INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2023 comemorou 46 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

terça-feira, 24 de outubro de 2023

ENTRE ASPAS "Património Cultural e Inclusão Social"

Ampliar

Os últimos dias têm sido mediaticamente dominados, para além da guerra travada na Palestina e em Israel, pelos debates sobre pobreza em Portugal, os rendimentos dos portugueses e a consequência das políticas na coesão social versus a exclusão. A apresentação do Orçamento de Estado para 2024, a publicação do Plano de Ação da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2022-2025 e as várias iniciativas associadas ao Dia Internacional pela Erradicação da Pobreza, que se celebrou no passado dia 17, constituem os principais factos desencadeadores desse debate. Dele tem estado ausente a relação do património cultural com as políticas de inclusão social.

Compreende-se este apagamento, em função da visibilidade de questões tão urgentes como a necessidade do aumento dos rendimentos de uma parte muito significativa dos portugueses, a questão crucial do acesso à habitação, como primeiro direito, as medidas que possam minorar os efeitos da inflação, eventualmente em risco crescente de agravamento em função do conflito armado na região que concentra a produção do petróleo. Porém, a defesa e preservação do património cultural não pode deixar de considerar a questão do direito ao seu usufruto pelas pessoas em situação de maior vulnerabilidade económica e social. O património cultural, como bem comum, exprime e, em muitos casos, materializa uma identidade cultural. Daí que o património cultural, material e imaterial, tenha um caráter universal e não possa deixar ninguém de fora.

A promoção da inclusão social pela cultura desdobra-se em dois aspetos nucleares. Em primeiro lugar, no acesso universal à cultura. Em segundo lugar na promoção da cidadania cultural.

O acesso universal à cultura desenvolve-se através de políticas públicas em duas vertentes fundamentais: a educação e a discriminação positiva de públicos desfavorecidos. A educação é consensualmente considerada como o primeiro e principal instrumento de correção de perpetuação das desigualdades sociais. Em especial, a educação desde idade muito jovem, com qualidade pedagógica, favorece a socialização das crianças, promove um sentido de pertença coletiva e é indispensável ao desenvolvimento integral, nos vários domínios, da linguagem ao pensamento crítico, do conhecimento do mundo às capacidades expressivas, da destreza física e psicomotora ao sentido estético. É pela educação que as crianças – todas as crianças – podem interpretar e compreender como André Soares conferiu a Braga a peculiaridade das suas formas barrocas e maneiristas, é pela educação que as crianças reconhecem na defesa do património arbóreo uma das condições essenciais da resistência às alterações climáticas, é pela educação que as crianças desenvolvem o seu sentido de pertença a uma comunidade e adquirem o respeito e a curiosidade pela cultura de outras comunidades. A educação de qualidade para todos é a condição de constituição de um “habitus” coletivo indispensável à existência de uma sociedade verdadeiramente cosmopolita e fraterna.

Mas à educação há que somar a adoção de medidas de discriminação positiva, ao nível nacional e local, para acesso à cultura das pessoas em situação de precaridade social.  Medidas como passes gratuitos para acesso a museus e monumentos, organização de visitas guiadas, tertúlias, ações de sensibilização patrimonial, incentivos à fruição cultural através de atividades descentralizadas, são essenciais para que todos possam participar e usufruir dos bens culturais.

Uma outra dimensão, da maior importância e que ultrapassa o nível do (indispensável) acesso a cultura é a promoção da cidadania cultural.  Esta pode definir-se como a liberdade de produção de formas culturais e o reconhecimento da genuinidade dessas formas. O sentido da cidadania cultural é hoje visível em muitos locais onde se promove ativamente a produção cultural das populações mais desfavorecidas e se contribui para a sua qualificação, através de iniciativas de ação cultural comunitária. Dos coros musicais às artes performativas, da recuperação de narrativas e contadores tradicionais à cooperação popular em residências artísticas, múltiplos são os domínios da ação cultural enraizada nas comunidades. Guimarães e Paredes de Coura, por exemplo, são municípios próximos de nós onde se desenvolvem ações de muita qualidade de arte comunitária.

