INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

ENTRE ASPAS: "Deixemos de tolerar a sinistralidade - O caso da Rodovia."

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O espaço público de qualidade é, sem dúvida, um investimento estratégico para o futuro económico das regiões, conforme alerta  o Arqtº Manuel Sousa, no entre-aspas " A qualificação do espaço público para a valorização das cidades e vilas", publicado no passado dia 16 de dezembro.

No entre-aspas hoje publicado, o Engº Pedro Pinheiro Augusto lança a reflexão sobre a urgência da qualificação de um espaço público de circulação: a Rodovia.

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Este ano, chocaram-nos duas mortes por atropelamento na Rodovia. Uma, em 26/06/2024, junto da Rua da Fábrica, e outra em 08/11/2024, junto do Lidl. Esta última, especialmente pungente, dado tratar-se de um jovem estudante de Erasmus cujos colegas compareceram no local para prestar homenagem. Parece que os bracarenses interiorizaram que a sinistralidade faz parte do dia-a-dia.

 

Na década de 2014 a 2023, de acordo com a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), só a Rodovia (entre as rotundas do Santos da Cunha e dos Peões) acumulou um total de três mortos e 347 feridos, dos quais 36 em estado grave. 69 pessoas ficaram feridas por atropelamento, 21 delas em estado grave. Estes números aterradores não incluem as vítimas do presente ano, que já somam pelo menos dois mortos.

 

Questionado em reunião do executivo de 12/11/2024 sobre a urgência de resposta aos atropelamentos, o Presidente da Câmara Municipal de Braga (CMB) afirmou que “a Câmara não é cúmplice” desta situação, atribuiu responsabilidades a condutores e pedestres e referiu que a implementação do BRT vai “condicionar a velocidade e criar regras” para circulação nas áreas centrais da cidade para os condutores, bem como criar condições de atravessamento para os peões.

 

Ou seja, a autarquia não reconhece a existência de um gravíssimo e urgente problema, renega a sua responsabilidade pelas vias e pelo combate à sinistralidade, e remete a sua eventual solução para um futuro incerto, pois ainda não se conhece o projeto do BRT nem a data da sua entrada em funcionamento (será 2026, conforme anunciado?), até à qual é muito provável que continuem os acidentes e atropelamentos.

 

Convém lembrar que ambas as vítimas mortais deste ano foram atropeladas com violência, em locais onde estava prevista a execução de passadeiras no Projecto "Primeira Fase de Implementação das Redes Pedonal/Ciclável e Inserção Urbana do Transporte Público (PFI)" aprovado em 2017 quer pelo Executivo Municipal, quer pela Assembleia Municipal. Mas que não prosseguiu!

 

O referido Projecto PFI previa a futura inserção do BRT (que se veio a anunciar em 2023), medidas de acalmia de velocidade para redução quer das probabilidades, quer da gravidade de eventuais atropelamentos, bem como passadeiras para os locais onde estes ocorrem, incluindo aqueles onde foram atropeladas as duas vítimas mortais do presente ano.

 

Infelizmente, "na sequência de reunião realizada a 21 de fevereiro de 2018, e na presença do executivo municipal com funções e administradores das empresas municipais, foram apresentados projetos alvos de candidatura ao PAMUS, tendo ficado definido superiormente que o projeto em causa ficaria suspenso", conforme consta no ofício nº 14430, de 10/07/2020, da CMB.

 

Nada se sabe desta reunião informal, que não contou com os vereadores sem funções, ou os motivos invocados para suspender o Projecto da Rodovia, apesar da elevada sinistralidade. Desde o dia da reunião, em 2018, até ao fim de 2023, morreu uma pessoa e ficaram feridas 187, na Rodovia, sendo 15 com gravidade. 31 das pessoas feridas foram atropeladas.

 

No entanto, em resposta a oportuna denúncia na Inspeção Geral das Finanças (IGF), via ofício n.º 18614, de 18/06/2019, o município, paradoxalmente, justificou a ausência de passadeiras com a necessidade de defender a segurança rodoviária e assegurou que “elaborou projetos de intervenção consentâneas com uma estratégia de Mobilidade que pretende colocar o Modo Pedonal no topo da Pirâmide da Mobilidade” e que este projecto só aguardava a aprovação da candidatura a fundos comunitários.

 

Já em 01/06/2020, em reunião do executivo, o Presidente da CMB assumiu que a autarquia não iria executar o projeto “Rodovia”, aprovado em Dezembro de 2017, no âmbito do PFI, por o considerar “lesivo para o trânsito [automóvel] da rodovia”. Estas afirmações e outras (igualmente registadas em acta) não só evidenciam reservas nos esclarecimentos prestados à IGF, como o desprezo autárquico pelo peão e pela sinistralidade em geral, definindo o trânsito automóvel como única preocupação na análise da mobilidade bracarense.

 

As soluções para a Rodovia foram definidas no Projecto de 2017, a começar com as passadeiras sobreelevadas, nos percursos de desejo, que ajudariam a moderar a velocidade do trânsito e regular a travessia dos peões, podendo ser implementadas de imediato. Havendo incompatibilidades com o futuro Projecto do BRT, poderiam ser ajustadas. Entretanto, contribuiriam para reduzir a sinistralidade e salvar vidas.

 

Não podemos, como é evidente, esquecer o resto do concelho. De acordo com a ANSR, no mesmo período (2014-2023), no total morreram cinquenta e oito pessoas e ficaram feridas 7.027 pessoas, das quais 363 em estado grave.

 

A ANSR aponta a importância das Autarquias para combater a sinistralidade, tendo elaborado diversos guias e manuais de apoio, incluindo para a elaboração de Planos Municipais de Segurança Rodoviária, que Braga carece.

 

O orçamento municipal é de 242 milhões de euros, em 2025. No entanto, as opções não privilegiaram qualquer intervenção na Rodovia com vista a reduzir a sinistralidade. Não falta dinheiro à CMB, mas parece que falta a vontade de priorizar o combate à sinistralidade e de tornar a cidade mais segura para os cidadãos.

 

Não há qualquer justificação para protelar a proteção da vida humana: É obrigação do município intervir de imediato com medidas provisórias e depois com medidas mais permanentes, de modo a estancar a hemorragia nas vias bracarenses.

 

Pedro Pinheiro Augusto

(Engenheiro civil)

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