INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

ENTRE ASPAS: "Memórias e Percursos de Vida na Academia Sénior"

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Incentivar os cidadãos a escrever sobre momentos marcantes das suas vidas, como a infância, a juventude, o percurso profissional ou a família, pode culminar na criação de um livro coletivo de memórias. Foi o que aconteceu quando, no ano letivo de 2022/23, nos propusemos iniciar, ainda que com algum espírito experimental, a disciplina de Memórias e Autobiografias na recém-criada Academia Sénior pelo município de Braga.


Começando com uma partilha de experiências sobre as memórias mais significativas na vida de cada um, o projeto foi ganhando forma e deu mote a um empenho surpreendente na produção da escrita e na descoberta de imagens (fotografias e objetos) muito para além do inicialmente expectável. A infância, a escola primária, o primeiro ordenado, o namoro, o casamento, o nascimento dos filhos, o primeiro emprego, o antigo ultramar, o 25 de abril, as festas familiares e comunitárias, mas também a descoberta de capacidades criativas e de ficção que se revelavam adormecidas. Tudo convergiu para a produção do livro “Memórias e Autobiografias e os 50 anos do 25 de Abril” (2024) dividido em três capítulos: Memórias do Eu, Memórias do Nós (com relevo para o 25 de abril, nos 50 anos da sua comemoração) e Outras Memórias. São muitas as histórias vividas e recontadas e outras ainda recriadas a partir do exercício da recordação pessoal. Um projeto que busca preservar o Passado e simultaneamente criar Presente, num equilíbrio entre a preservação e a criação ativa. 

O projeto também deu lugar à integração de desenhos elaborados por crianças (netos, bisnetos ou outras) que escutaram as histórias a partir dos familiares ou pessoas próximas e as ilustraram com a sua própria sensibilidade, fazendo-as tomar parte num projeto de valorização do diálogo intergeracional e da fixação da memória como património. Reconhecer as experiências dos outros desenvolve competências não só de atenção, escuta e empatia - fundamentais para o crescimento pessoal e social das crianças - como estimula a compreensão de que o passado é uma fonte de sabedoria e identidade que deve ser preservada. Na verdade, a valorização destes registos permite que novas gerações conheçam melhor os seus antepassados e compreendam o contexto das suas próprias vidas.

Por outro lado, refletir sobre o seu percurso permite aos mais velhos dar significado às experiências vividas e reconhecer a riqueza da sua história pessoal. A escrita e a partilha destas memórias ajudam a combater a solidão e estimulam a autoestima e o sentido da identidade. A memória, a organização do pensamento e a agilidade mental são também estimulados. O fortalecimento dos laços comunitários e o registo de tradições, valores e acontecimentos históricos, locais ou nacionais que, de outro modo, poderiam perder-se, são fundamentais para a preservação da memória coletiva.

Os 50 anos do 25 de abril celebrados enquanto procedíamos à organização do livro não podiam naturalmente deixar de ser realçados e integrados nas atividades. Há datas que moldam vidas. O 25 de abril é uma delas. Dar voz a quem o viveu é um dever de memória e os seniores da nossa Academia são os seus guardiões. “O 25 de abril na minha vida” foi o mote para os testemunhos diretos que cada um, sem exceção, prestou para a coletânea de gravações em vídeo que foram produzidas em plena sala de aulas na base de um curto guião elaborado para o efeito. O resultado final foi mostrado em público no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva nas vésperas da comemoração e, a convite da sua diretora, também integrado no depósito da Aqualibri, biblioteca digital do Cávado. No capítulo Memórias do Nós, figuram alguns desses registos incluindo poemas inspirados e até musicados pelos próprios, destinados a esse momento marcante. À medida que as recordações do 25 de Abril emergiam, surgiam das gavetas memórias adormecidas – fotografias, objetos e histórias – agora prontas para serem partilhadas. É exemplo um dos textos onde figura um isqueiro e uma máquina de barbear pertencentes ao militar morto junto à PIDE no próprio dia 25 de Abril de 1974, e se lê: “a revolução não teve só o vermelho dos cravos a dar-lhe cor, teve o sangue de quatro pessoas que se manifestavam na rua António Maria Cardoso em Lisboa, em frente ao edifício da PIDE/DGS”. O soldado em causa, afeto a Penamacor, encontrava-se em Lisboa de licença militar, o que só foi possível por ter obtido dinheiro emprestado para a viagem em troca dos dois objetos que penhoraram o valor do empréstimo. O militar não mais voltaria para os reaver pois, por ironia do destino, no mesmo dia em que Portugal recuperava a liberdade, quis o drama que não vivesse para a usufruir. No contexto deste livro, estes objetos, silenciosos, mas cheios de significado, tornaram-se pontos de partida para a narrativa aqui contada, fazendo desencadear recordações, emoções e histórias mais ou menos esquecidas, mas que são essenciais para a configuração de uma História mais plural, sentida e completa. Note-se que são, muitas vezes, os relatos pessoais que preenchem os silêncios e as omissões da narrativa dominante, trazendo à luz as vozes que raramente aparecem nos livros oficiais – vozes do quotidiano, das margens, das emoções vividas, dos detalhes que escapam às grandes narrativas…

 

A Academia Sénior tem assim um papel único enquanto guardiã de memórias vivas. Ao registar estas experiências, está a dar um contributo precioso à história local e nacional. Está a contribuir para que nos conheçamos melhor a nós próprios.

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