 A cidadania cultural também se exprime no património cultural. Aliás, muito do nosso património imaterial é genuinamente popular e tem as suas raízes em grupos sociais afastados dos centros do poder ou dos detentores da riqueza. É o caso dos lenços de namorados, bordados por mulheres rurais; é o caso do figurado de Barcelos, construído por gerações de oleiros que erigiram as suas formas toscas a uma expressão plástica capaz de rivalizar com as cerâmicas de Picasso ou de Manuel Cargaleiro; é o caso do património musical em boa hora recolhido por Lopes Graça e Michel Giacometti. Mesmo no património edificado, quem poderá negar o contributo decisivo das pessoas mais humildes, do pedreiro edificador de catedrais ao entalhador que concebeu as formas de tantos retábulos e altares, do artesão dos tapetes e bordados que decoram os palácios aos pintores anónimos dos murais das casas de “brasileiros de torna viagem”?

 Favorecer a inclusão social através da cultura, pela educação e a discriminação positiva no acesso aos bens culturais e patrimoniais e criar as condições para a promoção e o reconhecimento da cidadania cultural constituem aspetos normalmente invisibilizados, mas que podem ser determinantes na construção de uma sociedade mais justa e mais coesa. 

Imagens:

terça-feira, 17 de outubro de 2023

ARVOREDO URBANO: Avaliação fitossanitária e risco de fraturas de árvores

A ASPA tem vindo a manifestar preocupação pelo excessivo abate de árvores na cidade, o que tem motivado a sua atuação junto do município. 
Recentemente fomos contactados, por várias pessoas, sobre o abate de árvores em curso, desde há cerca de um mês, na Av. Imaculada da Conceição, em Braga.


Contactámos o responsável, que nos informou ter sido realizado um estudo/diagnóstico, cujo relatório - "Avaliação fitossanitária e risco de fratura de árvores" - o município de Braga divulgou na respetiva página oficial.

Para além do risco de queda de árvores, é importante que a cidade se prepare para um futuro em que estão previstas ondas de calor e pluviosidade extrema (consultar a EMAC - Estratégia Municipal de Adaptação as Alterações Climáticas), pelo que importa ter em atenção que o arvoredo urbano, os corredores verdes municipais e a área florestal são de grande importância para o sequestro de carbono (CO2), indispensável à redução da emissão de gases com efeito de estufa (GEE), pois o CO2
 resultante das atividades humanas é o principal responsável pelo aquecimento do planeta Terra. 

 

Importa relembrar que, em 2020, a concentração de CO2 na atmosfera tinha aumentado para 48% acima do seu nível pré-industrial (anterior a 1750) e que, no âmbito da estratégia nacional, o município de Braga estabeleceu o objetivo de reduzir as emissões de CO2 em pelo menos 55% até 2030 e atingir a neutralidade carbónica em 2050.


Para saber mais:


segunda-feira, 9 de outubro de 2023

ENTRE ASPAS: Projeto "ESCOLA PATRIMÓNIO". O Santuário do Bom Jesus do Monte como espaço de aprendizagem.


Ampliar

Quando as aulas ocorrem fora da escola, em contexto local, e as aprendizagens são agregadas em torno de temáticas comuns, focalizadas em tarefas colaborativas, práticas e simples, é habitual as crianças estarem atentas e envolvidas nas atividades, serem curiosas, criativas e críticas. Observam fenómenos naturais, conhecem e aprendem a valorizar os monumentos, ouvem lendas e estórias, constatam a presença da matemática no edificado e em seres vivos, partilham descobertas, convivem, etc.


O projeto "ESCOLA PATRIMÓNIO", desenvolvido pela Fundação Bracara Augusta, desenhado e dinamizado, em conjunto, pela Confraria do Bom Jesus do Monte, pelo Colégio D. Pedro V 1 e pela ASPA, tem em vista promover aprendizagens diversificadas, previstas no currículo do ensino básico, tendo como palco a Paisagem Cultural do Santuário do Bom Jesus do Monte. No passado dia 22 de setembro foi assinado um protocolo que incluiu, não só estas organizações, mas também os TUB, uma vez que esta empresa municipal disponibilizará o transporte necessário.

 

No Bom Jesus do Monte, classificado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) como Património Mundial da Humanidade, que proporciona recursos tão variados, com certeza, será fácil que a generalidade das crianças envolvidas no projeto ESCOLA PATRIMÓNIO adquiram conhecimentos (saber), capacidades (saber fazer) e atitudes (saber estar/participar), as três vertentes das aprendizagens essenciais, previstas no currículo do ensino básico.

