INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 11 de março de 2024

ENTRE ASPAS: "Da Ribeira das Sete Fontes ao Rio Este"


É IMPORTANTE EXTRAIR ENSINAMENTOS DOS ERROS QUE FORAM E ESTÃO A SER COMETIDOS

O Minho, devido à sua geomorfologia, possui uma rede hidrográfica peculiar. Uma sequência de relevos, dispostos no sentido leste/oeste, determinou a formação de cursos de água não hierarquizados, diferentemente das bacias do Douro, do Tejo, ou do Guadiana. Esses relevos prolongam, em menor altitude, as serras da Peneda/Soajo, Amarela e Gerês, estas dispostas de Noroeste para Sudeste formando um anfiteatro.

Em Trás-os-Montes, todos os rios confluem para o Douro, de Norte para Sul. Sabor, Tua e Tâmega, são os principais eixos de uma intricada rede de drenagem hierarquizada, que abrange um vasto território.

Pelo contrário, no Minho regista-se uma sequência de rios, paralelos, que mesmo sem grande percurso, seguem directamente para o Oceano Atlântico. De norte para sul: Âncora; Neiva; Lima; Cávado, Este e Ave. O Cávado e o Ave drenam bacias de maior amplitude, mas sem qualquer comparação com a do Douro, ou mesmo com a do Minho. Cada um desses cursos de água possui características próprias e traçados individualizados. Porém são todos caudalosos, mesmo os com menor extensão.

 

Na verdade, o Minho é uma das regiões da Península Ibérica com maior pluviosidade, a par da Galiza, das Astúrias, da Cantábria e do País Basco, como sublinha Denise Brum Ferreira, no capítulo dedicado a “Ambiente Climático” da excelente obra “Geografia de Portugal”. O Minho tem uma pluviosidade média anual entre 1 600 mm e 2 500 mm (no arco montanhoso referido). Susanne Daveau estima que nas serras do Minho o valor possa ultrapassar 3 500 mm nos cumes oeste da Serra do Gerês (o local mais chuvoso da Escócia atinge 3 300 mm/ano). Assim, para aquela notável geógrafa, as serras do Minho, em particular a do Gerês, contam-se entre as mais pluviosas da Europa Ocidental. Talvez devido à sua proximidade do Oceano Atlântico e altitude.

 

Acima referimos o rio Este, habitualmente considerado tributário do Ave. Porém será mais certo afirmar que os dois rios se juntam, formando um único, até ao Oceano. De facto, ao contrário do Vizela, a confluência do Este e do Ave ocorre a escassos 6 Km do Oceano, pelo que é legítimo individualizá-lo. Deve sublinhar-se que o rio Este recolhe água de uma sequência de amplas bacias de recepção, ao longo do seu trajecto. Todas com volumes hidrográficos significativos. A primeira das quais é a zona das Sete Fontes.

Entre a nascente (nos contrafortes ocidentais da Serra do Carvalho) e S. Pedro de Este, o vale é relativamente encaixado, embora já com algumas linhas de água, embora sem relevância.

O primeiro grande afluente é a Ribeira das Sete Fontes, cujo nome primitivo seria de Passos, e que drena uma ampla área. Também é referida como Ribeira de São Vítor, devido à circunstância de passar junto à Capela de São Vítor-O- Velho.

A jusante, registam-se outros afluentes significativos como os da zona de Lamaçães, infelizmente totalmente urbanizada, sendo assaz difícil de analisar, supomos, o estado actual da drenagem das águas desta segunda bacia de recepção.

Na cartografia militar, a Ribeira das Sete Fontes está perfeitamente identificada. Distinguem-se perfeitamente os limites da bacia da recepção e o modo como se juntam as várias linhas de águas de maior importância. Com origem na vertente sudeste de Montariol e no Monte Pedroso, e ainda outra que sai da zona do Areal de Baixo.

A partir da zona da Quinta da Armada a ribeira segue a direito, ao longo da circular que serve o BragaParque, inflectindo depois para sudeste, para a Capela da São Vítor-O-Velho.

Neste local, a meio da Rua homónima, há um pontão formado por lajes que permitia cruzar a ribeira, o que leva a deduzir um caudal permanente. Recordamos que por aqui passava a Via romana que se dirigia de Bracara Augusta para Asturica Augusta. Quando se realizaram os estudos para cartografar a referida via romana (salvo erro em 2002) ainda se ouvia o ruído da água a correr sob o lajedo. Segundo observação da ASPA, ainda recentemente era possível escutar o ruído da corrente, o que já não acontece.

De São Vítor-O-Velho a ribeira seguia ao longo da Quinta dos Congregados, passando a oeste de um campo de futebol. Finalmente confluía no Este a montante de uma ponte

 

Hoje o traçado da Ribeira das Sete Fontes mal se distingue no Google Earth, engolido e alterado pela expansão da cidade. Felizmente foi possível salvar o vale das Sete Fontes, mesmo que já afectado por diversas construções que nunca deveriam ter sido autorizadas.

Apesar do concurso de sucessivas amplas bacias de recepção o rio Este, no concelho de Braga, tem um regime torrencial. Ou seja, o caudal depende da precipitação, seja no Outono, Inverno ou Primavera. Em momentos de chuva intensa é um curso de água quase feroz. Talvez por isso, no Mapa de Braunio, de 1594, observam-se pelo menos três pontes sobre o rio, o que era ditado precisamente por esse regime torrencial que não permitia a travessia a vau de pessoas, animais de carga e carros de tracção animal, sempre que a chuva era intensa e o caudal aumentava.

 

Será possível recuperar a Ribeira das Sete Fontes? É pouco provável.



Para um último local verde e livre, onde tal seria viável (um terreno situado a nordeste dos prédios da Quinta da Armada), foi autorizada recentemente mais uma construção: um ginásio.



É importante extrair ensinamentos dos erros que foram e estão a ser cometidos.


Outra vasta bacia de recepção do rio Este é a extensa Veiga de Lomar, a que será dedicado um próximo “Entre Aspas”.

                                                                                Francisco Sande Lemos

                                                                                        (Arqueólogo)


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