INTERVENÇÃO CÍVICA EM DEFESA DO PATRIMÓNIO

A ASPA criou este blogue em 2012, quando comemorou 35 anos de intervenção cívica.
Em janeiro de 2024 comemorou 47 anos de intervenção.
Numa cidade em que as intervenções livres dos cidadãos foram, durante anos, ignoradas, hostilizadas ou mesmo reprimidas, a ASPA, contra ventos e marés, sempre demonstrou, no terreno, que é verdadeiramente uma instituição de utilidade pública.
Numa época em que poucos perseguem utopias, não queremos descrer da presente e desistir do futuro, porque acreditamos que a cidade ideal, "sem muros nem ameias", ainda é possível.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ENTRE ASPAS: "A VALORIZAÇÃO PAISAGÍSTICA DOS ITINERÁRIOS TURÍSTICOS "

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Apesar de ser um país pequeno, apresenta uma grande geodiversidade, biodiversidade e diversidade de paisagens. 

Prova disso são os cinco Geoparques da UNESCO, as oito Reservas Biogenéticas do Conselho da Europa, as 12 Reservas da Biosfera da UNESCO,  os 14 Itinerários Culturais do Conselho da Europa, os 17 sítios classificados como Património Mundial da UNESCO, as 62 Áreas Protegidas nacionais (Parque Nacional, Parques Naturais, Reservas Nacionais, Paisagens Protegidas e Monumentos Naturais) e os 21% do território terrestre a integrar a Rede Natura 2000 (que inclui os Sítios de Importância Comunitária e as Zonas de Proteção Especial e, naturalmente, a Rede Nacional de Áreas Protegidas).

Os Itinerários Culturais do Conselho da Europa abarcam diferentes temáticas, o que demonstra a nossa riqueza cultural, na vertente histórica e patrimonial, como os Caminhos de Santiago, a Rota dos Cistercienses, o Itinerário dos Jardins Históricos, a Rota Europeia do Termalismo Histórico, a Rota do Património Judaico Europeu, a Rota dos Fenícios, o Itinerário do Património Marítimo, a Rota das Cidades Termais, a Rota Europeia das Abadias, a Rota dos Caminhos do Imperador Carlos V, a Rota da Cerâmica, a Rota do Ferro na Europa, o Itinerário do Olivo e a Rotas da Herança Árabe. Para além dos Itinerários, também está classificado pelo Conselho da Europa um vasto património natural, as Reservas Biogenéticas, com distintos ecossistemas, como as Berlengas, a Serra da Arrábida, a Serra da Malcata, o Paul da Arzila, a Mata da Margaraça, a Mata de Palheiros/Albergaria, a Ponta de Sagres e o Planalto da Serra da Estrela.

Para além deste património classificado temos, também, um grande conjunto de Rotas Turísticas estruturadas e implementadas: os Caminhos de Santiago em Portugal (Caminho Central Porto e Norte, o Caminho da Costa e o Caminho Interior), a Rota das Aldeias Históricas (12 aldeias na Região Centro), a Rota das Aldeias de Xisto (na Região Centro), a Rota das Judiarias, a Rota do Românico (vales do Tâmega, Sousa e Douro), a Rota dos Descobrimentos, a Rota da Herança Islâmica, a Rota dos Jardins Históricos de Portugal, a Rota do Barroco (centrada em Braga), a Rota da Cortiça (no Alentejo), a Rota das Termas e Bem-Estar, a Rota das Capitais de Distrito e a Rota das Ilhas Atlânticas (na Madeira e nos Açores).Temos ainda as rotas ligadas à gastronomia e vinhos: Rota dos Vinhos Verdes, a Rota dos Vinhos do Alentejo, a Rota do Vinho do Porto e a Rota do Azeite, e ainda as grandes rotas pedestres: Rota dos Caminhos de Fátima, a Rota Vicentina, a Ecovia do Litoral do Algarve, a Grande Rota do Zêzere e a Rota do Douro.

Podemos questionar-nos sobre o porquê de o Turismo Cultural não avançar para o interior e assim potenciar o desenvolvimento turístico nos períodos em que a sazonalidade é maior. De facto, o trabalho de fundo está, no essencial, realizado, mas falta claramente a promoção destes produtos específicos nos públicos-alvo, a formatação para criar e comercializar produtos turísticos integrados e a valorização dos percursos turísticos e o acesso a este património, já inventariado, classificado e estruturado.

A qualidade dos itinerários de acesso ao património é muitas vezes agressiva, pelas disfunções dos cenários, mas o problema principal reside no facto de a qualidade da paisagem não ser valorizada por muitos decisores políticos, e, portanto, não a protegem quando tomam decisões para o território. Continuam a licenciar volumetrias dissonantes com a escala do edificado local e com tipologias que descaraterizam a identidade regional, gasta-se dinheiro em intervenções urbanas sem qualidade, em que há perda de património arquitetónico. Muitas vezes não há preocupação com o fundamental: a mitigação das dissonâncias ambientais, a remoção de sinalética inestética (que choca com o passado da rua ou praça), a conservação da sinalética de lojas com história, a colocação de sinalética atual e coerente, a eliminação de resíduos visíveis nas vias de circulação automóvel, o enquadramento de edifícios de grande valor arquitetónico. Continua a permitir-se elementos dissonantes pela tipologia, volumetria, cores e materiais usados na construção.

Para implementar uma política de valorização cénica dos itinerários culturais e naturais é necessário, em primeiro lugar, definir os percursos a valorizar, efetuar o levantamento dos elementos dissonantes (em fichas de projeto) e elaborar propostas individuais de eliminação ou mitigação das intrusões visuais.

Nos percursos pedestres, para além da eliminação das dissonâncias, é essencial uma estratégia de remoção regular de resíduos sólidos urbanos, de controlo de espécies invasoras e da vegetação que dificulte a circulação pedonal. Estes percursos devem estar bem sinalizados, dispondo de uma aplicação móvel de suporte, para geolocalização, informação sobre o património existente (QRCode, por exemplo) e infraestruturas de apoio ao longo dos percursos.

É necessário um bom planeamento para a promoção do nosso património, que integre a paisagem, o alojamento, a restauração e a mobilidade. Se a oferta não for de qualidade prejudica os fluxos turísticos, pois ninguém quer viajar para um destino descaraterizado ou com fraco alojamento, restauração sem qualidade ou com transportes desqualificados.

A paisagem é um bem coletivo, que importa deixar como herança às gerações futuras e, também, um ativo para o desenvolvimento e divulgação do território. Esta tem que ser gerida com equilíbrio, bom senso, arte e pragmatismo, de forma a poder compatibilizar os usos com a valorização e a recuperação da paisagem, manter as classificações e os títulos obtidos e acima de tudo orgulhar as populações do seu património paisagístico.

A paisagem é um elemento fundamental da identidade de cada concelho e de cada região. É altura de se colocar uma estratégia de valorização da paisagem nos Planos Diretores Municipais!

                                                        Manuel Sousa

                                                       (Arquiteto Paisagista)