e, também, como pacto político para o presente e o futuro.


O grande filósofo chinês Lao Tsé disse que a maior das viagens começa com um único passo. Formemos, portanto, um consenso político em torno deste desafio. Desenvolvamos uma mobilidade sustentável que não se esgote na cidade, mas alcance todo o concelho e os concelhos vizinhos. Abandonemos o paradigma do automóvel como base da mobilidade. Criemos uma rede de transportes públicos (TUB e não só) racional e eficiente, acessível e inclusiva, confortável e rápida, com primazia sobre o automóvel e em cooperação com os modos suaves. Respeitemos as pessoas com mobilidade condicionada, que somos todos nós a dado momento, em prol de uma cidade ativa e inclusiva. Tenhamos em conta a necessidade de adaptação às alterações climáticas. Adotemos materiais sustentáveis.


Este desígnio superior tem custos, queiramos ou não. A consignação de 10% do orçamento municipal anual responderia às necessidades da rede viária bracarense, que está presentemente avaliada em pouco mais de 350 milhões de euros. A aplicação da verba perseguindo criteriosamente os referidos objetivos produziria resultados assombrosos ao fim de uma década. Em 30 anos, o concelho estaria irreconhecível, com evidentes benefícios para a mobilidade sustentável, qualidade de vida da população, níveis de poluição, crescimento económico e desenvolvimento social.

Quem aceita este desafio?

                                                                       Pedro Pinheiro Augusto

                                                                                                                                 

PLANO E META

Atualmente, dadas as profundas alterações que imperiosamente têm de acontecer nas cidades, seja em matéria de mobilidade, de suprimento de carências de habitação, de qualificação urbanística ou ambiental, seja pelas múltiplas oportunidades de financiamento, é crucial a definição de estratégias, planos e metas de concretização faseada. Caso contrário, jamais qualquer obra que se faça será perspetivada para o futuro e não se alcançará a almejada sustentabilidade.

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

ENTRE ASPAS: "Percevejo asiático - o novo “inquilino” indesejado"

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Desde meados de Setembro, moradores de vários pontos da cidade têm vindo a deparar-se com a presença de “intrusos” nas suas varandas, janelas e até dentro de casa. Trata-se do percevejo Halyomorpha halys, de nome comum percevejo marmoreado castanho ou percevejo asiático.

O percevejo marmoreado castanho é originário do Oeste Asiático, mas tem vindo a expandir-se a outros continentes. Foi detectado nos anos 90, nos EUA, estando hoje presente em todos os Estados do país, no Canadá, e no Chile. Na Europa, as primeiras intercepções de Halyomorpha halys datam de 2004, na Suíça e Liechtenstein. Passados poucos anos, espalhou-se por Itália (2007), Alemanha e Grécia (2011), França (2012) e Espanha (2016). Actualmente encontra-se praticamente em toda a Europa, tendo sido detectado pela primeira vez em Portugal no início de 2019, por um kiwicultor de Pombal.

Este insecto pertence à ordem Hemiptera, um grupo que inclui percevejos, afídeos e cigarras, e tem cerca de 2000 espécies em Portugal. Os percevejos Halyomorpha halys adultos são castanhos marmoreados, medem entre 12 a 17 milímetros de comprimento, têm duas bandas claras nas antenas e veios escuros nas extremidades das asas. Por estas características, são muitas vezes confundidos com a espécie Rhaphigaster nebulosa, um percevejo europeu e comum em Portugal, sugador de seiva de plantas como os choupos ou aveleiras.

O Halyomorpha halys é fitófago, ou seja, alimenta-se de plantas, picando e sugando os nutrientes de frutos, folhas, rebentos e até dos caules. Este percevejo não constitui ameaça a humanos ou animais (não morde, não pica, nem transmite doenças). Não deve ser confundido com o percevejo de cama (Cimex lectularius), insecto achatado muito pequeno (5 a 7 milímetros) que se alimenta de sangue humano, e que foi noticiado por causar problemas de saúde pública em Paris recentemente.

A grande ameaça que o Halyomorpha halys constitui prende-se com o facto de ser altamente polífago, ou seja, é capaz de se alimentar de inúmeras plantas, incluindo várias culturas economicamente relevantes no país: maçã, pêra, cereja, pêssego, ameixa, uva, laranja, tomate, feijão, milho, kiwi, pimento, frutos vermelhos, citrinos, entre outras. As perdas de produção agrícola podem ser bastante graves, uma vez que, ao alimentar-se, o percevejo pode provocar cicatrizes, depressões, deformações, descolorações nos produtos agrícolas, inviabilizando a sua comercialização. Só em 2010, o Halyomorpha halys causou prejuízos de mais de 37 milhões de dólares em pomares de macieiras no Oeste dos EUA. Na Europa, um dos países onde a sua presença tem causado mais preocupação é Itália, onde é considerado uma das maiores pragas de pomares frutícolas, causando avultados prejuízos nas produções.

O percevejo asiático é capaz de se reproduzir muito rapidamente em climas favoráveis como o de Portugal. Consegue também dispersar-se facilmente através do vôo (podendo voar 5km ou mais, por dia), mas também “à boleia”, em contentores, veículos e até malas de viagem. Assim, após poucos anos sem se fazer notar em Portugal, esta espécie foi-se reproduzindo e estabelecendo populações no país. Este ano, e particularmente agora com a chegada de temperaturas mais baixas, estão a ser identificadas inúmeras ocorrências da presença de Halyomorpha halys em ambiente doméstico não apenas em Braga, mas em todo o país. Este facto tem a ver com o comportamento de procura de abrigo por parte do percevejo para passar os meses mais frios. Após a sua fase activa e de reprodução durante os meses quentes, o percevejo asiático procura, a partir de Setembro, um lugar onde possa permanecer em diapausa (um estado de “hibernação” que permite sobreviver ao inverno sem alimento). Nessa altura, os adultos agregam-se (por vezes em grandes quantidades) em zonas sombrias e em estruturas, como barracões, armazéns, frechas de janelas, portas, veículos, podendo atravessar fissuras de apenas 7 milímetros. A sua presença não apresenta qualquer risco para os humanos ou animais. No início da primavera, quando as temperaturas aumentam, saem da diapausa, abandonam os abrigos e retomam a alimentação e reprodução.

Por ser uma espécie invasora, os cidadãos podem e devem matar os percevejos asiáticos com que se deparem, depois de confirmar que se trata de Halyomorpha halys. O esmagamento liberta um odor nauseabundo e alguns repelentes de insectos podem não ser muito eficazes. O ideal será manter as janelas fechadas ou colocar redes nas mesmas, para evitar a entrada dos percevejos na sua habitação. Poderá ainda colocar uma bacia com água e detergente na varanda ou parapeito, onde os insectos vão beber água e para onde poderá também varrê-los, acabando por ficar presos e morrer por afogamento, sem libertar maus odores.

Catarina Afonso (bióloga), com colaboração do FLOWer LAB, CEF, Universidade de Coimbra

Identificar e registar:

Em 2018, kiwicultores da zona Oeste e cientistas do FLOWer Lab do Centro de Ecologia Funcional da Universidade de Coimbra (CEF-UC) criaram conteúdos informativos sobre o Halyomorpha halys, que estão disponíveis no grupo “Percevejo asiático (Halyomorpha halys) PT” no Facebook. Com o aumento do número de ocorrências detectadas este ano, recomendam que os cidadãos submetam o registo fotográfico dos insectos (com dados do local e data) na plataforma inaturalist.org, para permitir o acompanhamento desta nova espécie invasora em Portugal.