INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 25 de agosto de 2025

ENTRE ASPAS: "Se vai para fora, traga só fotografias e boas memórias"

Quem vive numa zona mais rural, ou próximo de terrenos abandonados, apercebe-se que algumas plantas se desenvolvem muito rapidamente e, pouco tempo depois, cobrem os espaços onde, antes, havia espécies autóctones. 
Para ajudar a esclarecer a razão desta situação, pedimos a colaboração da equipa invasoras.pt, CFE/Universidade de Coimbra. 


Assim, agradecemos a colaboração de Liliana N. Duarte, Investigadora no CFE/UC e CERNAS/IPC, bem como de Elizabete e Hélia Marchante (Invasoras.pt), que aceitaram o desafio colocado pela ASPA no sentido de divulgar informação científica sobre uma problemática que exige cuidados redobrados de todos nós.

A movimentação de plantas pelo mundo sempre ocorreu naturalmente desde o início da vida na Terra, através de correntes marítimas ou no seguimento de tempestades, mas o alcance e rapidez destas movimentações são de certo modo limitados. A partir da época dos descobrimentos as espécies exóticas (do grego exotikós, “de fora”) passaram a ser vistas como curiosidade, muitas como um recurso a aproveitar pelo valor estético, ornamental ou económico, razão pela qual o Homem terá transportado e introduzido muitas espécies onde estas não ocorriam espontaneamente. A movimentação das espécies exóticas acompanhou e foi aumentando com a evolução dos transportes, desde os barcos à vela até aos sistemas de navegação mais sofisticados dos dias de hoje, o que se foi traduzindo num maior número de espécies e indivíduos introduzidos em novos territórios. Atualmente, a introdução de espécies exóticas é facilitada e intensificada na medida em que se apoia nas rotas de comércio internacional de transporte de bens e pessoas. 
Todas as plantas exóticas são invasoras?
Não. Algumas espécies exóticas mantêm-se apenas no local de introdução ou coexistem com as nativas de forma equilibrada. As que se dispersam sem ajuda humana, estabelecem populações ao longo do tempo e substituem as espécies nativas tornando-se nocivas, são consideradas plantas invasoras.
Para que uma planta se torne invasora, necessita ultrapassar três etapas distintas (Figura 1). O processo de invasão inicia-se com o transporte das espécies da sua região de origem para o novo território, onde são libertadas na natureza (1ª fase: Transporte). Destas, uma parte consegue produzir descendência fértil e manter populações sem a intervenção direta do Homem, ultrapassando barreiras ambientais e de reprodução, e quando tal sucede diz-se que a espécie se naturalizou (2ª fase: Naturalização). As espécies naturalizadas, de que é exemplo a alfarrobeira (Ceratonia síliqua) no Algarve, permanecem em equilíbrio com as espécies nativas em habitats seminaturais. Contudo, este equilíbrio pode ser interrompido para algumas das plantas naturalizadas. A fase seguinte ocorre quando depois de um estímulo (por exemplo, uma tempestade, uma alteração do uso do solo, um incêndio, a abertura de clareiras, ou até o controlo de uma espécie invasora) uma população constituída pela espécie exótica naturalizada consegue aumentar em número e expandir-se no território (3ª fase: Dispersão). Por fim, quando a espécie exótica ocupa áreas extensas e atinge abundâncias elevadas, diz-se que estamos perante uma invasão com impactes que podem ser maiores ou menores, e negativos ou positivos (ou ambos), dependendo do tipo de impactes e da perceção humana. Foi o que aconteceu, por exemplo, com várias espécies de acácia (Acacia spp.) em Portugal.



Figura 1 – Esquema simplificado do processo de invasão biológica
[adaptado do Relatório de Avaliação do IPBES sobre Espécies Exóticas Invasoras (2023)]
 








Intencionalmente ou de forma acidental, a introdução de espécies exóticas aumentou durante o século XX, assim como a evidência do grau de ameaça que algumas destas espécies podem representar para as espécies nativas, ecossistemas e bem-estar humano. Reconhece-se atualmente que as invasões biológicas são uma das principais ameaças à biodiversidade, juntamente com a destruição direta de habitats, a sobre-exploração, as alterações climáticas e a poluição.
As plantas invasoras causam vários impactes negativos a nível ecológico e económico, mas há ainda que considerar os impactes nos serviços dos ecossistemas que asseguram o bem-estar humano, designadamente a nível de produção (p. ex. diminuição da abundância de uma espécie), suporte (p. ex. alteração da sucessão vegetal, do processo de formação do solo e ciclo de nutrientes), regulação (p. ex. alteração dos serviços da polinização, do regime de fogo ou da qualidade da água) e culturais (p. ex. a alteração no uso tradicional e ao nível da perceção da paisagem).
Adicionalmente as invasões biológicas podem apresentar impactes significativos na saúde e segurança humana, por provocarem doenças como alergias [p. ex. ao pólen de mimosa (Acacia dealbata) -  Figura 2] e por serem vetores de pragas [p. ex. os tapetes formados por jacinto-de-água (Eichhornia crassipes) - são propícios à proliferação de mosquitos].



Figura
2Ramo de mimosa (Acacia dealbata) em floração






Assim, nas próximas férias, lembre-se: traga apenas fotografias e boas memórias! Ajude a proteger a natureza: não traga plantas ou animais exóticos e verifique também que as suas roupas e sapatos não transportam qualquer passageiro indesejado!
O que todos podemos fazer?
1) Aprender a identificar as plantas invasoras e NÃO as UTILIZAR, porque a “prevenção é a melhor opção”;
2) Criar um jardim com plantas nativas
3) Ao viajar não trazer plantas ou animais exóticos, e verificar as roupas e sapatos após um passeio no campo
4) Aprender a controlar eficazmente as plantas invasoras e não deitar os restos de plantas exóticas na natureza;
5)  Participar em ações para controlo de espécies invasoras
6)  Ajudar a mapear plantas invasoras (app iNaturalist)
7)  Ao encontrar plantas invasoras à venda, alertar o responsável. Se necessário, denunciar contactando a Linha SOS Ambiente e Território (808 200 520), ou SEPNA (sepna@gnr.pt)
 
 Liliana N. Duarte
Investigadora no CFE/UC e CERNAS/IPC
                              em colaboração com Elizabete e Hélia Marchante (Invasoras.pt)

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