INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 10 de março de 2025

ENTRE ASPAS: "Quem disse que houve discussão pública do PDM de Braga?!"

O Plano Diretor Municipal é o instrumento político e administrativo mais importante, pois vai gerir o desenvolvimento do município de Braga nos próximos anos. A sua discussão pública, imposta pela lei, decorreu pelo período curto de 30 dias (mínimo previsto), tendo terminado no dia 14 do mês passado.

Quem disse que houve discussão pública com a relevância que exige hoje um PDM?!

Como vem sendo prática, em particular de quem se acomoda no poder, a discussão anunciada não passou de uma formalidade para cumprir  a lei, com sucesso contabilizado no número elevado de participantes, na sua maioria requerentes de mais construção nos seus terrenos e não na discussão da qualidade estratégica que o desenvolvimento do município há muito reclama.

Além das promessas politicamente corretas, da intenção de anunciar aquilo que muita gente já suspeita que não se irá concretizar, a opção de fundo do presente PDM acrescenta apenas construção, construção e mais construção! Anuncia uns brindes para esconder o que as plantas evidenciam, que não incluem qualquer indício de programação ou prioridade de execução. Das palavras do vereador responsável, a única certeza é, apenas, o privilégio concedido ao setor da construção e da especulação imobiliária, quando afirma “com esta revisão [do PDM] Braga vai aumentar exponencialmente a sua área urbana” sic. Se dúvidas houvesse, tudo foi dito. Foi pena não dizer que vai significar mais horas perdidas no trânsito, mais dificuldade em estacionar o carro, mais acidentes, ar mais poluído, mais cheias, mais doenças respiratórias, mais pequeno comércio a fechar, mais ruído, mais dificuldade a adormecer, mais insegurança, mais dificuldade em conseguir comprar casa, porque todos sabemos que os preços vão continuar a subir. Haverá dúvidas?

Mas mais difícil do que aceitar a sinceridade do vereador do urbanismo, é constatar que partidos políticos com representação na assembleia municipal se tenham demitido da discussão pública. Os partidos políticos da oposição estarão em “concordância com o que lhes foi apresentado”, como referiu o vereador ao Correio do Minho, não escondendo a sua satisfação ao congratular-se com uma única critica, vinda do Bloco de Esquerda!? Os partidos, que integram a coligação, será que participaram? Ou a sua falta de comparência corresponde à cumplicidade que os uniu na aprovação da iníqua nova lei dos solos? Que de nova só tem o facto de nunca se ter ido tão longe na intenção de destruição do solo rural e das reservas agrícola e ecológica!

Ou deixaram, todos, passar o período de discussão pública, reservando a assembleia municipal para votar o documento e apresentar a habitual declaração política ou, ainda, incluírem o assunto na campanha às autárquicas? Como disse o vereador, em Braga não vai ser preciso aplicar a nova lei dos solos pois, a urbanização prevista no PDM vai muito mais longe na desclassificação do solo rústico e das condicionantes ecológicas que protegem o ambiente.

Passados estes anos, as opções da atual revisão do PDM só poderão deixar corado de vergonha o presidente que terminou mandato em 2013 que, nos seus tempos áureos, vencia as eleições com o slogan “Braga sempre a crescer”.

O vereador João Rodrigues refere que a expansão prevista nesta revisão do PDM se traduz “num aumento de 24,5% da área de construção”, quando todos sabemos que a área disponível até agora era mais do que suficiente para acompanhar o crescimento da população. Sim, da população, mas não da especulação! Porque havendo já hoje terrenos suficientes para edificar – diz o Vereador, 600 hectares para construção! - tal não aconteceu, pois a especulação manteve-se expetante em busca do brutal aumento dos lucros. Mas os cerca de 200 hectares que o PDM vai disponibilizar ignoram a prioridade da habitação social e não garantem qualquer redução dos preços da habitação. Esta versão do PDM não tem nenhuma ideia global do concelho, perspectiva de cidade, ou mesmo estratégia de desenvolvimento sustentável, senão vagos enunciados, frases de circunstância para iludir as verdadeiras intenções. O novo PDM de Braga prossegue apenas na viabilização de mais e mais construção, sem considerar os custos sociais futuros com a sobrecarga das infraestruturas e o aumento do tráfego automóvel, tornando-o mais caótico do que já se sente. Prevê o crescimento até 20% da área das pedreiras, algumas delas já situadas dentro do perímetro urbano e próximo de zonas habitacionais. Este PDM vai trazer, ainda, mais massificação para a cidade, elevando os preços do custo de vida, a desqualificação do ambiente, o aumento da insegurança, cercando os edifícios e conjuntos de interesse patrimonial, descaracterizando a envolvente, que era rural, e retirando-lhe interesse para quem nos visita. Parece um PDM feito à medida dos empreiteiros e dos especuladores imobiliários, de quem tem comprado terrenos agrícolas, mas não se dedica à agricultura. A única ideia que ressalta das palavras do Vereador é a certeza de que a cidade/concelho vai urbanizar-se para todo o lado, “vai crescer para o Cávado, mas também para norte, sul, este e oeste”, e, não esquecer, também “em altura”. E mais houvesse!

Extrato da Planta de Classificação e Qualificação do Solo (PDM) 
Qual o futuro desta área agrícola, em Esporões? A imagem superior não deixa dúvidas. Estranha-se que a UOPG 2.83 coincida com Zona de Proteção de Monumento de Interesse Público.

Assim, como no tempo do presidente antes referido, quando a cidade respondia aos interesses de quem tinha os ativos da construção, retoma agora, mais de uma década depois, a mesma receita, demitindo-se de um papel proativo na qualificação do crescimento. Porque Braga precisa de mais habitação municipal, mais transportes públicos e menos automóveis a circular com um único passageiro, mais ciclovias e passeios, mais espaço público sem tralha, mais zonas verdes, mais paisagem de qualidade, mais ambiente, mais sustentabilidade, mais paz e segurança!

Dos resultados efetivos da discussão pública, a ASPA ficará atenta às propostas de correção que apresentou. Porque, tudo indica, a maioria se demitiu de o fazer.

No final ficaremos a saber se houve ou não vontade de promover uma discussão pública, aberta e democrática, ou se apenas se promoveu uma discussão de privados... sobre o modo de retalhar o interesse público.

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