O facto de cada sessão do projeto estar centrada num tema específico, que une diferentes componentes do currículo, e ser centrada em abordagens práticas, permite dar significado às aprendizagens e torná-las duradouras. Espera-se, assim, que as dinâmicas contribuam para o desenvolvimento pessoal e social de cada criança, proporcionando memórias agradáveis conservadas ao longo da sua vida e que esses saberes conduzam a novas vindas ao Santuário do Bom Jesus do Monte e a novas descobertas relativamente a este monumento que tem, também, o estatuto de Monumento Nacional.

Espera-se que, em breve, esta oportunidade seja aproveitada pelas escolas de Braga que lecionam o 1⁰ e 2⁰ ciclos, de modo a que as crianças envolvidas enriqueçam a sua literacia ambiental e cultural, e desenvolvam condições para que, no presente e no futuro, sejam cidadãos responsáveis em relação ao ambiente e ao património. Para que sejam defensores da herança cultural que receberam e que é visível na comunidade onde residem.

A Paisagem Cultural presente no Santuário do Bom Jesus do Monte passará, assim, a constituir um espaço de aprendizagens diversificadas e promotoras de uma CIDADANIA ATIVA. Tal como refere a UNESCO (2019), importa "repensar que o conhecimento e a aprendizagem podem moldar o futuro da humanidade e do planeta - repensar a educação, moldar o futuro".

Assim, no âmbito do projeto ESCOLA PATRIMÓNIO, o SANTUÁRIO DO BOM JESUS DO MONTE integra uma nova valência, a de espaço educativo de excelência, palco de aprendizagens académicas e sociais para crianças dos 1º e 2º ciclos.

Numa primeira fase os alunos alvo são do “1º ciclo”, sendo esta fase piloto da responsabilidade do Colégio D. Pedro V.

É uma honra, para a ASPA, poder ter parte ativa na organização dos guiões de trabalho para o 2⁰ ciclo e, também, de colaborar em iniciativas de suporte ao projeto.

 

A ASPA louva a iniciativa da Fundação Bracara Augusta, pelo facto de ter lançado o projeto ESCOLA PATRIMÓNIO que, nesta fase, se vai centrar no BOM JESUS DO MONTE. Também louva a colaboração da Confraria do Bom Jesus do Monte, como entidade parceira, bem como o apoio prestado pela AOF2, que se assumiu como mecenas nesta fase do projeto.

 

Formulamos votos para que este projeto contribua para que uma percentagem elevada de crianças que reside em Braga - nacionais e estrangeiras - tenha a oportunidade de fazer aprendizagens diversificadas, em contexto de Paisagem Cultural, que sejam motor de responsabilização ambiental e patrimonial das respetivas famílias e amigos e que, esse diálogo intercultural contribua para que vivam melhor na diversidade.

 

Não temos dúvidas que é pela EDUCAÇÃO que se prepara um FUTURO sustentável, razão pela qual é indispensável promover a literacia nas diversas áreas do saber, de modo a responsabilizar o cidadão relativamente a opções individuais e coletivas, nas suas diferentes vertentes. Se, a curto e médio prazo, queremos melhores cidadãos e melhores políticos, capazes de promover e defender uma agenda política sustentável, pautada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), temos de contribuir, desde já, para uma Educação de Qualidade.

                                                                                                   Teresa Barbosa

 

1 O Colégio D. Pedro V integra a rede de escolas associadas da UNESCO.

2 Empresa especializada na reabilitação, conservação e restauro do património construído.

 

---------------------------------------------------------------------------------------------------------


“A educação é a principal prioridade da UNESCO, porque é um direito humano básico e o pilar para a paz e o desenvolvimento sustentável”.


A Comissão Internacional sobre os Futuros da Educação foi estabelecida pela UNESCO em 2019, com o objetivo de reimaginar como o conhecimento e a aprendizagem podem moldar o futuro da humanidade e do planeta. A iniciativa incorpora o amplo envolvimento público e de especialistas e visa a catalisar um debate mundial sobre como a educação deve ser repensada em um mundo de crescente complexidade, incerteza e fragilidade.”


Consultar: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000381115